Com o desafio de garantir déficit zero nas contas públicas em 2024 e sem recursos em caixa, o governo Lula está se movimentando para atrair investimentos estrangeiros por meio de fundos soberanos para financiar projetos do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da transição energética. Com cerca de US$ 11,2 trilhões em ativos, esses fundos administrados por governos de diferentes países representam uma oportunidade de captação de recursos significativa para o Brasil.

Técnicos do governo estão programados para realizar uma série de viagens ao redor do mundo ao longo de 2024, para um corpo-a-corpo com potenciais investidores apresentando os projetos do PAC. É um roadshow diferente do setor privado, pois tem um caráter mais político. A estratégia é buscar tanto fundos soberanos quanto parceiros privados, em um momento em que o espaço para investimentos é limitado no Orçamento.

O ano de 2023 foi dedicado a ouvir investidores e aprimorar os processos internos para os projetos. Um “road show” (viagens de apresentação) teste realizado em Portugal ajudou a entender o que funciona ou não nesse tipo de abordagem.

Dinheiro árabe e asiático

A recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Arábia Saudita teve como objetivo fomentar essas parcerias. O Fundo Soberano da Arábia Saudita, por exemplo, aumentou significativamente seus investimentos em 2023, indicando um interesse crescente na região.

Dois fundos soberanos atuaram como parceiros das empresas que venceram os leilões de dois lotes de rodovias no Brasil, em 2023: o de Cingapura e o dos Emirados Árabes. Dados da Global SWF, consultoria de pesquisa, mostram que o PIF, fundo soberano saudita, por exemplo, investiu no total US$ 31,6 bilhões em 2023, ante US$ 20,8 bilhões no ano anterior.

No primeiro semestre, as visitas serão focadas na Europa, a partir de março, com buscas por recursos começando pela Espanha, seguidas por visitas aos Estados Unidos em maio e à França em junho. Já na segunda metade do ano, o foco será no Oriente, com previsão de viagens para Arábia Saudita, Cingapura e China. Esses encontros também incluirão investidores privados. No caso da China, há um alinhamento político favorável ao Brasil em relação aos Brics.

O governo chinês expressou interesse em integrar as obras do PAC ao projeto da Nova Rota da Seda, durante a visita do ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, a Brasília, no final de janeiro. Durante sua visita, Wang Yi destacou áreas de cooperação potencial entre os dois países, incluindo a produção de soja, economia verde, economia digital, inteligência artificial e exploração espacial.

O argumento ambiental

Conforme tem explicado George Santoro, secretário-executivo do Ministério dos Transportes, o Brasil concorre num funil de projetos de outros países do mundo. Então não basta ter um bom projeto, uma boa taxa, uma segurança jurídica adequada, se não tiver a clareza de mostrar que o governo brasileiro está junto do projeto e que o país do operador também apoia esta relação. Ele destaca a robustez dos projetos do PAC, que incluem investimentos em rodovias e ferrovias.

O setor de telecomunicações também busca investimentos dos fundos soberanos internacionais para impulsionar projetos de infraestrutura, como a implantação do 5G e a expansão da fibra óptica. O setor de telecomunicações tem perfil de empresas e negócios sólidos.

O Ministério da Fazenda, por sua vez, lembra que o Brasil lançou, durante a COP28, um fundo voltado para a manutenção das florestas tropicais em pé e conservadas. Os países com fundos soberanos, entre outros investidores, também poderiam investir nesse instrumento, fazer seu dinheiro render mais que o Tesouro dos EUA, com a diferença de manter a floresta em pé.

O Novo PAC apresenta um portfólio de projetos avaliados em R$ 1,7 trilhão, e o desafio do governo é viabilizar esses recursos ao mesmo tempo em que tenta zerar o déficit primário. Além disso, os investimentos perderam espaço para emendas parlamentares na composição orçamentária deste ano.

Apesar do foco nos fundos soberanos, o investidor privado também está no radar. Após eventos no país, uma série de reuniões bilaterais é realizada com bancos e fundos de investimento para fortalecer a relação entre o Brasil e os operadores.

Barreiras do risco especulativo

No entanto, a atração desses investimentos enfrenta desafios, como a situação fiscal do Brasil e as preferências dos fundos soberanos por países desenvolvidos e de baixo risco, pois são geridos de forma bastante conservadora com critérios muito rigorosos impostos por agências de risco. O Brasil ainda é considerado distante do grau de investimento e a estabilidade fiscal é crucial para atrair esses investidores, com a atual tendência de alta da relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB).

Os grandes fundos têm escritórios no Brasil para uma avaliação minuciosa de projetos que potencialmente poderão receber recursos. Há critérios de avaliação como o rating do país e dos projetos, conforme o risco de contencioso, como problemas ambientais; até a participação na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) interferem. O alto risco de litígio e tributação afetam a atratividade do Brasil, em relação a vizinhos mais estáveis como Chile e Colômbia.

Esses recursos têm o potencial de impulsionar os empreendimentos do Novo PAC, especialmente em um contexto de escassez de espaço fiscal. No entanto, é preciso estabelecer um ambiente atrativo para esses investimentos. Fundos soberanos não têm caráter especulativo, e querem projetos com retorno a longo prazo, que, no Brasil, aumenta o risco.

Diplomacia é muito considerada e a eventual eleição de um aventureiro imprevisível como Bolsonaro, no meio do caminho, deixa esses fundos estatais de cabelo em pé. Outra aventura que assusta são as rupturas no sistema jurídico provocados pela Operação Lava Jato, que prejudicaram grandes empresas e projetos, para anos depois serem revistos. É preciso ter uma modelagem jurídica que reduza o potencial de risco. Isso inclui confiança nas regras do jogo, um bom marco regulatório, estabilidade macroeconômica e condições adequadas de financiamento.

A aprovação do arcabouço fiscal foi vista como um passo importante nessa direção, mas os desafios ainda persistem, especialmente na execução das novas regras e na gestão de novos gastos.

(por Cezar Xavier)