Soldados do Exército soviético conversando com as crianças recém-libertadas do campo de concentração de Auschwitz | Foto: Domínio público

O nome que se tornou sinônimo de genocídio, terror e trabalho escravo, Auschwitz, foi revelado ao mundo em 27 de janeiro de 1945, quando tropas soviéticas que avançavam na Polônia em perseguição às forças nazistas chegaram ao que até então era um ‘quartel’ no mapa e se depararam com o maior centro de extermínio sob Hitler, um complexo de 40 campos em que foram martirizados pelo menos 1,3 milhão de pessoas, 90% judeus, mas também soviéticos, poloneses, ciganos ou simplesmente deficientes físicos, entre 1940 e 1945.

Sete a oito mil prisioneiros permaneciam no campo, quando os soviéticos chegaram. Eram muito poucos os que sobreviveram às câmaras de gás e aos fornos crematórios, ao trabalho escravo, às torturas, ao arbítrio sádico, à inanição, ao frio, às doenças, às experiências macabras nas quais seres humanos eram usados como cobaias. O uso do gás Zyklon-B, da IG-Farben-Bayer, para o extermínio em massa, foi primeiro testado em prisioneiros soviéticos e poloneses.

Grandes monopólios alemães, como a IG-Farben-Bayer e a Krupp, operavam no complexo de unidades fabris com mão de obra escrava, o que explica o horrendo dístico “Arbeit Macht Frei” [O Trabalho Liberta]. Assim que os trens chegavam, os cativos eram separados entre os aptos para o trabalho e os que seriam levados direto para o extermínio.

A “Fábrica da Morte” chegou a aniquilar seis mil seres humanos por dia. O segundo grupo era obrigado a tirar a roupa e sentar sob chuveiros. Os guardas nazistas despejavam gás nas câmaras seladas e esperavam as pessoas morrerem, o que levava 20 minutos. As paredes, apesar de espessas, não eram capazes de abafar os gritos daqueles que se sufocavam ali dentro. Era em Auschwitz que o médico das SS Josef Mengele conduzia seus ‘experimentos’ desumanos em prisioneiros..

PERPLEXIDADE

As tropas que entraram no campo de Monowitz eram do 60º Exército do general Kurochkin, vindas da frente ucraniana, marchando desde a cidade polonesa de Cracóvia, cerca de 45 quilômetros a oeste do campo, com o objetivo de tomar Katowice, uma cidade industrial a cerca de 25 quilômetros a noroeste de Auschwitz.

Atravessando a neve até os joelhos, os soldados de infantaria soviéticos das três divisões que compõem o 60º Exército – o 107º, o 100º e o 322º – lutaram repetidamente contra as tropas alemãs entrincheiradas ao longo do caminho. Na manhã de 27 de janeiro, enquanto a 107ª divisão contornava a cidade polonesa de Oswiecim, adjacente ao campo de Auschwitz, tropas da 100ª divisão entraram no campo de Monowitz, a três quilômetros a leste de Oswiecim.

No relato da RT, Primo Levi, um dos prisioneiros sobreviventes, lembrou que os primeiros soldados soviéticos que entraram no campo não tinham ideia de onde haviam entrado.

“Eles não nos cumprimentaram, nem sorriram”, lembrou Levi. “Eles pareciam oprimidos não apenas pela compaixão, mas por uma contenção confusa, que selou seus lábios e prendeu seus olhos à cena do funeral.”

O tenente soviético Ivan Martynushkin recordou que suas tropas tinham acabado de derrotar os alemães em Oswiecim quando, depois de passar pela aldeia, “saíram para algum tipo de campo enorme quase completamente cercado por cercas eletrificadas de arame farpado e torres de vigia”.

“Vimos edifícios além do arame farpado”, observou Martynushkin. “E à medida que nos aproximávamos, começámos a ver que havia pessoas.”

Martynushkin e seus homens não tinham ideia de quem eram essas pessoas, que pareciam “muito magras, cansadas, com a pele enegrecida”.

“No início, houve cautela, tanto da nossa parte quanto da deles”, lembrou. “Mas então eles aparentemente descobriram quem éramos e começaram a nos receber, a sinalizar que sabiam quem éramos e que não deveríamos ter medo deles – que não havia guardas ou alemães atrás do arame farpado. Só prisioneiros.”

Martynushkin e seus homens tinham acabado de libertar o campo de Birkenau. Os sobreviventes estavam extremamente magros e exaustos. Poucos conseguiam ficar de pé, muitos estavam deitados no chão, apáticos.

Anna Polshchikova, uma prisioneira russa que trabalhava no centro médico do campo, relembrou sua alegria em ver os soldados soviéticos – e sua confusão. “Eles nos olharam com surpresa e consternação. ‘ Quem é você?”, perguntaram. ‘Que lugar é esse?’ “Somos russos”, respondi, “e este é o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau”.

“E o que você está fazendo aqui?”, perguntaram de maneira hostil. Ficamos perplexos e sem saber o que dizer. Parecemos miseráveis e patéticos, então eles cederam e perguntaram novamente, em um tom mais gentil. “E o que está aí?”, disseram, apontando para o norte.

