Agricultores indignados com falta de apoio do governo derrubaram estátua em Bruxelas | Foto: Divulgação

1300 tratores tomaram Bruxelas na quinta-feira (1º) e uma multidão indignada cercou o Parlamento Europeu, queimando lenha e estrume e arremessando ovos e fogos de artifício, em repúdio à crise que aflige o setor agrícola europeu, enquanto o Conselho Europeu se reunia no prédio e aprovava mais 50 bilhões de euros para a guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia.

Agricultores belgas, franceses e italianos participaram do protesto e a tropa de choque usou canhões de água para apagar as chamas e repelir os manifestantes, que tentavam ingressar no prédio.

“Está acontecendo em toda a Europa, então vocês devem ter esperança”, disse à Reuters Kevin Bertens, um agricultor dos arredores de Bruxelas, nos protestos na capital belga. Simultaneamente, manifestações de agricultores na Itália e na Grécia. Os espanhóis estão prometendo botar os tratores nas ruas na próxima semana.

Os protestos agrícolas motivaram o presidente francês, Emanuel Macron, a reiterar declarações contra a conclusão do Acordo Mercosul-União Europeia, enquanto os governos da Espanha e da Alemanha se pronunciavam a favor.

Nas últimas semanas, agricultores por toda a Europa têm protestado contra a alta dos custos da produção; a ameaça de corte dos subsídios ao diesel; a entrada a preços irrisórios da produção agrícola ucraniana, isentada de impostos, a pretexto de apoio à guerra, isto é, um dumping sancionado por Bruxelas; o achaque praticado pelas cadeias monopolistas de supermercados; a regulamentação ambiental que consideram demasiadamente rígida; e, agora, a conclusão do acordo Mercosul-UE.

TRATORAÇOS

Na França, Paris chegou a ficar cercada por tratores no início da semana, apesar de o governo Macron ter anunciado algumas medidas emergenciais para atender aos agricultores, com os protestos por todo o país contando com 10 mil agricultores e 5 mil tratores bloqueando estradas.

Na Alemanha, desde dezembro os manifestantes exigem de Scholz a manutenção do subsídio para o diesel, que foi instituído, via redução do imposto, para amenizar a alta do custo da energia, decorrente do muito mais caro do GNL importado dos EUA, em comparação com o gás russo. 

Na Polônia e na Romênia as manifestações foram provocadas principalmente pela entrada de cereais da Ucrânia a preços muito baixos, graças à isenção concedida pelas autoridades europeias, em detrimento da produção local.

Os agricultores permanecerão nas estradas “enquanto for necessário”, disse Luc Smessaert, vice-presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores (FNSEA), a maior entidade, enquanto os agricultores organizavam acampamentos improvisados na região de Paris com fardos de palha, cisternas de água e casas de banho portáteis.

O Sindicato dos Jovens Agricultores também participa da mobilização, que atinge grandes cidades como Lyon e Bordeaux. “Não somos bandidos. Só queremos respostas, porque este é o nosso último comboio, a nossa última batalha pelos agricultores (…) É uma questão de sobrevivência”, disse Karine Duc, membro do sindicato da Coordenação Rural, à AFP.

A França perdeu três quartos dos seus agricultores e pecuaristas em 50 anos e recorre cada vez mais às importações: um em cada dois frangos vem do estrangeiro, bem como 60% dos seus frutos.

O presidente da FNSEA, Arnaud Rousseau, apelou à calma e à determinação, lembrando que na semana passada, no sudoeste do país, uma agricultora e a sua filha foram mortas por um veículo que tentava passar por uma barricada.

REMENDOS

Sem surpresa, a pauta da cúpula da União Europeia não incluía a crise do setor agrícola, que teve que se incluída sob a pressão das ruas. Tratava do “apoio à Ucrânia, gestão da migração e sua dimensão externa, apoio aos Balcãs Ocidentais e resposta às catástrofes naturais”.

Bruxelas anunciou ainda a introdução de “medidas de salvaguarda” para limitar volumes de importações de produtos agrícolas provenientes de fora da União Europeia em caso de perturbações do mercado, o que atingiria aves, ovos e açúcar.

Entre os recuos, está a decisão de adiar por um ano a plena instauração da regra de pousio de 4% da terra. Outra norma que está sendo questionada pelos agricultores e pecuaristas é a que determina a redução do plantel de gado para reduzir a emissão de gases estufa.

Fora isso, os governos tentam remendar o que podem. A França anunciou a agilização da entrega dos subsídios da Política Agrícola Comum, aumento de benefícios fiscais não especificados, fundo de emergência para a viticultura e um “grande plano de controle sobre a proveniência dos produtos”.

Em outro afago aos agricultores, a França decidiu “pausar” o plano Ecophyto, que determina que o uso de pesticidas deve cair pela metade até 2030. Paris também quer impedir a importação para França de frutas e vegetais tratados com tiaclopride, um pesticida proibido na Europa.

Portugal anunciou um pacote de ajuda de emergência de meio bilhão de euros para os agricultores, numa tentativa de evitar protestos.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyern e o presidente em exercício da UE, o primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, se reuniram com uma comissão representativa das entidades de agricultores.

Ele reconheceu que o setor enfrenta enormes desafios, como a adaptação às alterações climáticas e o combate à poluição ambiental, e dele se exige “qualidade” e “preços mais baixos”. Apesar de tudo, sabidamente a agricultura europeia é a mais subsidiada do planeta, ou a segunda mais.

OS “DESESTABILIZADORES” GRÃOS UCRANIANOS

Macron anunciou, no final do Conselho Europeu, ter conseguido obter da União Europeia “regras mais rigorosas” para a importação de produtos da Ucrânia.

Especificamente, no caso dos cereais, poderão ser tomadas “medidas de intervenção” se os grãos ucranianos “desestabilizarem” os preços no país francês ou criarem “concorrência desleal”, detalhou Macron, lembrando que estas medidas podem “bloquear” ou “intervir nos preços”.

Será também introduzido um “mecanismo de proteção” para o leite e o açúcar. “Além dos volumes definidos, precisamos de ser capazes de intervir no mercado. Além dos volumes definidos, isso permitir-nos-á redefinir os direitos aduaneiros”, ele acrescentou.

Macron concluiu dizendo que “sim, para ajudar a Ucrânia num contexto de guerra, não para criar uma concorrência desleal que beneficie alguns bilionários”.

ACHAQUE MONOPOLISTA

O primeiro-ministro francês Gabriel Attal prometeu reforçar uma lei existente que protege a remuneração dos agricultores face ao poder econômico das grandes cadeias de hipermercados.

Assim, membros da Confederação Camponesa estão ocupando um supermercado Leclerc em Saint-Nazaire e a Federação dos agricultores FDSEA viu membros seus bloquearem uma fábrica da Lactalis em Haute-Saône por estar pagando o leite abaixo dos seus concorrentes.

As contas de um dos agricultores que bloqueava uma central do Carrefour nos arredores de Caen ilustram este descontentamento: “vendo em perda [cinco euros por quilo] e encontro a minha produção à venda por 20 ou 30 euros o quilo nos supermercados”.

Com a grande distribuição altamente concentrada nas mãos dos hipermercados Leclerc, Carrefour e Intermarché, os agricultores lançam agora suspeitas de que estas empresas abrem centrais de compras fora de França com o objetivo de contornar as leis e pressionar os agricultores. O Leclerc tem a sua central de compras em Bruxelas, o Carrefour em Madrid.

Fonte: Papiro