Brasil produz alimentos para 900 milhões, mas 21,1 milhões passam fome
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma promessa audaciosa na terça-feira (5), durante a plenária de Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), em Brasília. “A gente está assumindo, publicamente, o compromisso de que, ao terminar o meu mandato, no dia 31 de dezembro (de 2026), não vai ter mais ninguém passando fome por falta de comida neste país. Este é um compromisso que nós temos que cumprir”.
O Plano Brasil Sem Fome, lançado no ano passado, apresentou a meta de tirar o Brasil do Mapa da Fome até 2030. Lula deu a entender que antecipou o prazo porque seu governo conseguiu “arrumar a casa”: ministérios, autarquias e conselhos estão em ordem, os estoques da Companhia Nacional de Abastecimento estão em dia, os grandes e os pequenos agricultores estão produzindo. “Nós temos todos os instrumentos para acabar com a fome neste país”, resumiu o presidente. “Acabar com a fome é prioridade zero.”
Para chegar lá, porém, o governo brasileiro terá trabalho. Após sair do Mapa da Fome em 2014/2015, o País viveu anos de retrocessos sob os governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), agravados pela pandemia de Covid-19. Em 2022, conforme a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), o País tinha 21,1 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave (estado de fome). Outros 70,3 milhões viviam em insegurança alimentar moderada (com dificuldade para se alimentar).
Há dois anos, o mundo tinha 111 países no Mapa da Fome. Eram nações em que mais de 2,5% da população vivia em situação crônica de falta de alimento. No Brasil, a fome crônica atingia 4,7% dos moradores. Isso significa que, devido à subalimentação, esses brasileiros não conseguiam manter uma vida ativa e saudável.
Porém, à diferença de praticamente todos os demais países no Mapa da Fome, o Brasil é uma potência agrícola. Um relatório do BTG Pactual, divulgado na segunda-feira (4), revela o “milagre da agricultura tropical” brasileira, com uma série de indicadores que conferem ao País o título de “celeiro do mundo”:
* Com 203 milhões de habitantes, o Brasil produz alimentos suficientes para as necessidades calóricas de 900 milhões de pessoas – o equivalente a 11% da população global;
* De 1977 a 2022, a produção brasileira de grãos saltou de 47 milhões de toneladas para 312 milhões de toneladas;
* Neste século 21, a produtividade agrícola do Brasil cresceu 58% – bem mais que o aumento registrado, em média, pelos países emergentes (37%) e pelas economias avançadas (32%);
* O Brasil é o maior exportador mundial de sete alimentos: suco de laranja (76% das exportações totais), soja (56%), açúcar (44%), carne de frango (33%), milho (31%), café (27%) e carne bovina (24%);
* O cultivo ocupa apenas 8% do território brasileiro, índice inferior aos 14% da Argentina, aos 18% dos Estados Unidos e da China, aos 58% da França e aos 61% da Índia;
* A área cultivada tende a crescer ainda mais, já que 40% dos 73 milhões de hectares usados para a criação de gado estão “moderadamente ou severamente degradados” (essas pastagens podem ser convertidas em plantações).
Não bastasse o paradoxo de ser o “celeiro do mundo”, mas ter 21,1 milhões de pessoas passando fome, o Brasil, volta e meia, está às voltas com o fantasma da carestia. A última durou quase dois anos (2020-2022), impulsionada pela pandemia e pela negligência do governo Bolsonaro. A persistente oscilação no preço dos alimentos, embora menos dramática do que nos últimos anos, mostra que a carestia não foi inteiramente superada.
A fome no País não está relacionada à escassez de alimento – mas, sim, à pobreza e à miséria. Quando o custo de vista cresce e o poder de compra cai, a mesa dos brasileiros sofre impacto automático. Ou as famílias passam a comer menos, ou passam a consumir alimentos de qualidade inferior. Ou sofrerão, no mínimo, com insegurança alimentar, ou passarão fome crônica.
O cenário de fevereiro resume o desafio. De acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada pelo Dieese, os alimentos, em conjunto, ficaram mais caros em 14 de 17 capitais. O valor da cesta chega a R$ 808,38 em São Paulo e a R$ 832,80 no Rio de Janeiro.
“O tempo médio necessário para adquirir os produtos da cesta básica foi 107 horas e 38 minutos”, estimou o Dieese. “Após desconto de 7,5%, referente à Previdência Social, o trabalhador remunerado pelo piso nacional comprometeu, em média, 52,90% do rendimento para adquirir os produtos em janeiro.”
Na reunião do Consea, Lula anunciou investimentos para ampliar e qualificar as cozinhas solidárias – uma medida alinhada ao fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Nesta quinta (7), o presidente também assinou o decreto que tornou a cesta básica de alimentos mais diversificada e saudável. Mas faltam medidas para reduzir ou estabilizar o preço dos alimentos – e, claro, para elevar a renda dos trabalhadores. O combate à fome e o combate à pobreza andam de mãos dadas no Brasil.