Bukele pressionou Congresso com tropas em 2020 para aprovar verbas de segurança | Foto: Arquivo

Tendo como cabos eleitorais a queda recorde nos homicídios e o enfrentamento com o crime organizado, as “pandillas”, o presidente Nayib Bukele se reelegeu por amplíssima margem em El Salvador, enquanto a oposição tradicional – tanto de esquerda, a Frente Farabundo Marti, como de direita, a Arena – em termos práticos foi dizimada, pelo menos por agora.

De uma taxa de homicídios acima dos cem a cada 100 mil habitantes em meados da última década, El Salvador sob Bukele no ano passado a viu cair para 2,4 a cada 100 mil. Na campanha eleitoral, ele acusava a oposição de ter como verdadeiro plano “libertar os membros das gangues” e advertia contra a “volta do passado”.

Sem esperar pelo resultado oficial, o próprio Bukele anunciou sua vitória “com 85% dos votos” e “mínimo de 58 de 60 deputados”.

“El Salvador passou do país mais perigoso do mundo para o mais seguro da América Latina”, asseverou Bukele, acrescentando que as gangues mataram pelo menos 120 mil pessoas desde o fim da guerra civil em 1992.

“O que está por vir para El Salvador é um período de prosperidade, porque não há mais impedimento para abrir um negócio, estudar, trabalhar. Já não há mais impedimento para o turismo”, ele acrescentou.

A oposição e grupos de direitos humanos condenam sua política de segurança, denunciando excessos e prisão de inocentes.

MAIOR OBRA, UM PRESÍDIO

A principal obra do primeiro mandato de Bukele foi a construção de uma penitenciária de segurança máxima, enquanto o total de presos no país vai a 70 mil, o que equivale a 1% da população salvadorenha. É a maior taxa de encarceramento do mundo.

Para aprovar verba para sua política de segurança, exacerbou a pressão chegando a invadir com tropas o Congresso, em 2020.

Em entrevista coletiva concedida após votar, Bukele pediu aos salvadorenhos que apoiassem com seu voto a continuidade do estado de emergência, para preservar as conquistas “da guerra” contra os grupos criminosos.

“É importante que votemos, para garantir que tenhamos uma Assembleia Legislativa que possa continuar aprovando o regime de emergência”, disse o presidente.

Apesar da constituição não permitir a reeleição, Bukele deu seu jeito, depois de ter conquistado o controle do legislativo nas eleições de 2021. O que lhe permitiu mudar juízes da Sala Constitucional, com os quais contou agora para ter aval à reeleição.

A ORIGEM DAS PANDILLAS

Um pequeno país da América Central banhado pelo Pacífico, o povo salvadorenho levantou-se na década de 1980 contra uma ditadura bancada por Washington, seguindo o exemplo da Nicarágua com o sandinismo, até que finalmente houve o acordo de redemocratização doze anos depois.

A feroz perseguição nesse período obrigou muitas famílias a buscarem refúgio nos EUA e foi lá, nas favelas de Los Angeles, que se constituíram as “pandillas”, gangues como a Mara Salvatrucha 13 e o Barrio 18, que dali fizeram o caminho de volta para El Salvador, onde começaram a ter um poder cada vez aterrador.

DOLARIZAÇÃO VIGORA DESDE 2001

A Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN), inicialmente uma força guerrilheira, que se transformou em um partido sob os acordos de pacificação e chegou ao poder, não conseguiu dar conta desse desafio, nem pôde reverter a dolarização da economia, em vigor desde 2001, quando o governo de direita abriu mão do colon, moeda salvadorenha desde 1892.Bukele, que inicialmente se elegera pela FMLN a prefeito de uma cidade menor, se tornou depois o prefeito da capital, San Salvador, em 2015, já por outra legenda.

Com o envolvimento de um ex-presidente nos escândalos da Odebrecht, a FMLN acabou saindo chamuscada, o que abriu caminho para a vitória de Bukele na eleição presidencial de 2019.

No governo, Bukele apelou para iniciativas, digamos, pouco ortodoxas, como oficializar o uso de bitcoin no país. Mais um golpe publicitário – aliás, ele é publicitário – do que uma medida relevante para a economia salvadorenha.

A principal relação econômica de El Salvador é com os EUA, onde vivem 2,5 milhões de emigrados, que enviam dinheiro para suas famílias, o que corresponde a 20% do PIB salvadorenho.

VIRADA DE MESA

Em março de 2022, quando os confrontos entre as pandillas levaram a 76 assassinatos em apenas 48 horas, Bukele decidiu bater de frente com o crime organizado, executando prisões em massa e ordenando a construção do maior presídio do país para os chefões das gangues. Ele obteve a aprovação de um estado de emergência, que vem sendo prolongado periodicamente.

Em outra frente, no ano passado a Assembleia Legislativa foi reduzida de 84 para 60 deputados, e o número de municípios caiu de 262 para 44.

XI PARABENIZA

A “vitória histórica” de Bukele foi parabenizada pelo presidente chinês Xi Jinping, em mensagem em que saudou o desenvolvimento “rápido e abrangente” das relações China-El Salvador e conclamou “aprofundar a cooperação em vários campos e elevar continuamente as relações bilaterais a níveis mais altos e em benefício de seus povos”.

Bukele visitou a China em 2019 e tem se dito favorável à iniciativa Rota e Cinturão, também conhecida como Nova Rota da Seda. El Salvador instaurou relações diplomáticas com a China, ainda no governo da FMLN, depois de romper com o governo de Taiwan. Bukele manteve essa decisão.

Em novembro, em San Salvador, foi inaugurada a nova Biblioteca Nacional, construída com financiamento da China, de 24 mil metros quadrados, tida como a maior e mais moderna da região. Com capacidade para mais de 360 mil livros, conexão à internet, espaço para a primeira infância, salas temáticas e de jogos, espaços de realidade virtual e simuladores de voo.

Também com apoio da China, iniciaram-se as obras do Estádio Nacional, para 52 mil torcedores, além de uma estação de tratamento de água e de um cais turístico.

Fonte: Papiro