Uso de cloroquina contra Covid pode ter levado a 17 mil mortes, diz estudo
Estudo feito por pesquisadores da França e do Canadá estima que o uso de hidroxicloroquina para tratar de pacientes hospitalizados com Covid-19, na primeira onda da doença, pode estar relacionado à morte de 17 mil mortes em seis países — Bélgica, França, Itália, Espanha, Estados Unidos e Turquia. A maioria, 7,5 mil, somente nos EUA. “O que a gente tem a perder? Tomem”, disse o então presidente do país, Donald Trump, durante a pandemia, em referência ao medicamento.
Os cientistas estimaram, ainda, que o uso do medicamento pode ser associado a um aumento de 11% na taxa de mortalidade de pacientes hospitalizados. Os dados foram publicados, com ressalvas, no periódico científico Biomedicine & Pharmacotherapy.
Mesmo com tais ressalvas, diz o estudo, “esses números provavelmente representam apenas a ponta do iceberg, subestimando amplamente o número de mortes relacionadas à HCQ (hidroxicloroquina) em todo o mundo”.
Segundo os autores, apesar das limitações do estudo e de suas imprecisões, ele ilustra o perigo de, no manejo de futuras emergências, mudar a recomendação de um medicamento com base em evidências fracas.
A prescrição off-label — ou seja, fora do uso recomendado — “pode ser apropriada quando os médicos julgam ter evidências suficientes para sugerir o benefício da medicação. Entretanto, a primeira série que relatou o efeito da HCQ mostrou eficácia limitada ou nenhuma eficácia na redução da mortalidade”, apontam.
A substância é indicada para o tratamento de doenças como malária, lúpus e artrite, mas em meio ao aumento dos casos de Covid-19, ganhou força em diversos países, sobretudo em segmentos sociais com posições nagacionistas e de extrema-direita, a tese, até hoje não comprovada, de que a cloroquina serviria para enfrentar a doença.
Bolsonaro e a cloroquina
No Brasil, Jair Bolsonaro e seus apoiadores, assim como Trump, defendiam o uso do medicamento, estimulando médicos e pacientes a aderirem ao falso tratamento. Em meio ao lobby em defesa da cloroquina — cujos interesses até hoje não estão claros —, Bolsonaro determinou que o laboratório do Exército produzisse milhões de comprimidos para distribuição.
Somente em três semanas após a determinação da produção pelo então presidente, foram feitos mais de 1,25 milhão de comprimidos — aumento de 900% em relação ao que era produzido pelo laboratório do Exército em um ano inteiro. O fármaco era um dos itens do chamado “tratamento precoce” via “kit Covid”, defendido irresponsavelmente pelo governo anterior como saída para a pandemia sem que houvesse comprovação científica.
Ao longo da pandemia, foram muitos os momentos em que Bolsonaro saiu em defesa da medicação. “Quem for de direita toma cloroquina, quem for de esquerda toma tubaína”. A patética frase foi uma das pérolas ditas pelo presidente, em maio de 2020. Naquele momento, cientistas já descartavam a eficácia do uso da cloroquina para a Covid-19.
“Não há controvérsia em torno da cloroquina pelos cientistas, como às vezes se dá a impressão. Todas as entidades de saúde indicam seu banimento. Estudos apontam para sua ineficácia em casos leves ou graves de covid-19 desde o primeiro semestre de 2020″, disse, na época, à BBC News Brasil a médica Karina Calife, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Santa Casa de São Paulo.
Com agências
(PL)