Líder paquistanês Imran Khan é sabotado pela CIA | Foto: Arif Ali/AFP

“Há fortes razões para acreditar que as ações dos EUA levaram à destituição do primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, em abril de 2022, seguida de sua prisão por acusações falsas de corrupção e espionagem e condenação esta semana a 10 anos de prisão pela acusação de espionagem”, afirma o professor universitário, escritor e conselheiro da ONU, Jeffrey Sachs.

O objetivo político – ele acrescenta – é “impedir que o político mais popular do Paquistão retorne ao poder nas eleições de 8 de fevereiro”.

Em suma, mais uma operação de “mudança de regime” promovida por Washington.

Sachs assinala que a chave para operações secretas, é claro, é que elas são secretas e, portanto, “negáveis pelo governo dos EUA”.

“Mesmo quando as evidências vêm à tona por meio de denúncias ou vazamentos, como muitas vezes acontece, o governo dos EUA rejeita a autenticidade das evidências e a grande mídia geralmente ignora a história porque contradiz a narrativa oficial”.

“A mudança de regime secreta pelos EUA é chocantemente rotineira. Um estudo autorizado da professora da Universidade de Boston Lindsay O’Rourke contabiliza 64 operações secretas de mudança de regime pelos EUA durante a Guerra Fria (1947-1989), e na verdade o número foi muito maior porque ela escolheu contar tentativas repetidas dentro de um país como um único episódio prolongado”, destaca Sachs.

Desde então – ele acrescenta -, as operações de mudança de regime dos EUA “permaneceram frequentes, como quando o presidente Obama encarregou a CIA (Operação Timber Sycamore) de derrubar o presidente sírio Bashar al-Assad”. Essa operação secreta permaneceu secreta até vários anos depois da operação e, mesmo assim, quase não foi coberta pela grande mídia.

OPERAÇÃO DE MUDANÇA DE REGIME

“Tudo isso nos leva ao Paquistão, outro caso em que as evidências apontam fortemente para a mudança de regime liderada pelos EUA”, sublinha o respeitado acadêmico norte-americano.

“Neste caso, os EUA desejavam derrubar o governo do primeiro-ministro Imran Khan, o líder carismático, talentoso e extremamente popular no Paquistão, conhecido tanto por seu domínio do críquete líder mundial quanto por seu contato comum com o povo”.

Sua popularidade, independência e enormes talentos o tornam um dos principais alvos dos EUA, que se preocupam com líderes populares que não se alinham com a política dos EUA.

“O ‘pecado’ de Imran Khan foi ser cooperativo demais com os presidentes russo, Vladimir Putin, e chinês, Xi Jinping, ao mesmo tempo em que buscava relações normais com os Estados Unidos”, enfatiza Sachs. Ele lembra que o grande mantra da política externa dos EUA, “e o princípio ativador da CIA, é que um líder estrangeiro está ‘conosco ou contra nós’”.

Líderes que tentam ser neutros entre as grandes potências correm o sério risco de perder suas posições, ou mesmo suas vidas, por instigação dos EUA, já que os EUA não aceitam a neutralidade, aponta Sachs.

“Líderes que buscam neutralidade desde Patrice Lumumba (Zaire), Norodom Sihanouk (Camboja), Viktor Yanukovych (Ucrânia) e muitos outros foram derrubados com a mão não tão escondida do governo dos EUA”.

UCRÂNIA: CONOSCO OU CONTRA NÓS

Sachs enfatiza que “como muitos líderes no mundo em desenvolvimento, Khan não quer romper relações com os EUA ou a Rússia por causa da Guerra da Ucrânia. Por pura coincidência de agendamento prévio, Khan esteve em Moscou para se encontrar com Putin no dia em que a Rússia lançou a operação militar especial (24 de fevereiro de 2022). Desde o início, Khan defendeu que o conflito na Ucrânia deveria ser resolvido na mesa de negociações e não no campo de batalha”.

Os EUA e a UE torceram o braço de líderes estrangeiros, incluindo Khan, para se alinharem contra Putin e apoiarem as sanções ocidentais contra a Rússia, mas Khan resistiu.

Khan – observa Sachs – provavelmente selou seu destino em 6 de março, quando realizou um grande comício no norte do Paquistão. “No comício, ele repreendeu o Ocidente, e especialmente 22 embaixadores da UE, por pressioná-lo a condenar a Rússia em uma votação nas Nações Unidas. Ele também criticou a guerra da Otan contra o terror no vizinho Afeganistão como tendo sido totalmente devastadora para o Paquistão, sem nenhum reconhecimento, respeito ou apreço pelo sofrimento do Paquistão”.

