Agricultores protestam em Berlim contra a recessão acirrada por cortes do governo | Foto: AFP

A Alemanha, tida como a locomotiva econômica da Europa, entrou em recessão no ano passado, com o PIB sofrendo uma contração de 0,3% em 2023 em relação ao ano anterior, depois de um aumento de 1,8% em 2022, segundo o Serviço Federal de Estatística (Destatis).

O anúncio foi feito na segunda-feira (15), com o órgão atribuindo o resultado pífio ao aumento dos custos da energia, taxas de juro elevadas, alta da inflação, crise orçamentária e desaceleração das exportações alemãs.

“O desenvolvimento econômico geral fraquejou na Alemanha em 2023, num ambiente que continua a ser marcado por múltiplas crises”, disse num comunicado a presidente do Destatis, Ruth Brand.

Segundo a CNN, o resultado “aumenta o risco de uma contração econômica na zona do euro como um todo” – apesar da previsão da Comissão Europeia em torno de + 0,6%, o que é praticamente estagnação e bem abaixo da média global de 3%.

Segundo o Deustche Welle, economistas avaliam que a perspectiva para 2024 se tornou “mais sombria, com poucos esperando uma recuperação”. Muitos analistas reduziram suas previsões de crescimento para “menos de 1%” e não descartam “uma nova queda no PIB nos próximos 12 meses”.

Segundo os dados preliminares, a inflação média para o ano foi de 5,9%, a segunda mais alta desde a Reunificação Alemã em 1990, atrás apenas de 2022, quando foi registrada uma inflação de 6,9% (e 14% na inflação dos alimentos), o que empurrou numerosas categorias de trabalhadores à greve e protestos ao longo do ano.

“Apesar de uma queda recente, os preços ainda continuam altos em todos os estágios do processo econômico e geraram um peso sobre o crescimento”, admitiu Brand.

“Condições financeiras desfavoráveis devido ao aumento na taxa de juros e à fraca demanda interna e externa também exerceram influência”, ela acrescentou.

Sob a alta de juro, simplesmente o gasto com juros foi multiplicado por 10, em relação ao patamar de 2021.

Para observadores, a situação da economia é a resultante da submissão do governo Scholz aos EUA em sua aventura da guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia e sanções alucinadas decorrentes que, como bumerangue, voltaram e pegaram em cheio a Alemanha.

A Alemanha ficou privada da energia barata russa, que era a base fundamental para o desempenho de sua indústria, passou a ter de importar o muito mais caro, e ambientalmente lesivo, gás de fracking norte-americano (GNL), enquanto o termo “desindustrialização” foi incorporado ao dia a dia alemão.

O que foi coroado com o ato terrorista contra os gasodutos Nordstream, que o respeitado jornalista investigativo norte-americano Seymour Hersh atribuiu ao governo Biden. Inclusive com o governo Biden procurando atrair empresas alemãs para os EUA, esvaziando economicamente a Alemanha.

Para setores políticos alemães, a denuncia faz sentido e a sabotagem ao gasoduto Nord Stream fez parte de uma guerra econômica travada pelos EUA contra a Alemanha em particular e a Europa em geral, forçando o país a substituir o uso do gás russo pelo gás norte-americano mais caro e prejudicial.

A queda do PIB se soma aos fatores que já pressionam fortemente o governo Scholz, que enfrenta impopularidade recorde e uma onda de manifestações – das greves de trabalhadores por recomposição salarial aos tratoraços dos agricultores contra corte de subsídios e aumento do diesel nas principais cidades alemãs.

Em março, dois milhões de servidores públicos e ferroviários realizaram a maior greve em décadas, pela reposição salarial. Muitas outras categorias cruzaram os braços ou foram às ruas.

A única nota positiva registrada pelo Destatis foi o crescimento no emprego, um recorde de 0,7%, ou 333.000 pessoas, em comparação com 2022, elevando o número total de pessoas empregadas para 45,9 milhões. O que se deveu, segundo o órgão, aos trabalhadores estrangeiros e uma maior parte da população nacional que ingressou na força de trabalho.

