Lula recebe jornalistas no Planalto, em janeiro de 2023. Foto: Ricardo Stuckert

O fortalecimento da democracia a partir da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva pode ser medido, também, pela sensível queda no número de jornalistas vítimas de agressão. Em 2023, houve 330 ocorrências, contra 557 em 2022, último ano de Jair Bolsonaro (PL) no poder, uma redução de 40,7%. O número ainda é alto, mas esta foi a primeira vez em quatro anos que foi registrada queda nesses índices. 

Dentre os casos ocorridos em 2023, boa parte aconteceu durante o 8 de Janeiro, quando bolsonaristas depredaram as sedes dos Três Poderes, numa tentativa de golpe de Estado. Os dados fazem parte de levantamento feito pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), divulgado nesta terça-feira (26). 

De acordo com a entidade, “com o fim do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o cenário político sofreu mudanças e essas refletiram na situação geral da imprensa no país. Após um período de campanhas estratégicas pela descredibilização de jornalistas e do jornalismo, o cerco a profissionais de mídia se atenuou um pouco. Porém, isso não significa que atingimos o quadro ideal”. 

Desde a posse de Bolsonaro até seu último ano na presidência, a quantidade de agressões a jornalistas só cresceram: foram 130 em 2019; 367 em 2020; 453 em 2021 e 557 em 2022. 

Apesar da diminuição no número de alertas em 2023, o total de casos ainda é maior do que aquele registrado em 2019, início do governo Bolsonaro. “Porém, é menor do que a cifra de 2020, quando a combinação de pandemia e uma política de governo antimídia foi responsável pelo acesse o gráfico interativo 18 primeiro grande aumento no número de violações à liberdade de imprensa no país”, aponta o relatório. 

Considerando os casos ocorridos em 2023, a maioria, 55,7%, teve como agressores agentes estatais — este é o terceiro ano consecutivo em que isso ocorre. A principal agressora individual foi a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP), com 36 casos; manifestantes bolsonaristas somam 30 e internautas, 29; já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) concentrou 15 ocorrências. 

No que diz respeito aos ataques via Twitter, o relatório mostra que “nos primeiros meses de 2023, os congressistas que proporcionalmente mais atacaram a imprensa foram os senadores Flávio Bolsonaro (87,5% de suas postagens mencionando a imprensa eram ataques) e Magno Malta (72,7%), acompanhados pela deputada federal Carla Zambelli (50%)”. 

Segundo a Abraji, janeiro de 2023 teve o maior número de agressões, 49. Ao tratar do 8 de Janeiro, destacou que os jornalistas que estiveram nos locais dos ataques foram “alvo de agressões verbais, físicas, intimidações e ameaças, além da destruição e apreensão indevida de seus equipamentos. Nos dias seguintes, continuaram a ser registradas agressões contra a imprensa, que cobria a desocupação das frentes dos quartéis militares em diferentes cidades brasileiras, tomados por grupos de mesma orientação política dos responsáveis pelos atos antidemocráticos”. 

Após esse período, a média não ultrapassou os 35 ataques por mês, chegando ao número mais baixo, de 14 alertas, em setembro – “cenário muito diferente do encontrado em 2022, quando o pico de ataques foi registrado, justamente, em setembro, período pré-eleitoral”, conforme assinala o levantamento.

Não à toa, o Distrito Federal concentrou a maior parte dos ataques no ano passado, 39,7% do total. Na sequência, vieram os estados de São Paulo (16,6%), Rio de Janeiro (7,3%) e Rio Grande do Sul (3,9%). 

Estigmatização 

Do total de ataques registrados em 2023, 47,2% foram discursos estigmatizantes e 38,2% envolveram agressões físicas, intimidação, ameaças e/ou destruição de equipamentos. 

A maioria, 229, vitimou jornalistas e profissionais de imprensa como indivíduos e 121 tiveram como alvo os meios de comunicação e a mídia em geral.

Do ponto de vista dos ataques de gênero, foram 82 dirigidos a mulheres jornalistas, 43,4% menos do que no ano anterior, dos quais 39% foram explícitos, com ofensas ou atos claramente machistas, homofóbicos, bifóbicos ou transfóbicos; questionamento de capacidades; atos de violência sexual; e formas diferenciadas de violência laboral e digital.

Mulheres cis e trans foram vítimas em 78,1% dos 32 episódios de violência explícita de gênero. Nesse grupo, 52% dos casos envolveram comentários claramente machistas, misóginos e/ou transfóbicos. Em 4% dos casos que vitimaram mulheres, foram identificadas situações de violência sexual. 

Entre os homens que sofreram ataques de gênero – 18,7% dos 32 casos de violência explícita –, 66,6% foram vítimas de comentários homofóbicos. Conforme a Abraji, “é importante pontuar que nem todos os jornalistas que sofreram com ofensas homofóbicas se identificam como membros da comunidade LGBTQIA+”. Essa forma de ataque, explica, “é, muitas vezes, usada como estratégia para inferiorizar e descredibilizar, partindo de uma ideia machista e heteronormativa de que determinadas identidades ou sexualidades são inferiores, menos capazes e menos dignas de ocupar determinados espaços sociais, políticos e profissionais”. 

Vale destacar, ainda, que a grande maioria dos agressores é formada por homens (49,7%); as mulheres são 21,8%. Outros — onde se encontram grupos, instituições e autores não identificados de ataques — somam 30,6%.

Recomendações 

Como forma de mudar esse panorama ainda hostil aos profissionais e à imprensa, a Abraji recomenda aos agentes públicos que “que não violem a liberdade de imprensa, seja impedindo o acesso a informações ou adotando um discurso contra o trabalho de jornalistas”. 

Aos poderes públicos, sugere que “reforcem as políticas de proteção a jornalistas e comunicadores vítimas de ataques em razão do exercício da profissão, considerando as novas formas de ataque e tendências observadas”. 

No que diz respeito às plataformas de redes sociais, defende que desenvolvam parâmetros e mecanismos para enfrentar a violência on-line, em especial no que diz respeito aos jornalistas, “considerando a posição que ocupam no debate público e seu papel de revelar fatos de interesse público”. 

O documento também sugere que empresas jornalísticas adotem medidas de formação, prevenção e proteção para seus profissionais e a estes, salienta a importância de denunciarem as agressões. 

Com informações da Abraji