Netanyahu organiza votação colonialista contra o Estado da Palestina junto com sua bancada extremista | Foto: Menahem Kahana/AFP

O parlamento israelense, o Knesset, carimbou por 99 votos em 120 uma declaração do governo Netanyahu contra qualquer “reconhecimento unilateral” de um Estado Palestino. Ou seja, se arrogou o direito de veto unilateral à criação de um Estado palestino, como observou o jornal britânico, The Guardian.

Em comunicado, o ministério das Relações Exteriores palestino reagiu, afirmando que “a plena adesão do Estado da Palestina às Nações Unidas e o seu reconhecimento por outras nações não requer permissão de Netanyahu”.

A nota também acusou Israel de atentar contra os direitos do povo palestino à autodeterminação através dos assentamentos ilegais nos territórios palestinos ocupados.

Também acelera o sequestro de milhares de palestinos que faz de reféns nas prisões em território israelense como se os tribunais da ocupação tivessem jurisdição sobre a Palestina ocupada.

Chega a ser curiosa a pretensão de, em pleno século 21, a potência colonizadora proibir que os colonizados se libertem “unilateralmente” da servidão em sua própria terra ancestral, que lhes foi tomada unilateralmente.

Ao contrário do que querem, na prática se trata de uma admissão do Knesset de que é cada vez mais difícil de disfarçar a condição de “Estado Pária” de Israel no mundo, 75 anos após a purificação étnica via Nakba (a Catástrofe, com a expulsão de quase um milhão de palestinos de suas casas pelo terror das milícias judaicas e depois de 57 anos de ocupação, opressão e apartheid nos territórios palestinos.

O que já suscita comparações com o ocaso do regime do apartheid na África do Sul nos anos 1980.

Uma proclamação arrogante também pelo momento: quando o mundo presencia ao vivo e se horroriza com o genocídio em Gaza perpetrado pelas tropas israelenses – 100 mil palestinos entre mortos e feridos, a maioria mulheres e crianças – e o cerco para deixar a população civil sem comida, água, combustível ou remédios, já comparado ao de Leningrado.

Isso quando Israel se encontra no banco dos réus na Corte Internacional de Justiça da ONU em Haia, em dois diferentes processos.

Um sob acusação de cometer genocídio em Gaza, apresentado pela África do Sul, e outro, por incumbência da Assembleia Geral da ONU, sobre os 57 anos de ocupação – ocupação sufocante, de acordo com o próprio secretário-geral Guterres – nos territórios palestinos tomados pela força militar em 1967.

Chama a atenção que um país, flagrado perpetrando apartheid e limpeza étnica, requeira a inexistência de “condições prévias” para um acordo que propiciaria a existência dos dois Estados.

Não seria o fim do apartheid e limpeza étnica, uma “condição prévia” para a paz, assim como o respeito à lei internacional? A devolução das terras roubadas?

Segundo analistas, o que motivou Netanyahu a arrancar do Knesset um respaldo à sua recusa à existência do Estado Palestino – o que ele nas últimas semanas não cansou de repetir – foi uma avaliação do jornal Washington Post de que o governo Biden poderia se mover para um acordo de cessar-fogo de “pelo menos seis semanas” em Gaza com libertação dos reféns e entrada da ajuda humanitária, concomitantemente com um calendário para o reconhecimento de um Estado Palestino.

LINHA DE CLIVAGEM

Enquanto Netanyahu encena “unir” Israel “contra o Hamas”, o país permanece terrivelmente dividido pela exacerbação do caráter supremacista e messiânico de seu governo, cujo projeto é levar o apartheid às últimas consequências e “purificar” a “Terra prometida”, expulsando de vez os árabes, e submetendo os judeus aos seus desígnios insanos.

O que, aos olhos de grande parte dos israelenses, apareceu como um conflito sobre a submissão do judiciário a uma eventual maioria no parlamento, levando centenas de milhares às ruas para protestar, mas, que agora com a agressão a Gaza mostra que se trata de muito mais opressão e ditadura.

Netanyahu não só foi um insuflador do clima que levou ao assassinato de Yitzhak Rabin por ter assinado os acordos de Oslo, como também é herdeiro do fascismo de Jabotinsky e do terrorismo dos bandos Irgun e Stern, e comparsa na atualidade dos assaltantes de terra alheia, como Itamar Ben Gvir – além de notoriamente corrupto.

O atual regime também embarcou de mala e cuia no projeto do governo Trump dos “acordos de Abraão”, na verdade, a intenção de subornar a Arábia Saudita para que abandonasse a Iniciativa Árabe pela Paz (normalização de relações e paz em troca da devolução dos territórios ocupados) de 2002, atirando os palestinos ao léu.

“ALIANÇA PROFANA E RACISTA” 

Em entrevista em dezembro à imprensa francesa, o ex-primeiro-ministro trabalhista Ehud Barak, um dos negociadores de Oslo, advertira que a “aliança profana” de Netanyahu com “partidos racistas messiânicos de Ben Gvir e Smotrich” o transformou em “prisioneiro” de sua própria coalizão.

