Foto: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

A notícia de que a Polícia Militar (PM) do estado de São Paulo matou sete pessoas em um único fim de semana na Baixada Santista, alegadamente em retaliação à morte de um policial durante patrulha em Santos, levanta sérias preocupações sobre a truculência policial e a falta de garantias de direitos humanos nas regiões mais pobres do estado. A transferência da sede da Secretaria de Segurança Pública para a região pode representar uma mudança nos rumos da operação.

Essas operações, criadas durante o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), já resultaram na morte de mais de 40 pessoas, evidenciando uma tendência alarmante de uso excessivo da força por parte das autoridades policiais. Apesar das manifestações de grupos de defesa dos direitos humanos, a reação pública parece ser marcada pela indiferença, o que levanta questões sobre a verdadeira aplicação do Estado Democrático de Direito nessas áreas mais pobres.

Em entrevista, o ouvidor das polícias do estado de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, abordou diversos aspectos relacionados às recentes operações policiais na Baixada Santista. Com base em suas declarações, é possível compreender melhor a perspectiva das autoridades sobre os eventos e as medidas que estão sendo tomadas em resposta a eles.

Silva relatou que a Ouvidoria está acompanhando de perto os acontecimentos na região, inclusive encaminhando denúncias à Corregedoria e acionando o Ministério Público para que acompanhe de perto os desdobramentos. Além disso, sugeriu que a presença do secretário de Segurança Pública na Baixada Santista pode ajudar a inibir abusos por parte dos policiais. (leia íntegra da entrevista abaixo)

Linguagem da ditadura

A justificativa para essas mortes é reminiscente dos tempos da ditadura militar, quando os “autos de resistência” eram usados para legitimar execuções sumárias de suspeitos pela polícia. O padrão permanece, como exemplificado pelas declarações do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, que descreveu os indivíduos mortos como tendo “atentado contra os policiais”, num tom celebrativo.

Antes de assumir como secretário, Derrite, ex-policial militar conhecido por sua conduta violenta, afirmou que considerava “vergonhoso” um policial que trabalhasse cinco anos sem ter “pelo menos três ocorrências ou mais que tenham o resultado evento morte do criminoso”. Essa mentalidade distorcida sobre segurança pública parece predominar na abordagem atual da segurança pública em São Paulo.

Sobre a possível adoção de um protocolo de confronto violento por parte da polícia, o ouvidor das polícias não descartou essa possibilidade, citando indícios de que algumas operações policiais podem ter motivações questionáveis. Silva ressaltou que a legalidade deve ser o caminho a ser seguido pelas forças de segurança e pela sociedade como um todo, reafirmando o compromisso da Ouvidoria em buscar mudanças nesse sentido.

Nesse contexto, é preocupante a resistência do governo paulista ao programa de câmeras nos uniformes da PM. Essa medida, que poderia ajudar a proteger os inocentes de maus policiais e proteger os bons policiais de acusações, é vista como uma limitação ao trabalho da polícia e um favorecimento aos criminosos.

Silva destacou a importância desse recurso para garantir a legitimidade das ações policiais e a segurança jurídica, apontando para casos em que as câmeras foram cruciais para revelar irregularidades. O ouvidor também reiterou a importância das denúncias públicas da Ouvidoria, evidenciando a gravidade das situações denunciadas.

Diante das declarações do ouvidor, fica evidente que as autoridades estão atentas aos desafios enfrentados nas operações policiais na Baixada Santista e estão trabalhando para garantir que os direitos dos cidadãos sejam respeitados e que as forças de segurança atuem dentro dos limites legais.

Essa cultura de autoritarismo, que encara o combate ao crime como uma guerra sem prisioneiros, não apenas deixa um rastro de mortes e violência, mas também é ineficaz no verdadeiro combate à criminalidade.

Leia a entrevista:

Eu gostaria saber se vocês estão acompanhando essa nova etapa da Operação Escudo, que, em poucos dias, já soma 12 mortes. Como vocês estão vendo tudo isso?

Acho que mais, viu? Porque agora a tempo mesmo, apareceu um vídeo aqui de um rapaz sendo alvejado, um trabalhador lá da Prefeitura de São Vicente. 

Mas a gente está acompanhando sim, estamos encaminhando para a Corregedoria, estamos acionando o Ministério Público, pedindo que o Ministério Público acompanhe em loco. Assim como o secretário determinou que o gabinete da Secretaria de Segurança Pública funcione lá na Baixada Santista, nós sugerimos ao MP que também faça um acompanhamento em loco, especialmente acompanhamento nesse termo GAEF, que é o grupo de atuação e controle da atividade policial do Ministério Público.

