Tanques russos desfilam pela Praça Vermelha durante um desfile militar do Dia da Vitória

Nesta quinta-feira (8), o Serviço Federal de Estatísticas russo (Rosstat) revelou que o Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia cresceu 3,6% em 2023, uma taxa quase idêntica à estimada pelo Ministério do Desenvolvimento Econômico do país. Os números confirmam uma recuperação robusta da economia do país, após dois anos do vexame de previsões erradas sobre a economia russa. Os grandes bancos ocidentais previam queda de 9% no PIB.

“O volume do PIB da Rússia em 2023, de acordo com a primeira estimativa, totalizou 171,041 trilhões de rublos [equivalente a cerca de R$ 9,32 trilhões] em preços correntes. O índice do volume físico do PIB em relação a 2022 foi de 103,6%. O índice-deflator do PIB em 2023 em relação aos preços de 2022 foi de 106,3%”, relatou o Rosstat. Na zona do euro, o crescimento deve ter sido 0,6%. No Brasil, de 3%. Nos EUA, foi de 2,5%.

É notável que esse crescimento ocorra apesar das sanções sem precedentes impostas pelos países ocidentais contra a Rússia a partir de 2022, que se somaram às aplicadas anteriormente. No ano de 2022, a economia russa havia contraído 1,9%, resultado das sanções ocidentais em resposta à operação militar russa na Ucrânia.

A União Europeia aprovou nesta quarta-feira (21) seu 13º pacote de sanções contra a Rússia, “um dos mais amplos aprovados pela UE”. O novo pacote terá como alvos quase 200 entidades e indivíduos adicionados à lista de sancionados, mas não haverá novas medidas setoriais.

“Eles previram declínio, fracasso, colapso —que nós recuaríamos, desistiríamos ou nos desintegraríamos. Isso faz você querer mostrar [a eles] um gesto conhecido, mas não farei isso, há muitas senhoras aqui”, disse Putin, em Tula, a capital da indústria de armamentos, recebendo aplausos. “Eles não terão sucesso! Nossa economia está crescendo, ao contrário da deles.”

A economia russa mostrou resiliência ao absorver os efeitos iniciais das restrições impostas, e demonstrou que é capaz de sustentar o prolongamento da guerra, além do descolamento em relação ao ocidente. O orçamento de defesa era de 2,7% do PIB em 2021; em 2024, deve ir a 6% do PIB (para uma despesa pública total de uns 36% do PIB).

Maksim Reshetnikov, ministro do Desenvolvimento Econômico da Rússia, associou o crescimento econômico à demanda do consumidor e do investimento. “O crescimento da atividade de consumo foi proporcionado pela renda dos cidadãos, que no ano passado aumentou 4,6% em termos reais. Em primeiro lugar, devido ao aumento da remuneração do trabalho dos funcionários, mas um fator importante também foi o crescimento da renda empresarial, em quase um quarto em termos reais”, detalhou.

Driblando sanções

Os bons resultados para 2023 refletem a capacidade da Rússia de contornar parcialmente as sanções, evitando algumas delas. Além disso, fatores como os preços favoráveis da energia, condições flexíveis de crédito e uma demanda interna robusta impulsionaram a atividade econômica.

Um dos maiores produtores de petróleo e gás do mundo, enfrentou uma redução significativa na receita desses recursos em 2023, conforme relatado recentemente. Enquanto os barris russos são vendidos a um preço mais baixo do que antes da guerra, ainda estão acima do teto imposto pelo Ocidente.

Nos cinco anos anteriores ao início da epidemia (2015-2019), a receita de petróleo e gás representava 40,8% das receitas totais do Orçamento do governo. Em 2022, primeiro ano da guerra, esse número aumentou para 41,6% do total, resultado das sanções impostas e do aumento do preço do barril causado pelo conflito. No entanto, em 2023, a receita caiu para 30,3%, o menor desde 2006, com exceção do ano de 2020, marcado pela epidemia de COVID-19. Essa queda foi em parte devido à diminuição do preço da commodity.

“Implementamos ativamente programas de substituição de importações para apoiar a demanda. Como resultado, uma contribuição significativa para o crescimento econômico foi feita pelo setor industrial, orientado para a demanda doméstica”, acrescentou Reshetnikov.

Desde o período soviético, a Rússia se especializou em estratégias para mitigar o impacto inicial das sanções no início da guerra, quando os países ocidentais congelaram US$ 300 bilhões das reservas soberanas da Rússia e o Kremlin impôs controles cambiais para interromper uma fuga de capital e uma corrida aos bancos.

