Eleições em Portugal apontam para impulso da direita, em meio a crise e escândalos
Debate opõe a Iniciativa Liberal à esquerda da CDU antes das eleições legislativas de 2024.
Após oito anos de governança marcados por expectativas frustradas, escândalos e turbulências, Portugal enfrenta uma nova encruzilhada política. As próximas eleições legislativas portuguesas terão lugar no dia 10 de março de 2024. O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, dissolveu o Parlamento e confirmou as eleições, após a demissão, no início de novembro de 2023, do primeiro-ministro socialista, António Costa.
Em entrevista, a analista internacional Ana Prestes oferece uma análise dos eventos que levaram à dissolução do parlamento e à convocação de novas eleições, delineando os principais desafios enfrentados pelo país. Ana também é secretária de Relações Internacionais do PCdoB.
“Já são oito anos de PS, o Partido Socialista, em que se teve uma boa expectativa, mas que depois acabou num governo marcado por uma série de escândalos que acabaram provocando essa situação de dissolução do Parlamento e convocação de novas eleições”, descreveu Ana.
Inicialmente, o governo liderado pelo Partido Socialista (PS) despertou esperanças de uma mudança significativa, especialmente com a formação da coalizão conhecida como Geringonça, que prometia uma abordagem mais comprometida com pautas de esquerda. No entanto, essa expectativa deu lugar a uma série de escândalos que minaram a estabilidade política, culminando na dissolução do parlamento.
A Geringonça, uma aliança entre o PS, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, desmoronou durante a pandemia, devido à recusa do primeiro-ministro António Costa em reverter os ataques aos direitos trabalhistas impostos pela Troika (União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) nos anos anteriores. Os partidos de esquerda expressaram críticas à postura do PS, que, apesar de se apresentar como um governo de esquerda, tem adotado uma abordagem mais centrista na prática.
O terceiro governo de António Costa tomou posse a 30 de março de 2022 e foi muito instável sofrendo treze demissões: onze secretários de Estado e dois ministros. A principal polêmica foi um caso relativo à TAP Air Portugal e o pagamento de uma indenização a um membro do Conselho de Administração. No final de abril de 2023, a utilização dos Serviços Secretos portugueses no caso de um alegado computador portátil roubado gerou um conflito entre o presidente e o primeiro-ministro sobre a continuidade do ministro de Infraestruturas. A gota d’água foi Costa ter sido indiciado como suspeito num caso de corrupção envolvendo os negócios de lítio e hidrogênio, a energia verde.
A esquerda enfatiza em sua pauta eleitoral a preservação das conquistas sociais da Revolução dos Cravos, que completa 50 anos em 2024, e a proteção dos direitos trabalhistas. O PCP, por exemplo, combate a política de liquidação do Sistema Nacional de Saúde e da escola pública a favor das privados, a falta de resposta às carências de habitação, critica a acentuação das desigualdades e da pobreza, os baixos salários e pensões, a degradação dos serviços públicos, a insuficiência de transportes públicos, a estagnação econômica e a crise demográfica.
“Esse período é muito impactado também com os efeitos da guerra na Ucrânia, em toda a Europa, mas principalmente nos países mais da periferia da Europa, que teve impactos econômicos importantes. O que marca esse período também? A ascensão de uma extrema-direita”, resumiu.
Pauta sensacionalista
Ana se refere à ascensão febril do partido Chega, que ganhou destaque, passando de um único deputado para 12, e, agora, uma previsão de até 24 parlamentares. Como em outras partes do mundo, o partido de extrema-direita tem uma retórica contra a política, que se aproveita da crise econômica e a perda da qualidade de vida para propor soluções fáceis e radicais, além da famigerada crítica à imigração.
“É um fenômeno bem parecido com o que a gente viu agora na Argentina, com o Javier Milei. Uma adesão grande da juventude, muito impacto das mídias digitais, do uso mais efetivo e com sucesso que eles fazem. Muito parecido com a pauta da extrema direita que a gente tem aqui na América do Sul. A questão dos valores tradicionais, a pauta conservadora, a questão do emprego, com uma pauta de reforma e flexibilização das leis trabalhistas. Então, uma liberalização mais forte, pelas desregulamentações, uma pauta antissistema, de que são diferentes de tudo que está aí”, pontua a cientista política.
No cenário eleitoral atual, as principais pautas deles, na opinião de Ana, são a crise econômica, a imigração e os valores conservadores, como o combate à “ideologia de gênero”. A extrema-direita propõe uma agenda de liberalização econômica e supostos valores “antissistema”, contra a corrupção.
A expectativa em relação às próximas eleições é marcada pela incerteza, com o PS enfrentando desafios significativos e a extrema-direita ganhando terreno. A questão da imigração surge como um ponto de contradição, com o discurso xenófobo do Chega contrastando com a dependência da elite política e econômica na mão de obra imigrante.
“O Chega fala que os brasileiros apoiam as pautas deles e, mesmo assim, eles têm um discurso extremamente xenófobo de anti-imigração”, afirma. Ana diz que uma parcela das centenas de milhares de brasileiros que imigram para Portugal se identifica com a pauta bolsonarista no Brasil. O único candidato brasileiro nesta eleição é do Chega, dono de uma rede de academias de artes marciais no Porto. Negro, ele diz que nunca sofreu discriminação dentro do seu partido, e defende o controle da imigração.
Nas sondagens mais recentes, ocorre empate técnico com a coligação que inclui o maior partido da oposição, o PSD (centro-direita) numericamente na liderança, seguido da AD (Aliança Democrática), que inclui também o CDS-PP e Partido Popular Monárquico, e o Partido Socialista logo atrás, com 28%. O Chega aparece com 19% das intenções de voto nesta sondagem, antecipando uma bancada parlamentar robusta.
“O que está apontado, até agora, como o grande derrotado é o PS. Do ponto de vista dos partidos menores, tanto dos comunistas como do Bloco de Esquerda, é conseguir pontuar bem, eleger o máximo de parlamentares possível, porque os dois tiveram perdas importantes na última eleição”, observa Ana. Mas ela também diz que o resultado pode surpreender. Ela citou o caso espanhol, em que havia uma expectativa muito grande em torno da ultradireita do Vox, mas acabou que o PSOE conseguiu formar o governo de Pedro Sánchez.
Para conquistar o contingente de indecisos, as siglas apostam agora na maratona de 30 debates televisivos, que vai até 26 de fevereiro.
(por Cezar Xavier)