Biden quer mais US$14 bi para Israel seguir no genocídio | Foto: Reprodução

O jornal britânico The Guardian registrou, em recente artigo, que os “políticos progressistas que se recusam a pedir um cessar-fogo em Gaza ou a suspender o apoio ao ataque de Israel perderam a capacidade de parecer coerentes e cada vez mais parecem estar passando por uma crise.”

A classificação a tais políticos de “progressistas” é, claro, por conta e risco do Guardian, que sentiu não poder mais se mostrar indiferente diante da matança com chancela ocidental, incluindo alguns dos principais políticos britânicos. É o que deixa claro no título da coluna “O ataque de Israel a Gaza está expondo as lacunas em tudo o que os políticos progressistas dizem acreditar”, revelador da hipocrisia em que têm sido flagrados personagens como Keir Starmer, Antony Blinken ou o próprio Joe Biden.

Este último disse, há poucos dias, que “Israel passa do limite”, ao mesmo tempo em que deu força total para o projeto de mais US$ 14 bi para armar Israel em seu continuado genocídio que até a Corte de Haia admitiu.

Se é que se pode falar meramente em “hipocrisia” quando se trata de um genocídio aos olhos do mundo em tempo real, que é a continuidade da Nakba de 1948 e dos 56 anos de ocupação dos territórios palestinos por Israel em violação das fronteiras de fato de 1967.

Outro exemplo citado dessa duplicidade é a posição do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, que disse que o dia 7 de outubro – isto é, os ataques do Hamas à população civil de Israel – não poderia ser tomado como “uma licença para desumanizar outros”, embora permanecesse como chanceler de um governo que por duas vezes optou por invocar o direito de contornar o Congresso para fornecer mais armas a Israel.

Registre-se que não haveria nenhum problema maior para aprovar, nesse Congresso dos EUA, mais armas para Israel. Foi só para desburocratizar e possibilitar agilidade ao genocídio.

Tais expoentes do progressivismo e que, nota o jornal britânico, se apresentam como defensores dos direitos humanos e da justiça no mundo inteiro, não conseguiram condenar “clara e publicamente, muito menos avançar com medidas” para impedir que Israel continue “a atacar civis” em Gaza.

DECLARAÇÕES CONTRADITÓRIAS

Daí, segundo o Guardian, que a “linguagem confusa e declarações contraditórias” estão se tornando “comuns entre figuras do establishment nos EUA e no Reino Unido”, o que seria uma imprecisão calculada dos políticos para tentarem não parecer demasiado críticos em relação a Israel. Nem, provavelmente uma declaração autoincriminatória de cumplicidade no genocídio em Gaza.

O primeiro exemplo de progressista citado é o líder trabalhista Keir Starmer, aquele que, como ministro da Justiça, coordenou a perseguição a Julian Assange, sob a falsidade da inexistente violência sexual na Suécia, o que serviu para posteriormente encarcerá-lo e empacotá-lo para extradição aos EUA. E que, sob falsas acusações contra Jeremy Corbyn, o alijou do trabalhismo, por ter sempre defendido a libertação da Palestina, o que para Starmer é “antissemitismo”.

“Quando se perguntou a Keir Starmer [líder trabalhista e favorito nas pesquisas para as próximas eleições generais no Reino Unido] se cortar a água e o abastecimento são ações que dentro do direito internacional, ele disse que Israel tinha esse direito. Logo, seu partido afirmou que ele nunca tinha dito isso. Quando Starmer disse que o Partido Trabalhista não reconheceria a Palestina unilateralmente, seu próprio secretário de Assuntos Exteriores sombra, David Lammy, disse ao Financial Times que o Partido Trabalhista o consideraria”, recorda a nota.

LÍNGUA BIFURCADA

Mas em nenhum lugar estas contradições são mais claras, diz o Guardian, do que quando os políticos expressam apoio inequívoco às ações de Israel e ao mesmo tempo expressam preocupação pelos civis em Gaza. Ou, deixando a língua bifurcada de lado: quando apoiam inequivocamente o genocídio e ao mesmo tempo sugerem, com jeito, para não enfurecer Netanhyahu, para evitar exageros.

O Guardian registra uma manifestação de Londres sobre uma determinada violação do direito internacional em Gaza, “mas isso não mudou a posição do Reino Unido sobre as exportações de armas para Israel”. “Tente entender isso”, espanta-se o jornal

“DISSONÂNCIA” INCOMODA THE GUARDIAN

“Esta dissonância é produto da tentativa de conciliar uma posição inconciliável”, afirma o Guardian. “Os fatos [referindo-se ao massacre de quase 29 mil palestinos pelas tropas israelenses, a maioria crianças e mulheres] são simplesmente demasiado duros para que alguém possa confrontá-los e, ao mesmo tempo, continuar a apoiar as ações de Israel em Gaza”.

Os resultados beiram a loucura, acrescenta o jornal, “como quando Nancy Pelosi disse à CNN que, embora alguns manifestantes sejam espontâneos, orgânicos e sinceros”, pedir um cessar-fogo era mau porque significava aderir à mensagem do presidente russo, Vladimir Putin.

“E se isso não bastasse, no ano passado [Pelosi] disse aos manifestantes pró-palestinos para regressarem à China, já que é lá que fica a sua sede, de acordo com a sua visão”, acrescenta o The Guardian.

Esta necessidade de “defender o indefensável” a todo custo fez com que os porta-vozes políticos fossem empurrados “contra as cordas” devido à falta de lógica nas suas respostas.

