O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida | Foto: José Cruz/Agência Brasil

Para o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, a privatização de presídios e de espaços socioeducativos é contraditório e favorece o crime organizado. “Privatização, seja de presídio, seja de sistema socioeducativo, abre espaço para infiltração do crime organizado, que é tudo o contrário do que a gente quer fazer”, disse. “Não estou dizendo que isso exista já, o que eu estou dizendo é que a gente abre espaço para que o crime organizado tenha mais um pedacinho do Estado brasileiro”, avaliou.

Em encontro com jornalistas nesta sexta-feira (2), Almeida defendeu uma presença mais efetiva do Estado no setor. Ele apontou que os atuais problemas no sistema carcerário decorrem da ausência do Estado, e abrir espaço para a iniciativa privada nos presídios não é a solução. “Não deu certo em lugar nenhum”.

“A gente sabe que, no final das contas, vira privatização da execução da pena e isso não pode acontecer. E não só por vontade política, mas porque isso é inconstitucional, é ilegal”, sustentou. “Existe um estudo técnico que já está pronto há muito tempo, e é um debate que acontece dentro do governo”, pontuou.

“Não se pode privatizar a execução penal. O que dizem que privatiza é a construção dos estabelecimentos, mas na prática o que acaba acontecendo é a privatização da execução penal. E só o Estado brasileiro que pode exercer o poder punitivo”, defendeu o ministro.

O tema tem sido discutido internamente entre alguns integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ideia seria incluir a possibilidade de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o setor privado interessado em firmar contratos de Parcerias Público-Privadas (PPP) com o governo.

O argumento é que a participação de empresas privadas ampliaria a construção e melhorias nas estruturas das unidades prisionais. Para Sílvio, a medida é “inaceitável”, mas ressaltou que essa é uma posição pessoal. 

Ele informou que o tema das privatizações de unidades prisionais será debatido com o novo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que assumiu a pasta no lugar de Flávio Dino na quinta-feira (1).

Para especialistas, essa alternativa pode piorar ainda mais um cenário já caótico, com agravamento do problema do encarceramento em massa. “É mais uma forma de transformar as pessoas privadas de liberdade em mercadorias”, disse à revista Consultor Jurídico a defensora pública Mariana Borgheresi Duarte, coordenadora do Núcleo Especializado de Situação Carcerária (NESC) da Defensoria Pública de São Paulo.

“A gestão privada das penas”, continuou a defensora, “fomenta o encarceramento em massa diante de contratos que preveem taxas mínimas de lotação das unidades prisionais”, continuou. Ela citou a experiência dos Estados Unidos que evidenciou que a opção pelo modelo privado não é viável – também – economicamente. E ela lembra que o país norte-americano já tem adotado políticas de reversão da privatização dos presídios.

“As debêntures incentivadas no setor prisional permitem, na prática, que o governo federal abra mão da arrecadação dos investidores privados por meio de isenções fiscais”, avalia Marina. “Sob o pretexto da ressocialização das pessoas presas sob custodia do Estado, o governo federal vem incentivando o lucrativo mercado das prisões às custas dos corpos negros encarcerados e de suas próprias vidas”, completou a coordenadora do NESC.

Assim como Sílvio Almeida, a defensora acredita que o modelo de gestão privada de presídios faz com que o Estado delegue ao mercado seu poder de polícia, o que, segundo ela, pode resultar na piora do combate à tortura e às violações dos direitos humanos.

O advogado criminalista José Flávio Ferrari também corrobora a opinião do ministro e da defensora. ”O problema real, sentido na pele por aqueles privados de liberdade, começa na forma como esse lucro será obtido”, disse à revista eletrônica. “Veremos empresas, em busca do lucro, reduzirem a qualidade e quantidade da alimentação, restringirem acesso ao mínimo existencial, inclusive com racionamento de água, além da redução dos atendimentos médicos, prática que já foi vista em outras PPPs”, pontuou o jurista.

Para Ferrari, a remuneração por pessoa presa leva à necessidade de manter o maior número de pessoas encarceradas pelo maior tempo possível. ”E já temos conhecimento de estratégias administrativas que podem ser implementadas com esse fim, como avaliações psicológicas negativas e faltas disciplinares infundadas, que podem ser geridas pela administração.”

Especialista em Direito Penal Econômico e sócio-fundador do Damiani Sociedade de Advogados, o jurista André Damiani disse que “sob o pretexto de diminuir o custo do Estado e fornecer melhores condições de infraestrutura, ao fim e ao cabo, o setor privado busca mais uma oportunidade de negócio”. Em entrevista à Consultor Jurídico, Damiani avaliou que isso potencializará os lucos do capital privado “às custas de um dever estatal”. “Na experiência brasileira, os presos em presídios privatizados custam aos cofres públicos o triplo daqueles dos presídios públicos”, reforçou.

Levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta que o país teve um aumento de 257% em sua população carcerária desde 2000. O Brasil atingiu, até outubro de 2023, a marca de 832.295 presos.

Até o ano passado registravam-se 32 unidades prisionais geridas pela iniciativa privada. Os problemas desse modelo praticamente não diferem daqueles observados nas unidades que são geridas pelo poder público. Entre 2017 e 2019, por exemplo, ocorreram dois massacres no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), no Amazonas, à época dirigido pela empresa Umanizzare, que deixou a gestão do complexo após o segundo massacre.

Fonte: Página 8