“Também um campo de concentração.” ‘E além disso?’ “Também um acampamento.” ‘E além do acampamento?’ “Lá dentro, na floresta, estão os crematórios, e além dos crematórios, não sabemos.”

O HORROR

“O horror da realidade do que acabavam de descobrir só então começou a se registrar na mente dos libertadores soviéticos. Cerca de 7.000 prisioneiros emagrecidos estavam no campo principal de Auschwitz, Birkenau e Monowitz. Outros 500 prisioneiros foram descobertos nos subcampos de Auschwitz em Stara Kuźnia, Blachownia Śląska, Świętochłowice, Wesoła, Libiąż, Jawiszowice, e Jaworzno”.

“Mas dentro dos campos os soviéticos encontraram 1,2 milhão de peças de roupa, 7,7 toneladas de cabelo humano e outros itens pessoais despojados de prisioneiros assassinados, evidência dos horrores que aconteceram lá. Mais de 600 cadáveres em decomposição foram espalhados por todo o terreno, os restos mortais daqueles prisioneiros mortos a tiros pelos guardas assassinos da SS antes de abandonarem os campos”.

Eva Mozes Kor, de dez anos, sobrevivente dos experimentos médicos dementes do nazista Joseph Mengele, lembrou da gentileza dos soviéticos com as crianças do campo. “Eles nos deram abraços, biscoitos e chocolate”, disse ela.

“Estar tão sozinho um abraço significava mais do que qualquer um poderia imaginar, porque isso substituiu o valor humano pelo qual estávamos famintos. Não estávamos apenas famintos por comida, mas também por bondade humana. E o Exército soviético forneceu um pouco disso.” Havia 500 crianças.

Cerca de 231 soldados soviéticos perderam a vida nos combates dentro e ao redor da cidade de Oswiecim que ocorreram durante a libertação de Auschwitz, incluindo o comandante do 472º regimento, coronel Siemen Lvovich Besprozvanny. Seus corpos estão enterrados no cemitério municipal de Oswiecim, uma lembrança permanente do sacrifício feito na libertação dos 7.500 sobreviventes dos campos de extermínio de Auschwitz.

A TENTATIVA DE OCULTAÇÃO

A tentativa de ocultação, pelos nazistas, das provas dos crimes hediondos cometidos, foi levada a cabo freneticamente, diante do imparável avanço do Exército Vermelho nos últimos meses de 1944. Hitler mandou destruir as câmaras de gás e os crematórios de Auschwitz-Birkenau.

Em 17 de janeiro de 1945, foi dada ordem de evacuação dos três campos de Auschwitz. Mais de 60 mil prisioneiros foram obrigados a marchar dia e noite: milhares morreram de exaustão pelo caminho ou foram executados. Outros campos de concentração, de trabalho e de extermínio foram evacuados antes da chegada das tropas aliadas, centenas de milhares de prisioneiros foram igualmente obrigados a percorrer quilômetros nas monstruosas Marchas da Morte.

Em 20 de janeiro de 1945, restavam aproximadamente 9.000 prisioneiros. Nos dias que se seguiram à evacuação, os guardas das SS patrulhavam os campos, matando 400 prisioneiros a tiros e queimando outros 300 vivos em seus quartéis. Em 25 de janeiro, as SS reuniram cerca de 150 prisioneiros de Birkenau e os levaram para fora do campo. No dia seguinte, a SS explodiu alguns armazéns e abandonou completamente as instalações. A maioria dos prisioneiros sobreviventes estava faminta, doente e à beira da morte. A equipe médica do campo, assistida pelos prisioneiros mais saudáveis, fez o possível para cuidar dos pacientes acamados.

NUNCA MAIS

Em 1948, a aprovação da Convenção contra o Genocídio das Nações Unidas criou um marco para que tal barbárie nunca mais se repita. Em 2005, a Assembleia Geral da ONU aprovou o dia 27 de janeiro como Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Em 2002, a Unesco tornou o Memorial de Auschwitz um patrimônio da Humanidade.

Em 2022, a Rússia foi excluída das comemorações anuais pela libertação de Auschwitz, sob pretexto de seu socorro às populações de fala russa do Donbass, ameaçadas de limpeza étnica pelo regime instalado pelo golpe de Maidan em Kiev em 2014, e desdobrado como uma guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia.

O atual regime ucraniano se autodefine como herdeiro dos fascistas que lutaram ao lado das SS na ocupação da Ucrânia, contra os soviéticos, e que mataram dezenas de milhares de poloneses e judeus em pogroms que cometeram.

Às vésperas da comemoração da libertação de Auschwitz deste ano, a Corte Internacional de Justiça da ONU decidiu prosseguir com o processo impetrado pela África do Sul, a nação que venceu o apartheid e o racismo, contra Israel, por “genocídio contra o povo palestino” em Gaza e deliberou liminarmente que Israel deve “prevenir e punir a incitação ao genocídio”. Decisão considerada uma “vitória” para a entidade norte-americana Jewish Voice for Peace, segundo a qual “não em nosso nome” e “nunca mais é para todos”.

Fonte: Papiro