“SOMOS SEUS ESCRAVOS?”, A PERGUNTA DE KHAN

A popularidade, a independência e os enormes talentos de Khan o tornam um dos principais alvos dos EUA, que se preocupam com líderes populares que não se alinham com a política dos EUA.

Sachs transcreve as palavras de Khan à multidão: “Os embaixadores da UE escreveram uma carta para nós pedindo que condenássemos e votássemos contra a Rússia… O que você acha de nós? Somos seus escravos… que o que quer que você diga, nós faremos?”

E acrescentou: “Somos amigos da Rússia e também somos amigos da América; somos amigos da China e da Europa; não estamos em nenhum campo. O Paquistão permaneceria neutro e trabalharia com aqueles que tentam acabar com a guerra na Ucrânia”.

TELEGRAMA SECRETO

Em agosto de 2023, repórteres investigativos do The Intercept expuseram a sequência sombria que se abateu sobre o líder paquistanês. Apenas um dia após o comício de Khan, o secretário de Estado adjunto do Bureau de Assuntos da Ásia Central e do Sul, Donald Lu, reuniu-se em Washington com o embaixador do Paquistão nos EUA, Assad Majeed Khan.

Após a reunião, o embaixador enviou um telegrama secreto (um “cypher”) de volta a Islamabad, que foi vazado para o The Intercept por um oficial militar paquistanês.

O telegrama relata como o secretário adjunto Lu repreendeu o primeiro-ministro Khan por sua postura neutra. “O telegrama cita Lu dizendo que ‘as pessoas aqui e na Europa estão bastante preocupadas com o porquê de o Paquistão estar tomando uma posição tão agressivamente neutra (sobre a Ucrânia), se tal posição é mesmo possível. Não nos parece uma posição tão neutra’”.

Lu então transmitiu ao embaixador paquistanês a “orientação” de Washington. “Acho que se o voto de desconfiança contra o primeiro-ministro for bem-sucedido, tudo será perdoado em Washington porque a visita à Rússia está sendo vista como uma decisão do primeiro-ministro. Caso contrário, acho que será difícil daqui para frente”.

PARLAMENTO OFICIALIZA O GOLPE

“Cinco semanas depois, em 10 de abril, com a ameaça contundente dos EUA pairando sobre os poderosos militares paquistaneses, e com o domínio dos militares sobre o parlamento paquistanês, o Parlamento derrubou Khan em um voto de desconfiança”, registra Sachs.

Em poucas semanas – denuncia o acadêmico norte-americano -, o novo governo seguiu com “acusações descaradamente fabricadas de corrupção contra Khan, para colocá-lo sob prisão e impedir seu retorno ao poder”.

“Por sua vez, quando Khan deu a conhecer a existência do telegrama diplomático que revelava o papel dos Estados Unidos na sua destituição, o novo governo acusou Khan de espionagem”.

CONDENADO A DEZ ANOS DE CÁRCERE

O primeiro-ministro derrubado já foi condenado por essas acusações “a 10 anos de prisão”, com o governo dos EUA permanecendo em silêncio sobre essa indignidade.

Quando questionado sobre a condenação de Khan, o Departamento de Estado disse o seguinte: “É um assunto para os tribunais paquistaneses”.

Tal resposta – destaca Sachs – é um exemplo vívido de como a mudança de regime liderada pelos EUA funciona. “O Departamento de Estado apoia a prisão de Khan por causa da revelação pública de Khan das ações dos EUA”.

“ELEIÇÕES SEM KHAN”

“O Paquistão realizará, portanto, eleições em 8 de fevereiro com seu líder democrático mais popular na prisão e com o partido de Khan alvo de ataques implacáveis, assassinatos políticos, apagões na mídia e outras repressões pesadas”.

Em tudo isso, o governo dos EUA é totalmente cúmplice. Que se danem os valores “democráticos” da América, observa o acadêmico.

Por enquanto, conclui Sachs, o governo dos EUA deu seu jeito – e desestabilizou profundamente uma nação com armas nucleares de 240 milhões de pessoas. “Apenas a libertação de Khan da prisão e sua participação nas próximas eleições poderiam restaurar a estabilidade”.

Fonte: Papiro