Chilenos ocuparam as praças contra o abandono da educação e saúde, além das aposentadorias irrisórias | Foto: Carlos Figueroa

O ex-presidente do Chile, Sebastián Piñera, de 74 anos, morreu afogado nesta terça-feira (6), a mais de 40 metros de profundidade, preso ao cinto de segurança do helicóptero que pilotava sobre o Lago Ranco, a 920 quilômetros ao sul do país. Na ocasião, sobreviveram três pessoas, que fugiram a nado.

Dono de uma fortuna declarada de R$ 13,4 bilhão (US$ 2,7 bilhões), conforme os últimos dados da Revista Forbes, Piñera foi duas vezes presidente (2010-2014 e 2018-2022), proprietário de inúmeras empresas, pesado acionista da multinacional Latam, dos canais de televisão Chilevisión e Blanco y Negro, além do time de futebol Colo Colo. 

Posteriormente, tentou impedir a ferro e fogo o ‘estallido social’ iniciado em outubro de 2019 contra o aumento das tarifas do metrô, o maior levante popular desde os anos do ditador Augusto Pinochet (1973-1990), que logo se agigantou contra a ausência do Estado na educação, saúde, pensões e assistência social. A onda de manifestações para revogar a cartilha neoliberal, imposta a ferro e fogo e em vigor há quatro décadas, só foi contida em março de 2020 devida ao isolamento provocado pela epidemia da Covid-19.

Conforme dados do Instituto Nacional de Direitos Humanos do Chile, na última gestão o pinochetista se destacou pela crueldade na repressão, com ao menos 40 manifestantes mortos, 3.000 hospitalizados, mais de 400 cegos e um sem-número de mutilados pelas balas de borracha disparadas pelos seus 20 mil “carabineiros”.

“Não sei se você já viu uma pessoa que teve um globo ocular estourado chorar pelo único olho restante, chorar pelo outro olho, que também foi danificado. Chorar sangue”, questionaram na época representantes dos movimentos social a funcionários do seu desgoverno.

DEFENSOR DA PRIVATIZAÇÃO E DO RIGOROSO “EQUILÍBRIO FISCAL”

Formado em economia pela Universidade Católica do Chile, o magnata logo abraçou a teoria dos Chicago Boys, dos Estados Unidos, adotando o escancaramento total da economia ao capital estrangeiro, a privatização e desnacionalização dos setores estratégicos, a drástica redução do Estado e o rigoroso “equilíbrio fiscal”.

Nas primeiras eleições após o final da ditadura, em 1989, foi o chefe de campanha presidencial de Hernán Buchi, ex-ministro das finanças do general Pinochet, que obteve 29,4% dos votos. Foi derrotado esmagadoramente pela Concertação de Partidos pela Democracia, frente composta por 17 movimentos políticos contrários à ditadura, que alcançou 55,17%.

Posteriormente, ancorado numa campanha bilionária, foi eleito senador, cargo que ocupou entre 1990 e 1998.

“Com a aplicação do decreto que privatizou a Previdência Social no Chile nos anos 80, voltamos praticamente à pré-história, sem direitos fundamentais”, condenando “97% da população a aposentadorias miseráveis” ao seguir “as orientações do Fundo Monetário Internacional e, sobretudo, do Banco Mundial”, recordou em entrevista ao HP o porta-voz do movimento Não mais Administradoras de Fundos de Pensão (NO+AFP), Luis Mesina, denunciando a trajetória de Piñera.

TRANSAÇÃO CRIMINOSA DO PANDORA PAPERS

O informe que trouxe à tona os denominados Pandora Papers, divulgado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), revela que em 2010, durante seu primeiro governo, o presidente Sebastián Piñera agiu criminosamente, em benefício próprio e da família.

A revelação desencadeou na época uma onda de protestos que foram da intervenção do Ministério Público até uma acusação constitucional, com pedido de impeachment.

Os Pandora Papers identificaram Piñera e seu sócio e amigo íntimo Carlos Alberto Délano fechando uma transação de compra e venda de ações por US$ 152 milhões. Do total, enquanto US$ 14 milhões foram pagos no Chile, outros US$ 138 milhões foram desembolsados no paraíso fiscal das Ilhas Virgens – olimpo de crimes de lavagem de dinheiro e sonegação – para evitar o pagamento de impostos, uma transação completamente incompatível e repleta de tráfico de influência.

Segundo o apurado, a venda de 33% das ações do projeto Mineiro-Portuário Dominga, pertencente a Piñera, sua esposa e filhos, estava condicionada a de que não houvesse mudanças regulatórias que lhe trouxessem dor de cabeça. Nos documentos obtidos pelo ICIJ, seus quatro filhos reconhecem que a origem dos bens declarados nas Ilhas Virgens Britânicas é produto das doações recebidas de seu pai.

O então presidente apareceu inúmeras vezes em “conflitos de interesses”, como o de que teria usado “informação privilegiada” na venda da Dominga em 2010, uma mineradora pertencente à família. O comprador, que era amigo bem próximo, acionou Piñera para que não criasse uma área ambiental na zona de operação da empresa, a fim de não atrapalhar a exploração de minérios. A transação movimentou o equivalente a R$ 838 milhões e a área em disputa acabou não sendo demarcada como de “proteção ambiental”. A armação foi feita na Ilhas Virgens Britânicas, reconhecido paraíso fiscal caribenho.

Fonte: Papiro