Ascensão da extrema-direita é resultado alarmante contra “Agenda de Abril”
Ventura começou sua cruzada fascista sozinho, mas elegeu quase 50 parlamentares em 2024
Após as eleições em Portugal, um cenário político de mudanças e incertezas emerge, trazendo consigo reflexões sobre os rumos do país e os desafios enfrentados pela democracia. A cientista política e analista internacional Ana Prestes oferece uma análise crítica sobre os resultados eleitorais em Portugal, destacando a significativa vitória da extrema-direita e os desafios enfrentados pelo Partido Socialista (PS) diante do cenário político atual. Ana também é secretária de Relações Internacionais do PCdoB.
Ao abordar a primeira impressão sobre os resultados eleitorais, Prestes destaca a vitória expressiva da extrema-direita, representada pelo partido Chega. “Falando, honestamente, foi muito preocupante essa eleição”, enfatiza a analista. “É uma grande vitória da ultradireita”, afirma ela, expressando preocupação com o aumento do número de parlamentares do partido Chega, liderado por André Ventura, primeiro e único parlamentar eleito em 2019, saltando para 12 em 2022 e para 48 agora.
Ana Prestes ressalta a alarmante ascensão da extrema-direita, contrastando com as expectativas em relação a outros movimentos semelhantes na Europa, como o Vox na Espanha, que não alcançou uma vitória expressiva. “É uma vitória muito importante do campo deles”, afirma Ana, alertando para o papel crucial que o Chega pode desempenhar na formação do governo, possivelmente atuando como o fiel da balança.
Onda mundial
O contexto político internacional também foi abordado durante a entrevista, com Prestes mencionando a ascensão de líderes e movimentos de extrema-direita em diversas partes do mundo, como Trump nos Estados Unidos, Milei na Argentina e as recentes movimentações na Alemanha e Áustria. Essa projeção global da extrema-direita ecoa nos resultados das eleições portuguesas, refletindo um fenômeno mais amplo.
Prestes contextualiza essa vitória dentro dos 50 anos da Revolução dos Cravos e da ascensão da extrema-direita em todo o mundo, mencionando movimentações políticas em países como Estados Unidos, Argentina, Alemanha e Áustria. Ela destaca a preocupação com ideologias xenófobas e fascistas que ganham espaço, refletindo uma crise econômica e de liderança.
Ao ser questionada sobre o centro da questão política, Prestes enfatiza o aspecto econômico e o desgaste do governo associado à corrupção. Ela compara a situação com os governos anteriores no Brasil, mencionando o desafio enfrentado pelo PS de António Costa em lidar com acusações de corrupção e falta de respostas econômicas eficazes.
“O PS já se esperava por conta do desgaste desses oito anos de governo e do Antônio Costa, que embora não tenha se comprovado corrupção contra ele, mas houve todo um alarde”, pontua ela.
Governabilidade ameaçada
Apesar do empate entre PS e a Aliança Democrática (AD), a coligação da direita tradicional liderada pelo PSD, com uma pequena desvantagem para o partido governista, o PS já reivindicou para si o papel de oposição. A possibilidade de formar um governo torna-se um desafio diante das divergências ideológicas e da pressão exercida pelo Chega.
“Eu acompanhei a campanha, eu acho que teve uma subestimação do Chega, por parte principalmente do PSD, e eles jogaram bem duro, falando que, pelas mãos deles, o Ultra não ia para o governo, e agora estão nessa situação”, afirma Ana, prevendo a convocação de novas eleições como uma possibilidade eminente, como ocorreu na Itália e na Espanha.
Sobre a possibilidade de uma coalizão entre a AD e o Chega, Ana Prestes destaca as contradições e incertezas que permeiam essa questão. “Essa é a grande dúvida dos próximos dias”, pondera a analista, ressaltando as possíveis repercussões políticas de uma aliança entre partidos tão distintos e que se hostilizaram tanto no processo eleitoral.
No entanto, a socióloga duvida que a decisão final desafie as agressões feitas durante a campanha eleitoral. Ela apontou a rigidez dos eleitores portugueses, observando que eles “são muito preto no branco”, sugerindo que a formação de uma coalizão poderia gerar conflitos e descontentamento entre os eleitores.” Com isso, ela destaca a importância da transparência e coerência política em um contexto de crescente polarização e incertezas.
