China se torna potência marítima e ameaça a hegemonia dos EUA
O alerta foi dado em janeiro numa longa reportagem da The Economist: em pleno século 21, “ter uma Marinha poderosa se tornou crucial para vencer guerras”. Segundo a tradicional revista britânica, a ordem mundial está em “erosão”. Qual ordem? Aquela em que Estados Unidos e aliados, graças à frota de submarinos modernos e a alianças navais mais sólidas, pareciam soberanos e imperecíveis pelos mares do Planeta.
A emergência da China como nova potência marítima ameaça essa hegemonia norte-americana num momento em que, conforme a Economist, “os oceanos voltaram a ter importância na geopolítica”. Nenhum país se preparou melhor para essa transição do que a China.
“A Marinha chinesa é hoje a maior do mundo”, destaca a Economist. “Os estaleiros americanos mirraram. E as Marinhas europeias são uma sombra do que já foram, tendo perdido 28% de seus submarinos e 32% de suas fragatas e de seus destroieres entre 1999 e 2018.”
O problema, para a Europa, é que essa redução vem em péssima hora. Grandes conflitos internacionais – os atuais e os iminentes – passam pelos oceanos e, por isso, testam o poderio do Ocidente. EUA e Reino Unido até responderam à ofensiva do grupo rebelde Houthi no Mar Vermelho, região que é considerada uma “artéria crucial do comércio mundial”. Mas as tensões não se resumem ao Oriente Médio.
“Taiwan acaba de passar por uma eleição capaz de moldar seu futuro. Um conflito pela ilha envolveria uma intensa guerra naval sino-americana que se ampliaria para muito além do Pacífico”, aponta a Economist. “E na Europa a guerra na Ucrânia pode se transformar numa disputa naval pelo Mar Negro e pela Crimeia. O poder marítimo está de volta.”
Só a China acompanhou essa tendência. Crescendo sobretudo nos setores de granéis secos e navios porta-contêineres, o país já responde por mais da metade da produção mundial de navios. Em 2023, a China ultrapassou a Grécia e virou o maior proprietário de frota marítima do mundo em termos de arqueação bruta (GT).
Esse avanço é estratégico porque, afora as guerras, sobressai a economia. De acordo com a revista, “cerca de 80% do comércio global em volume é transportado pelo mar; e, em termos de valor, 50%”. Além disso, empresas de telecomunicações mantêm 574 cabos submarinos, “ativos ou planejados”, operando 97% do tráfego global de internet.
Um mês depois da The Economist, a Dow Jones Newswires é outra publicação de renome a se render à invasão chinesa nos mares. Diz a Dow Jones: “A China emergiu como uma potência global ao se transformar no chão de fábrica do mundo. Agora, ela está ampliando esse poder – e seu poderio militar – com outro notável feito industrial: está se tornando o estaleiro do mundo”.
Se a China é “a maior fabricante de navios por uma ampla margem”, quem compete com os chineses? “Os outrora prolíficos estaleiros do Ocidente, que ajudaram a forjar impérios, ampliar o comércio e vencer guerras, encolheram. A Europa responde por apenas 5% da produção mundial, enquanto os EUA hoje contribuem com quase nada”, diz a Dow Jones Newswires. “A maior parte do que a China não fabrica vem da Coreia do Sul e do Japão.”
Isso porque “a outrora vigorosa indústria da construção naval dos EUA” já não produz mais “um número significativo de navios comerciais oceânicos. Vários estaleiros têm apenas um grande cliente, a Marinha americana, e esses estaleiros frequentemente enfrentam acúmulos de pedidos, escassez de funcionários e fornecedores, e custos excessivos”.
A reportagem trata os chineses como expressão de um novo tempo – ou nova ordem. “Esse império da construção naval é um símbolo da transformação histórica da China, de uma nação continental voltada para dentro, em potência marítima”.
Um dos trunfos do país asiático é a diversificação. “As gigantescas empresas chinesas de construção naval que fabricam navios para o mundo são muitas vezes as mesmas que fabricam navios de guerra para a Marinha da China”, aponta a Dow Jones Newswires. “Seus estaleiros estão prosperando, com contratos de muitos bilhões de dólares sendo firmados não só para navios de guerra, mas também para navios de transporte de contêineres, navios petroleiros e graneleiros para companhias marítimas da China, do Ocidente e até de Taiwan.”
Citando o conflito entre Rússia e Ucrânia, a reportagem afirma que as guerras atuais têm durações imprevisíveis. Daí a necessidade de indústrias navais capazes de atender às demandas nacionais: “As fábricas de armamentos dos EUA vêm lutando para acompanhar os campos de batalha na Ucrânia. Seus fabricantes de munições – e estaleiros – não estão prontos para uma guerra com a China”.