Ele também responsabilizou Netanyahu por ter apostado em “fortalecer o Hamas e enfraquecer a Autoridade Palestina”, para dizer “que a solução dos Dois Estados era impossível”.

“Era fácil dizer que não podíamos chegar a uma solução porque a Autoridade Palestina era demasiado fraca, que não controlava sequer metade da sua própria população e que não podíamos negociar com o Hamás. Isso permitiu que qualquer solução política fosse bloqueada”, denunciou Barak.

“Havia também a ideia de que poderíamos abrir uma brecha com os sauditas, fazer a paz com o resto do mundo muçulmano, ignorando os palestinos. Essa ideia também ruiu”, sublinhou o ex-primeiro-ministro israelense.

“Antes de 7 de outubro, boa metade dos israelenses acreditava que uma solução de dois Estados era possível. Agora, a proporção seria menor devido ao impacto dos sentimentos de raiva, humilhação e desejo de vingança. Mas continuo otimista em relação ao futuro. Tenho idade suficiente para me lembrar de tempos mais difíceis para a existência de Israel”, disse Barak.

“As pessoas da minha geração viveram uma série de guerras amargas com o Egito e a Jordânia. Mas já desfrutamos de uma paz estável com eles há quarenta e cinco anos. Estou confiante de que, quando chegar a hora, a liderança que ambas as partes [palestinos e israelenses] precisam se materializará”.

Para Barak, no momento, “não temos líderes de calibre adequado ao propósito. O desafio é tamanho ‘XGG’ e nossos líderes são tamanho ‘M’”.

Ele advertiu que “o apoio do resto do mundo está se corroendo rapidamente”. “Já perdemos legitimidade entre a opinião pública ocidental. Estamos perdendo o apoio dos governos, um a um – vejam, por exemplo, as nuances dos discursos de Emmanuel Macron.”

SOB ESCRUTÍNIO EM HAIA

Nas audiências da Corte Internacional de Justiça de Haia sobre a ocupação israelense nos territórios palestinos, mais países se pronunciaram.

“Cinquenta e sete anos se passaram desde que Israel iniciou a ocupação dos territórios palestinos ocupados. A natureza ilegal da ocupação e a soberania sobre os territórios ocupados permanecem inalteradas”, afirmou ao tribunal o consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores da China, Ma Xinmin.  “A Justiça demorou muito, mas não deve ser negada”.

Intervindo no tribunal no dia seguinte ao pronunciamento dos Estados Unidos, a China se contrapôs às alegações de Washington de que a ONU e a Corte de Haia deveriam “ficar de fora”, por se tratar de uma “questão bilateral” entre Israel e Palestina, e enfatizou que “a autodeterminação do povo palestino definitivamente é um assunto para a ONU”.

Quanto ao “direito de autodefesa”, o representante chinês assinalou que Israel é uma nação estrangeira que ocupa a Palestina, “então o direito à autodefesa está mais com os palestinos do que com os israelenses”. Os palestinos, como povo ocupado, têm o direito de resistir, ele reiterou.

Ma enfatizou, ainda, que o parecer do tribunal ajudaria, e não dificultaria, as negociações e a diplomacia futuras ou atuais. Um parecer vindo da mais alta corte do mundo – destacou -, certamente guiará quaisquer negociações futuras.

Em nome da Jordânia, Michael Wood afirmou que a ocupação israelense deve acabar “com urgência” em todo o território palestino – ou seja, na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e Gaza.

“As violações israelenses de locais sagrados muçulmanos e cristãos e em especial em Al Aqsa são contrárias ao direito internacional e criam confrontos em linhas religiosas”, reforçou o ministro da Justiça jordaniano, Ahmad Ziadat.

Em seu pronunciamento, a representante da Irlanda, Rossa Fanning, disse que Israel “alterou a demografia da Cisjordânia” e que a “característica definidora” da ocupação israelense do território palestino tem sido a “atividade contínua de assentamentos permanentes”. Ela acrescentou que a Irlanda tem sido “um defensor consistente e vocal de uma solução abrangente de dois Estados para o conflito” e lamentou “a falta de avanços para atingir esse objetivo”.

“ORGULHOSA PELAS RUÍNAS DE GAZA”

Na segunda-feira, a ministra da Igualdade Social e Empoderamento Feminino de Israel, May Golan, afirmou em discurso que está “orgulhosa das ruínas de Gaza”, declaração possivelmente interpretada na Corte de Haia como mais uma autoincriminação quanto ao genocídio.

“Estou pessoalmente orgulhosa das ruínas de Gaza, e que todos os bebês [palestinos], mesmo daqui a 80 anos, contarão aos seus netos o que os judeus fizeram”, disse a ministra, que é filiada ao Likud, o partido de Netanyahu.

Ela fez carreira açulando a perseguição a refugiados africanos em Israel, a quem chamou de “infiltrados muçulmanos”, criminosos, estupradores e transmissores de AIDS. Em um comício, gabou-se de que “se sou racista por querer defender o meu país e por querer proteger os meus direitos básicos e a minha segurança, então sou uma racista orgulhosa”.

Fonte: Papiro