Charge: Nando Motta

No mesmo dia em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, corretamente, que Robinho poderá cumprir, no Brasil, a pena por estupro praticado na Itália, a Justiça da Espanha estipulou uma fiança para que outro jogador brasileiro, Daniel Alves, também condenado pelo mesmo crime, pudesse ser liberado. Na sequência, ainda foi noticiado que Neymar pai pagaria a fiança. Os episódios envolvendo Alves causaram polêmica tanto pela postura assumida pela Corte quanto pela ajuda que o atleta supostamente ia receber. 

A indignação causada não é gratuita. Em meio a uma realidade marcada pelo machismo e a misoginia, na qual o corpo da mulher não é respeitado e milhares são violentadas todos os anos, situações como essas soam como um “tapa na cara” das mulheres e, sobretudo, das vítimas. 

Na quarta-feira (20), juízes da mais alta corte de Barcelona concordaram, por maioria, em liberar Daniel Alves enquanto ele aguarda a sentença definitiva, desde que fosse paga fiança no valor de 1 milhão de euros (cerca de R$ 5,4 milhões). 

Logo depois, veio à tona a informação de que Neymar pai pagaria o valor estipulado. Seria a segunda ajuda dele ao jogador — durante o julgamento, ele transferiu 150 mil euros a Alves para o pagamento de “atenuante de reparação de dano causado”, espécie de multa que reduziu o tempo da pena.

Já nesta quinta-feira (21), Neymar pai disse, pelas redes sociais, que “neste segundo momento, em uma situação diferente da anterior, em que a justiça espanhola já decidiu pela condenação, estão especulando e tentando associar o meu nome e do meu filho a um assunto que hoje não nos compete mais”. 

Ele completou dizendo esperar que “o Daniel encontre junto à sua própria família todas as respostas que ele procura. Para nós, para minha família, o assunto terminou”. 

Indignação

A possibilidade de libertar Alves mediante pagamento da fiança gerou críticas dentro e fora do Brasil. A libertação representa um frustrante recuo frente à decisão tomada anteriormente de punir o jogador brasileiro pelo crime de estupro de uma mulher em 2022,  numa casa noturna em Barcelona, postura que contribui para banalizar ainda mais a violência contra as mulheres, que já é fartamente praticada. Além disso, mostra que “quem é rico não fica preso”. 

É importante lembrar que, segundo o Anuário 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o ano de 2022 teve o maior número de estupros da história no Brasil, com quase 75 mil casos, crescimento de 8% em relação a 2021. 

Da mesma forma, foi verificado o aumento de violência doméstica (2,9%, com 245 mil agressões), assédio sexual (49%, com mais de seis mil casos) e importunação sexual (37%, com mais de 27 mil casos). 

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgados em 2021 apontavam que ao longo da vida, uma em cada três mulheres, cerca de 736 milhões no mundo, foi submetida à violência física ou sexual por parte de seu parceiro ou violência sexual por parte de um não parceiro — um número que permaneceu praticamente inalterado na última década. 

Após o tribunal decidir pela fiança, Ester Garcia, advogada da vítima, afirmou, a um canal local, que sua cliente se sentia “desesperada e frustrada” e que a notícia era um “balde de água fria”. Segundo a advogada, ela “está muito indignada e me disse: ‘Estou cansada de ser forte’”. 

Diante da repercussão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também comentou a decisão: “O dinheiro que o Daniel Alves tem, o dinheiro que alguém possa ter, não pode comprar a dignidade da ofensa que um homem faz a uma mulher praticando estupro”. 

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também demonstrou indignação: “O dinheiro decide quem é punido. A lei na Espanha só serve para criminoso pobre”. Já a deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS) salientou: “mais uma vez a lei beneficiando os homens, os ricos e os poderosos”. 

A presidenta do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) declarou que “o primeiro erro foi a justiça da Espanha ter reduzido a pena mediante multa de 150 mil euros (paga pela família Neymar, vale lembrar). Agora, liberdade provisória sob fiança de 1 milhão de euros. No final, a condenada sempre é a vítima estuprada, que carregará os traumas pelo resto da vida. Revoltante!”. 

Até esta quinta-feira, o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha disse não ter recebido o valor da fiança, de maneira que, por ora, Alves segue preso. Caso o depósito da fiança não seja feito até as 14h de sexta-feira (22), Daniel Alves passará o fim de semana na prisão, porque a Audiência Provincial de Barcelona, onde o caso está, só funciona em dias úteis.