SEM SURPRESA

Não foi propriamente uma surpresa: os principais institutos econômicos alemães esperavam uma contração entre 0,3% e 0,4% em 2023.

Segundo o Destatis, o consumo privado caiu 0,8% em um ano. O setor da construção foi particularmente prejudicado, com uma queda de 2,1% nos investimentos. Acima de tudo, os preços da energia permanecem elevados para a indústria alemã em comparação com seus concorrentes internacionais.

A química, particularmente afetada, produziu 8% menos em 2023, o que se traduziu numa queda de 12% nas receitas, segundo dados da indústria.

O setor dos serviços também foi atingido por uma forte contração no comércio. Os gastos das famílias e do governo caíram, este último pela primeira vez em quase 20 anos.

Após quatro meses de queda, as exportações registraram uma melhora no final do ano, com um aumento de 3,7% em novembro,

Mas alguns especialistas duvidam de uma recuperação rápida, já que uma queda significativa das taxas de juro não está prevista este ano, nem dos preços da energia.

“Para 2024, não haverá melhoras. A Alemanha caiu na estagnação”, segundo Jens Oliver Niklasch, analista do banco LBBW.

“É possível que continuemos em recessão este ano. Os desafios são imensos”, comentou esta segunda-feira a Câmara de Indústria e Comércio (DIHK).

Para piorar a situação, o Tribunal Constitucional cancelou em novembro € 60 bilhões de créditos de investimento em nome de regras orçamentárias constitucionais, levando Sholz a anunciar mais cortes que, segundo o instituto econômico IFO, deverão custar à Alemanha 0,2 pontos de crescimento nos próximos meses.

Como a Bloomberg informou, Scholz e seu ministro das Finanças Lindner planejam fechar uma lacuna financeira de € 20 bilhões no orçamento da Alemanha para 2024 com cortes de gastos em todos os ministérios, exceto ‘Defesa’.

O que não impediu o Ministério das Finanças de vaticinar na segunda-feira que o crescimento voltará em 2024, em respaldo ao desejo expressado pelo acuado Scholz. “Com a queda da inflação, o aumento dos salários reais e uma recuperação gradual da economia global, os fatores que pesam sobre a economia deverão se atenuar e uma recuperação deve começar”.

O Instituto de Pesquisas Macroeconômicas (IMK) da Fundação Hans Böckler, apoiada pelos sindicatos, culpa parcialmente os rígidos limites impostos à dívida do governo pela desaceleração. Eles afirmam que as regras, chamadas na Alemanha de “freio da dívida”, impedem investimentos necessários em infraestrutura e projetos ambientais.

Enquanto corta investimentos e gastos sociais na Alemanha, o governo Scholz segue como o maior doador, na Europa, de dinheiro – e armas – para a guerra da Otan na Ucrânia e Zelensky.

ESTAGNAÇÃO

Embora as normas da UE exijam que o déficit orçamentário tenha como teto 3% do PIB, o governo Scholz praticou 2,5% em 2022 e 2% em 2023.

“As condições recessivas que se arrastam desde o final de 2022 parecem destinadas a continuar este ano”, escreveu o economista-chefe para a Europa da Capital Economics, Andrew Kenningham, numa nota na segunda-feira.

“A construção está caminhando para uma desaceleração acentuada e o governo está apertando fortemente a política fiscal”, acrescentou Kenningham. “Prevemos crescimento zero do PIB em 2024.”

Coerentemente, a mais recente pesquisa realizada pelo Instituto Insa para o jornal Bild registrou que mais de 70% dos cidadãos estão insatisfeitos com o governo Scholz. O pior resultado da coalizão semáforo (social-democratas, verdes e liberal-democráticos) desde a posse em dezembro de 2021. A sondagem foi feita entre 8 a 12 de janeiro, com 1,2 mil entrevistados.

Fonte: Papiro