Economia em paz

Quando discute problemas econômicos, os especialistas não estão falando em termos diferentes daqueles de outros países que não estão em guerra. Todos os índices são parecidos ou até melhores. Na classificação do Banco Mundial do PIB por paridade de poder de compra, a Rússia supera ligeiramente a Alemanha.

O déficit público cresceu, mas a Rússia historicamente mantém disciplina fiscal. A dívida pública do país é relativamente pequena, representando cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB).

Apesar do aumento dos gastos federais, o déficit público foi mantido sob controle, representando 1,9% do PIB, de acordo com o Ministério da Fazenda. Além disso, a Rússia conseguiu reduzir sua dependência das receitas provenientes da venda de hidrocarbonetos, que em 2023 representaram cerca de um terço do orçamento do Estado, em comparação com quase metade anteriormente.

O setor prioritário da defesa desempenhou um papel crucial na recuperação econômica, estimulando a demanda interna. Para atrair trabalhadores em setores afetados pela escassez, houve um aumento significativo dos salários reais. O salário médio cresce mais do que a inflação em um país em que o poder de compra é 80% maior do que o brasileiro e a desigualdade é muito menor.

Os gastos com defesa incluem não apenas a produção de equipamentos, mas também pagamentos sociais relacionados à guerra para aqueles que lutam na Ucrânia e suas famílias, além de alguns gastos nos territórios ocupados. O presidente Vladimir Putin destacou que mais de meio milhão de russos ingressaram na indústria da defesa desde 2022— para trabalhar em turnos ininterruptos necessários para atingir as metas de produção de defesa.

O impulso dos investimentos relacionados ao exército deve aumentar ainda mais em 2024, com o governo planejando um aumento de quase 70% nos gastos com defesa, representando cerca de 30% das despesas federais e 6% do PIB.

Enquanto isso, os países ocidentais continuam buscando maneiras de intensificar as sanções contra a economia russa e dificultar a fabricação de munições e armas. No entanto, há divergências internas sobre como proceder, tanto nos Estados Unidos quanto na União Europeia.

Riscos do pós-guerra

Ao se desdobrar a realidade econômica da Rússia, emerge um cenário complexo e potencialmente arriscado, marcado por um aumento substancial nos gastos militares e uma dependência contínua das receitas de energia, apesar das sanções.

A Rússia destinou uma fração considerável do seu orçamento nacional para o esforço de guerra, com gastos previstos em trilhões de rublos. Esse aumento nos gastos militares, descrito por especialistas como uma “ruptura impressionante” na trajetória econômica pós-comunista do país. Tal abordagem, embora tenha mantido a economia em movimento, traz consigo riscos significativos de superaquecimento e desequilíbrios estruturais.

Apesar de uma redução nas receitas de energia em comparação com anos anteriores, a Rússia ainda se apoia fortemente em suas exportações de petróleo e gás. Esse modelo econômico, intensificado pelo contexto de guerra, tem gerado receitas substanciais, mas também expõe o país a vulnerabilidades, especialmente diante de um mercado global em transformação e de sanções persistentes.

Enquanto a produção militar russa escala para atender às demandas da guerra, a indústria civil enfrenta desafios crescentes, incluindo escassez de mão de obra e pressões inflacionárias. A mobilização de centenas de milhares de homens para o exército e a fuga de talentos do país exacerbam esses problemas, criando um cenário onde o crescimento econômico atual pode ser insustentável a longo prazo.

Analistas e economistas alertam para os perigos de uma economia excessivamente dependente dos gastos militares e das receitas de energia. Esse modelo, embora eficaz em sustentar o crescimento no curto prazo, pode levar a uma estagnação econômica ou até mesmo a uma crise profunda pós-guerra. A estratégia de “tudo para a vitória” pode, paradoxalmente, preparar o terreno para desafios econômicos significativos, especialmente se a guerra se prolongar.

A economia russa, embora aparentemente resiliente diante das sanções e do conflito, enfrenta um futuro incerto. Os riscos de dependência da produção militar e das receitas de energia, combinados com os desafios estruturais e as pressões inflacionárias, podem minar os fundamentos da economia. À medida que a Rússia se aprofunda em um modelo de keynesianismo militar, os custos econômicos, sociais e políticos de longo prazo podem ser significativos, questionando a sustentabilidade do crescimento atual e colocando em risco a estabilidade econômica futura do país.

(por Cezar Xavier)