Ocidente ataca Putin, mas é Zelensky que suspende eleições
O mandato de Volodymyr Zelensky como presidente da Ucrânia termina, oficialmente, no próximo dia 31 de março. Nem por isso a população sabe quando irá às urnas para eleger – ou reeleger – seu chefe de Estado.
Amparado por uma manobra – a lei marcial em vigor desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia –, Zelensky suspendeu as eleições presidenciais até o fim do conflito. Como não há cessar-fogo à vista entre Moscou e Kiev, o líder ucraniano encontrou a brecha para atacar a democracia e permanecer no cargo.
O golpe foi anunciado em 6 de novembro passado. Em pronunciamento à nação, Zelensky pediu “foco” na defesa da Ucrânia diante de uma “batalha” que, conforme suas palavras, vai determinar “o destino do país e do povo”.
“Agora não é momento para eleições. Devemos evitar tudo o que envolva divisão política”, afirmou o presidente, principal beneficiário da medida. “Se for preciso acabar com isso (a eleição) ou a disputa política e continuar trabalhando apenas na unidade, então o Estado tem estruturas capazes de acabar com isso e dar à sociedade todas as respostas necessárias para que não haja espaço para conflitos e jogos de outras pessoas contra a Ucrânia.”
Não há pesquisas confiáveis sobre a popularidade do governo Zelensky. Mas os últimos revezes na guerra levaram opositores e até “aliados” a se lançarem como candidatos à presidência. Este foi o caso de Oleksí Arestovich, ex-conselheiro de Zelensky. Curiosamente, Arestovich denunciou ter sido pressionado e ameaçado por apoiadores do presidente.
Setores militares também têm divulgado resultados ruins frente à Rússia, o que tende a reduzir o capital político-eleitoral de Zelensky. Até o papa Francisco entrou no debate e pediu, na semana passada, a rendição da Ucrânia: “É mais forte quem vê a situação, quem pensa nas pessoas, quem tem a coragem da bandeira branca, para negociar. E hoje se pode negociar com a ajuda das potências internacionais”, declarou o pontífice.
Os governos do Ocidente – a começar pelos Estados Unidos – fingiram ignorar o retrocesso autoritário na Ucrânia, bem como as ameaças do governo à oposição. Mesmo entre os jornais da grande mídia internacional, poucos criticaram a declaração de Zelensky de que convocar eleições “em tempo de guerra” é algo “totalmente irresponsável”, uma “frivolidade”.
Em contrapartida, a reeleição de Putin na Rússia, no domingo (17), com 87% dos votos, mobilizou governantes, analistas, jornalistas e diplomatas – todos ávidos a criticarem e deslegitimarem o pleito. Sem provas, denunciam a falta de transparência ou lisura na votação, além de acusarem o Kremlin de ter assassinado Alexei Navalny, rival de Putin que estava preso em uma colônia penal.
A Casa Branca, por exemplo, disse que as eleições russas “obviamente não foram livres nem justas”. Para Zelensky, “não há legitimidade nesta imitação de eleições – e não pode haver”.
A tática de “dois pesos, duas medidas”, usada pelo Ocidente e por Zelensky, não é suficiente, porém, para esconder uma série de trunfos de Putin na conquista de seu quinto mandato. “Apesar dos níveis sem precedentes de sanções impostas à Rússia (…), o país surpreendeu muitos economistas ao se tornar a economia com crescimento mais rápido na Europa”, lembrou a BBC.
Mesmo às voltas com a guerra na Ucrânia e com as sanções, não houve desabastecimento. Além disso, o alinhamento anti-Rússia dos países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) levou Putin a ampliar a narrativa da guerra, que deixou de ser apenas contra um país menor, a Ucrânia. “Putin continua a desfrutar do apoio de uma massa crítica de seu povo, com o qual compartilha a visão da Rússia como um país forte e poderoso que o Ocidente quer destruir”, escreveu o analista Owen Matthews, na Spectator.
Vilma Gryzinski, uma colunista americanófila da revista Veja, resumiu bem a mal-estar: “Seria bom acreditar que os resultados da eleição presidencial na Rússia foram inteiramente fraudados e que a oposição conseguiu avanços importantes. Mas o fato é que a maioria dos russos gosta de Vladimir Putin”.
Zelensky, ao contrário, abusou de uma retórica pouco convincente, que foi cada vez mais desmentida pelas notícias nos fronts da guerra. A Ucrânia está perdendo o conflito – e Zelensky sabe que pode perder a eleição. Seu ataque à democracia só não é maior do que a hipocrisia e a omissão do Ocidente.