Estamos sugerindo também que todos os batalhões que enviarem policiais para a Baixada Santista, que ainda não sejam ocupados com câmeras corporais, que haja um remanejamento para que pelo menos um policial por viatura de patrulhamento tenha a câmera corporal acoplada ao seu uniforme para acompanhar as ocorrências. E também estamos em constante diálogo com a Comissão Nacional dos Direitos Humanos e com outras organizações, instituições, Defensoria Pública, OAB, Conecta Direitos Humanos, estamos acompanhando.

Você avalia que é positiva essa transferência da sede pra lá? 

Eu avalio que é positiva a transferência da sede pra lá, à medida que o secretário vai acompanhar em loco e a presença dele pode inibir eventuais abusos cometidos por policiais nesse tipo de operação. E avalio também que caso haja abusos e irregularidades com o secretário presente, essa responsabilização pode ser estendida a ele também, porque é ele que estava planejando e dando as ordens. 

Claudio, aquelas investigações que ocorreram nas outras etapas, e que provocaram todo um debate sobre as câmeras, você acha que traz um resultado positivo? Você acha que isso impacta de alguma forma essa nova etapa? 

Ainda é prematuro fazer um balanço sobre aquelas investigações, porque, afinal de contas, elas ainda estão em curso. Tem alguns inquéritos que já tem desdobramentos, eu tenho conhecimento de dois, um que a câmera legitima atividades da polícia, que foi um confronto efetivo, e outro que a câmera denuncia uma fraude processual praticada pelos policiais, uma execução com fraude processual. Então eu acho que, primeiro, que em ambos os casos a câmera mostra a importância que ela tem no sentido de garantir legitimidade e segurança jurídica para a atuação da polícia e garantia de segurança das pessoas. 

E também acho que esse caso que demonstra a fraude processual e a execução praticada pelos policiais, demonstra que a Ouvidoria não estava errada quando ela resolveu fazer a denúncia pública do que estava ocorrendo na Baixada Santista. Então, isso leva a crer que as denúncias que chegavam para a auditoria, não eram coisas da cabeça das pessoas, ou inventadas pelas pessoas, como chegou a levantar o secretário. 

Segundo ele, as pessoas estariam sendo obrigadas a construir aquela narrativa porque o crime as ameaçava, elas tinham que falar aquilo. E não, tem uma cena real ali de execução, com plantação de arma na cena do crime, de um colete balístico na cena do crime, uma fraude processual também flagrante. Então, a gente percebe que as pessoas não estavam mentindo, como afirmou o secretário, mas as pessoas estavam corretas no grito de socorro e de pedido de ajuda. 

Então, eu acho que o balanço fica prejudicado ainda, porém a gente já tem aí uma sinalização de que houve excessos sim, e a gente precisa que as apurações continuem pra gente ter mais respostas. 

Claudio, há uma sensação de que vai se consolidando um protocolo da polícia de tratamento dessas situações na forma de confrontos muito violentos, nessa nova gestão. Porque parece que são sempre vinganças por conta de mortes de policiais, com protocolo de confronto violento. Você acha que isso vai se confirmando ou é uma impressão errada? 

Eu não digo que é uma impressão errada, porque, afinal de contas, primeiro que eu não estou nos territórios. Então eu não posso falar do sentimento das pessoas que vivem essa realidade lá no território. Eu mesmo escutei isso de algumas pessoas. Tem muita gente levantando a hipótese das operações serem carregadas mais de vingança do que efetivamente do propósito de garantir segurança e a retomada da ordem pública. 

Então, eu penso que, de fato, existem vários indícios de que, em determinadas situações, as nossas forças de segurança têm agido com a perspectiva de legitimar uma ação violenta a partir da construção de uma narrativa que não condiz com a realidade. Nós temos indícios disso. E a gente, enquanto estiver a frente da Ouvidoria das Polícias, vamos atuar para que essa situação se modifique. 

Porque não é possível que, ainda hoje, a gente possa pensar na hipótese de se acostumar com esse tipo de postura, especialmente por parte do poder público. Esse modus operandi não pode continuar existindo e a legalidade tem que ser um caminho para as forças de segurança e para a sociedade.

(por Cezar Xavier)