O “CORAÇÃO PARTIDO” DE BIDEN

Quando questionado sobre que mensagem Joe Biden tinha para os árabes americanos preocupados com o que estava a acontecer em Gaza, um porta-voz da Casa Branca disse que o presidente estava “de coração partido” e também acreditava que “Israel tem o direito de se defender”, nota o jornal, destacando o absurdo de sustentar as duas posições ao mesmo tempo.

Para o Guardian o presidente Biden – ‘Genocide Joe’, segundo os protestos nos EUA – “parece ter desistido completamente” e já nem sequer finge que a política do seu governo para o Oriente Médio é “frutífera ou mesmo coerente” – como admitiu em recente entrevista que, embora a ofensiva contra os Houthis não estivesse funcionando para dissuadi-los de parar de atacar navios no Mar Vermelho, ela continuaria mesmo assim.

“É pelo menos um resumo honesto e cobre a posição que os aliados de Israel demonstraram em relação a Gaza. O que eles fazem está funcionando? Não. Mas vai continuar. Porque a guerra que eles travam não passa em nenhum teste. Não é consistente com os princípios progressistas e nem sequer faz sentido em termos de obtenção de segurança. O Oriente Médio não tem sido tão instável há décadas e o conflito está tornando a vida política cada vez mais volátil, particularmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Dois partidos compostos por supostos responsáveis, políticos centristas [democratas nos EUA e trabalhistas no Reino Unido] posicionaram-se como alternativas aos concorrentes caóticos e corruptos da direita num ano eleitoral crucial, e estão agora preocupados com a perda de apoio, e têm que regularmente se defenderem das vaias dos manifestantes pró-Palestina”, resume o jornal.

É curioso que o jornal não tenha se atentado para outro aspecto absolutamente crucial dessa “incoerência” entre intenção e gesto – o corte, por esses governos “progressistas” do financiamento para a assistência à população palestina pela agência da ONU UNRWA em meio ao genocídio, usando como folha de parreira um dossiê mentiroso do regime Netanyahu e antes que a acusação fosse investigada e, portanto, sob a inversão da presunção de inocência, atributo elementar de qualquer sistema de justiça. Em suma, uma adesão descarada à meta de Israel expulsar os palestinos de Gaza, além dos massacres, pela fome.

Isso, pouco mais de 24 horas após a Corte Internacional de Justiça da ONU ter deliberado por amplíssima margem o prosseguimento da investigação da acusação de genocídio, apresentada pela África do Sul, símbolo mundial da luta contra o apartheid, o racismo e o fascismo, contra Israel.

GOVERNO “MORAL E ESTABILIZADOR”?

Para o Guardian, esses acontecimentos “expuseram as falhas de todo um modelo político e os pressupostos que o sustentam”. “Se o progressismo” – Biden?? Pelosi?? Starmer?? – “não pode oferecer uma forma de governo moral e estabilizadora, para que serve?”, preocupa-se o jornal.

As perspectivas não são alvissareiras, admite o jornal em suas elucubrações sobre o progressivismo sob Washington, o Pentágono, a CIA, FMI, Big Oil e Wall Street.

“No meio de um conflito sangrento e perturbador, se o progressismo não mostrar a capacidade ou o desejo de proteger a vida civil, a segurança regional e as suas próprias perspectivas eleitorais, então as suas reivindicações aos princípios e competências que definem a sua missão entrarão em colapso”.

 “Quando um mundo menos seguro se torna um preço aceitável a pagar pela lealdade aos aliados, a reivindicação do Ocidente à autoridade como guardião político e militar da lei e da ordem parece cada vez mais fraca”.

Trocando em miúdos, a ordem global “sob regras” de Washington está se esfarinhando, apesar de toda a sanha sanguinária de certos sabujos.

“FAÇA ALGUMA COISA”, CONVOCA BORRELL

A propósito, o responsável da União Europeia pelas Relações Externas, que não é nenhum gênio da diplomacia e que recentemente comparou a Europa a um “jardim” em contraposição à selva do Sul Global, foi direto ao ponto sobre o que está em curso em Gaza.

“É um pouco contraditório continuar dizendo que há ‘muitas pessoas sendo mortas, muitas pessoas sendo mortas [leia-se palestinos], por favor, cuidem das pessoas, por favor [leia-se Israel], não matem tantas’. Pare de dizer por favor e [faça] alguma coisa.”

Declaração feita com as tropas israelenses prestes a estender o genocídio a Rafah, cidade para onde as hordas de Netanyahu enxotaram, sob tiros e bombas, 1 milhão de civis palestinos. Borrell se disse “extremamente preocupado”.

O chefe da diplomacia europeia acrescentou que “se você acredita que muitas pessoas estão sendo mortas, talvez deva fornecer menos armas para evitar que tantas pessoas sejam mortas” – comentário cujo alvo mais evidente é Biden.

Ele disse ainda que os governos que acreditam que “isso é uma matança, que muitas pessoas estão sendo mortas, talvez tenham que pensar no fornecimento de armas” – aliás, uma carapuça que serve também a vários governos europeus.

“Todo mundo vai para Tel Aviv, implorando: ‘Por favor, não faça isso, proteja os civis, não mate tantos’. Quantos são demais?” perguntou Borrell. “É um pouco contraditório continuar dizendo que há ‘muitas pessoas sendo mortas, muitas pessoas sendo mortas, por favor, cuidem das pessoas, por favor, não matem tantas’. Pare de dizer por favor e [faça] alguma coisa.”

Fonte: Papiro