A agenda do 25 de abril
Ao ser questionada sobre a situação da esquerda após as eleições, a dirigente do PCdoB expressa sua preocupação: “Olha, a situação da esquerda é muito complicada.” Ela destaca o declínio da base eleitoral do Partido Comunista Português (PCP), atribuindo-o à sua postura em relação à guerra da Ucrânia (destoando do consenso europeu contra a Rússia) e ao anticomunismo propagado pelo partido Chega. Prestes ressalta que a esquerda buscará reivindicar a agenda do 25 de abril para recuperar prestígio, mas enfrentará um cenário desafiador.
O 25 de Abril de 1974 é a data da Revolução dos Cravos, que levou à queda da ditadura salazarista, com hegemonia da esquerda. Desta forma, os valores socialistas de valorização dos trabalhadores e sua organização, a conquista crescente de direitos, serviços públicos de qualidade e liberdades, assim como a defesa da democracia e de uma nação forte e independente, além de solidária com as causas internacionais.
Quando questionada sobre as pautas que devem prevalecer no novo governo, Prestes enfatiza a demanda por respostas econômicas e melhorias. Ela destaca que o Chega, com sua grande representação parlamentar, priorizará questões relacionadas à imigração e o polemismo moral de costumes, habitual na extrema-direita. “Agora, essa bancada enorme, quase 50 deputados do Ultra, vai jogar duro com as questões da imigração”.
Em relação às possíveis razões para o resultado eleitoral desfavorável à esquerda, Prestes rejeita a ideia de que antecipar as eleições favoreceu a ascensão da extrema-direita. Ela atribui o fenômeno a uma onda global de radicalismo, influenciada por crises econômicas e internacionais, que alimentam discursos nacionalistas e conservadores.
“É uma onda desse momento em que as crises econômicas, e mesmo essas crises internacionais que acabam impactando, favorecem esse discurso radical, nacionalista, antiestrangeiro, anti-imigração, pelos valores conservadores. Beira o salazarismo, mesmo, que foi derrotado 50 anos atrás”, ressalta.
Quanto à sustentabilidade da ascensão do Chega, Ana Prestes destaca a evolução da sociedade portuguesa ao longo dos últimos 50 anos e a influência de fatores internos e externos. “A própria agenda do 25 de abril foi sendo desgastada, ao longo desses últimos 50 anos. Principalmente, porque o PS tornou-se dominante e não cumpriu esta agenda”.
A dinamica europeia favorece que Portugal seja fornecedor de mão de obra jovem e qualificada para outros países, evadindo seus talentos para regiões com salários e empregos melhores. Ela menciona a presença significativa de imigrantes, incluindo brasileiros, e a polêmica sobre o impacto dos brasileiros bolsonaristas na política portuguesa. Um tema controverso, pois há quem considere esta influência na sociedade, mas não na participação eleitoral.
Ana Prestes analisa as propostas do Chega, destacando sua ênfase na segurança, críticas à igualdade de gênero e políticas econômicas protecionistas. Ela observa que tais propostas refletem uma tendência semelhante ao bolsonarismo no Brasil. “Na área econômica, ele propõe manter o IVA, imposto sobre de consumo, zero em todos os produtos portugueses. São propostas de caráter protecionista, prejudiciais ao contexto dos acordos comerciais, como entre o Mercosul e a União Europeia.
Quando questionada sobre o posicionamento do Partido Comunista Português (PCP) após as eleições, ela destaca: “Tem uma declaração deles avaliando a eleição. Uma avaliação bastante negativa do quadro.” Ela ressalta que o PCP expressa dificuldades em resgatar a Agenda de Abril e organizar os trabalhadores diante do surgimento de um “anticomunismo brutal” promovido pela extrema-direita.
Sobre a agenda geopolítica e internacional dessas eleições, Prestes observa uma tendência de apoio à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e uma postura dura em relação à Vladimir Putin, com os portugueses alinhados com a política anti-russa de Emmanuel Macron, na França. Ela também destaca a solidariedade europeia em relação à Palestina, embora não tenha percebido uma grande repercussão desse tema nas eleições portuguesas.
(por Cezar Xavier)