Sebastião Salgado, o homem que “desenha com a luz”, faz 80 anos
Há 80 anos, no dia 8 de fevereiro de 1944, nascia em Aimorés (MG) aquele que, décadas mais tarde, se tornaria um dos maiores fotógrafos do Brasil e do mundo: Sebastião Salgado. Dono de um olhar profundamente humanista e verdadeiro artista das lentes, ele registrou cenas épicas e dramáticas, belas e impactantes, que tanto denunciam as mazelas sociais e ambientais do capitalismo, como também mostram as belezas da vida e do planeta que habitamos.
Inicialmente, no entanto, Salgado estava focado em outro ramo do conhecimento: formou-se em Economia, área pela qual tornou-se doutor em 1971 pela Universidade de Paris. Começou a atuar no fotojornalismo em 1974, trabalhando para diferentes agências como Sigma, Gamma e Magnum.
Anos depois, já com sua própria agência, viaja pela América Latina, documentando as condições de vida dos camponeses e indígenas, material que publicou no livro Autres Amériques, de 1986.
Seu reconhecimento mundial também ficou marcado nos prêmios que recebeu, entre eles o Eugene Smith Award for Humanitarian Photography (1982); o Paris Match Gold Award for Life Achievement (Troféu “Match d’Or”, 1993) e o Prêmio Fotojornalista do Ano pelo The International Center of Photography of New York, conquistado por três vezes (1986, 1988 e 1990).
Dentre seus trabalhos mais marcantes está a série sobre a Serra Pelada, feita nos anos 1980, na qual mostrou o impressionante formigueiro humano que tomava conta de um pedaço da Amazônia em busca do ouro.
As fotos compõem um de seus mais importantes livros, Trabalhadores, de 1996. Com 350 fotos e textos de Eric Nepomuceno, a obra explicita a condição penosa às quais trabalhadores de todo o mundo são submetidos em sua luta pela sobrevivência. Entre as situações mostradas estão também a de trabalhadores rurais no Brasil, de uma mina de enxofre na Indonésia e combatentes de imensos incêndios em poços de petróleo no Kwait. O conjunto de fotos também virou exposição e já percorreu diversos pontos do país.
Outro trabalho majestoso de Salgado pode ser visto no livro Terra, lançado há 27 anos, que envolveu Lélia Salgado, sua esposa e companheira de projetos e desafios, e teve prefácio do escritor português José Saramago e músicas de Chico Buarque. As fotos traziam, entre outros temas, a saga dos trabalhadores rurais sem-terra e um dos momentos mais dramáticos da histórica violência no campo que marca o Brasil: o massacre de Eldorado do Carajás, em 17 de abril de 1996, quando 19 camponeses do MST foram mortos pela Polícia Militar do Pará.
O lançamento do livro foi um momento marcante da trajetória do MST, movimento que é criminalizado por setores sociais e da imprensa desde a sua criação. Na época, Salgado disse que a publicação era “uma pequena contribuição na expansão do conhecimento do que é o MST”.
Vinte e cinco anos depois, João Pedro Stedile, um dos coordenadores do movimento, declarou que “o livro, as fotos distribuídas na forma de cartazes, os eventos realizados em todo país e em diversas capitais do mundo, contribuíram enormemente para difusão da luta do MST e também lhe deu uma certa proteção de apoio da opinião publica”.
Outro grandioso projeto foi o livro Gênesis — que levou oito anos e 32 viagens para ser feito —, no qual retrata porções ainda virgens do planeta. Lançada em 2013, a obra também rendeu exposições.
Há mais de 20 anos, Salgado e sua esposa decidiram reconstituir parte da mata original de uma fazenda de sua família, em sua cidade natal. E, juntos, acabaram fundando o Instituto Terra, voltado para a restauração ambiental e o desenvolvimento rural sustentável do Vale do Rio Doce.
Mais recentemente, o fotógrafo fez exposições e um novo livro, Amazônia. “Para mim, é a última fronteira, um universo misterioso próprio, onde o imenso poder da natureza pode ser sentido como em nenhum outro lugar da Terra”, escreveu sobe a floresta no prefácio da publicação de 2021.
No documentário “O Sal da Terra”, Salgado resumiu assim o seu ofício: “Um fotógrafo é, literalmente, alguém que desenha com luz, um homem que escreve e reescreve o mundo com luzes e sombras. Vi passar diante de mim, numa fração de segundo, a história da humanidade”. Celebrar a vida desse artista das lentes é, de alguma forma, agradecer por ele ter nos trazido uma parte — por vezes rica e luminosa, por vezes dura e sombria —, da nossa própria existência.