Mais partido, mais unidade, mais ousadia: os “novos” rumos da China
Sempre que acaba a sessão anual do Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional, o principal órgão do Poder Legislativo na China, a grande mídia internacional não consegue esconder o ar de frustração. Não foi diferente neste ano, diante da sessão encerrada na segunda-feira (11) no Grande Salão do Povo, ao lado da Praça da Paz Celestial, em Pequim.
Por amplíssima maioria de votos, os mais de 2.900 membros do “Congresso do Povo” aprovaram resoluções que respaldam a autoridade do Partido Comunista da China e do presidente Xi Jinping. Mais uma vez, as 56 minorias étnicas reconhecidas no país foram representadas na sessão, que se estendeu por uma semana. Em demonstração de unidade, o órgão apoiou medidas para melhorar os indicadores econômicos, a despeito do mau humor dos jornalistas estrangeiros.
Os “novos” rumos da China não têm exatamente um componente novo: ao proclamar mais partido, mais unidade e mais ousadia, o Congresso fortalece diretrizes já em curso, embora renovem especialmente a liderança de Xi.
“Não significa que o sistema seja monolítico, longe disso”, reconhece, surpreendentemente, o jornal O Globo, que enviou um correspondente ao Congresso do Povo. “Há uma infinidade de instâncias de poder abaixo de Pequim, entre eles os governos locais e as estatais, em que há relativa autonomia para criar meios de cumprir as metas assinaladas no topo.”
Mas os jornais “de prestígio” tentam desgastar o governo chinês. O choramingo da agência Associated Press sintetiza o tom enviesado: “À medida que o Partido defende a inovação e a autossuficiência tecnológica para construir uma economia moderna e rica, ele vem se apoiando fortemente em uma ideologia comunista que remonta a épocas passadas. Xi fortaleceu o papel do Partido em todo o espectro, da cultura e educação, à gestão empresarial e ao planejamento econômico”.
Detalhe: desde a Revolução de 1949, o planejamento econômico chinês e todos os projetos estatais sempre estiveram sob responsabilidade do Partido Comunista, que transformou a China na segunda maior economia do Planeta. Qual é, exatamente, a novidade?
Nas linhas do The Economist, parece haver um anúncio de caos: “Estes são tempos de ansiedade e confusão para os chineses comuns. Uma economia que antes era irrefreável está desacelerando. A confiança do consumidor está baixa. As economias de muitos chineses, especialmente daqueles que possuem propriedades, estão perdendo valor. Os jovens precisam estudar até tarde da noite para entrar em boas escolas, mas agora têm dificuldades para encontrar emprego quando se formam”.
O The New York Times faz coro, mas procurando questionar as metas aprovadas: “As autoridades sinalizaram que não estavam prontas para nenhuma ação de destaque para reavivar uma economia abalada por uma crise imobiliária, pela perda de confiança do consumidor e pelas pressões financeiras de governos locais endividados. Apesar de sua relutância em gastar, os principais líderes da China disseram que a economia cresceria cerca de 5% este ano”.
O tom de desconfiança omite uma leitura mais objetiva dos fatos. A China cresceu 5,2% em 2023, apesar de ter estabelecido restrições para conter um eventual repique da pandemia de Covid-19. O crescimento surpreendeu o mercado e a mídia, habituados, ambos, a compararem um índice desses com aqueles de dois dígitos registrados pelo país por mais de 20 anos. O uso do cachimbo entorta a boca, diz o ditado.
O salto chinês de 5,2% é mais que o dobro da alta registrada no ano passado pelos Estados Unidos (2,5%) e quase o triplo do crescimento do Japão (1,9%). Os jornais europeus são mais críticos e ácidos com o desempenho econômico da China do que com o desempenho de seus próprios países. A França cresceu 0,9%; a Itália, 0,7%; e o Reino Unido, 0,1%. Já a Alemanha, pior, recuou -0,3%.
E para 2024? O Relatório sobre o Trabalho do Governo, divulgado nesta terça-feira (12), inclui metas à “Política para o Desenvolvimento Econômico e Social”. Em primeiro lugar, o Partido Comunista propõe a continuação do binômio desenvolvimento com crescimento.
Para isso, a projeção é de um crescimento econômico de cerca de 5% no ano e a geração de mais de 12 milhões de novos empregos urbano. A população chinesa é sete vezes maior do que a brasileira. A meta de empregos equivale, no entanto, a nove vezes do que o Brasil gerou em 2023, mesmo com os estímulos do governo Lula.
O Partido Comunista da China, uma vez mais avalizado pelo Congresso do Povo, quer avançar na revolução. Entre as metas aprovadas, está o “crescimento da renda pessoal em sintonia com o crescimento econômico”, “um equilíbrio básico na balança de pagamentos”, “produção de grãos de mais de 650 milhões de toneladas métricas” e “melhorias contínuas no meio ambiente”.
A China também quer reduzir o consumo de energia. Foi aprovada uma meta de redução de 2,5% de consumo energético por unidade do PIB. Não consta que qualquer país desenvolvido do Ocidente tenha adotado uma meta desse porte.
Com a escalada de guerras nos últimos anos, o avanço da Otan e a ascensão de um governo anti-China em Taiwan, o governo Xi não se esqueceu da Defesa. Os investimentos militares devem ser de US$ 231 bilhões em 2024, montante similar ao do ano passado. Conforme mostrou o Vermelho, a China já se tornou potência marítima e deve ameaçar a hegemonia dos Estados Unidos nos oceanos.
Voltemos ao que diz O Globo, com seu habitual desdém: “Em meio à quebra de confiança de parte da população causada pelas dificuldades da economia, o acúmulo de poder nas mãos de Xi também eleva o perigo de que ele seja o alvo de insatisfação popular”. Convenhamos: não dá para saber se é análise ou torcida.
O resumo é que uma imprensa fadada à quebradeira, com dificuldade para sobreviver na era das plataformas digitais, quer ensinar crescimento e desenvolvimento sustentáveis ao país que teve o mais longo ciclo de pujança econômica na história. Não se deve negar que é tempo de grandes desafios. Mas, a se concretizar a meta do Partido Comunista, um crescimento acumulado de quase 10,5% em dois anos, ante os menos de 5% projetados para os Estados Unidos, é realmente sinal de crise?