Joan Donaghue, presidente da Corte de Haia, lê a denúncia África do Sul sobre crimes de Israel | Vídeo

Apresentado à Corte Internacional de Justiça da ONU em Haia, fazendo lembrar a batalha pela jurisprudência de Nuremberg, o libelo da África do Sul contra o genocídio em curso em Gaza perpetrado por Israel e os 25 anos de apartheid, 16 de cerco a Gaza, 56 anos de ocupação sufocante e 75 anos desde o Nakba, conquistou corações e mentes no mundo inteiro, o que pode ser revisto a seguir na republicação da audiência do dia 11, com legendas em português, divulgada pela Federação das Entidades Palestinas (Fepal).

São impressionantes duas horas e 22 minutos de argumentação, trazida pelos vitoriosos da luta contra o apartheid e o racismo, os herdeiros de Mandela, que pediram à CIJ que liminarmente determine o fim da agressão a Gaza e a proteção da população palestina.

As evidências de intenção genocida dos mais altos escalões do governo israelense, destacou o advogado sul-africano Tembeka Ngcukaitobi, “não são apenas assustadoras, mas também esmagadoras e incontestáveis”.

“Há aqui um elemento extraordinário: o líder político, os comandantes militares e as autoridades de Israel declararam sistematicamente a sua intenção genocida”, intenção que está enraizada “na ideia de que o inimigo não é a ala militar do Hamas ou o Hamas em geral, mas está embutido no tecido da vida palestina em Gaza”.

A Corte Internacional de Justiça foi criada em 1945 após a vitória sobre o nazifascismo na II Guerra Mundial, enquanto a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio foi estabelecida em 1948, para evitar a repetição do massacre de milhões de civis pelo hitlerismo, como sofrido pelos judeus. De acordo com seu estatuto, apenas casos entre Estados são julgados. Israel e África do Sul são signatários.

INCITAÇÃO AO GENOCÍDIO

O advogado sul-africano Ngcukaitobi se debruçou, especialmente, na fundamentação da acusação da intenção genocida que move o governo israelense.

Ele lembrou o discurso do primeiro-ministro Netanyahu em 28 de outubro de 2023, às tropas israelenses, chamando a repetir o episódio bíblico em que Deus teria ordenado “a destruição retaliatória de um grupo inteiro de pessoas conhecidas como Amalek. Matar homens e mulheres, crianças e bebês, gado e ovelhas, camelos e burros; o genocídio.”

“A invocação a Amalek era tudo menos ociosa. Isso foi repetido pelo sr. Netanyahu em uma carta às forças armadas de Israel em 3 de novembro de 2023”, ele acrescentou.

“Senhora Presidente, as palavras do primeiro-ministro falam por si. O vice-presidente do Knesset, o parlamento israelense, solicitou a eliminação da Faixa de Gaza da face da Terra. A força de defesa concorda. Em nove de outubro, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, fez uma atualização da situação para o Exército, em que ele disse que haveria um cerco completo, em que não haveria eletricidade, nem alimentos, nem água, nem combustível. Tudo estaria fechado porque Israel está lutando contra animais humanos. Falando às tropas na fronteira de Gaza ele os instruiu que havia eliminado todas as restrições, e que Gaza não voltaria a ser o que era antes. Eliminaremos tudo. Chegaremos a todos os lugares”.

“Eliminar tudo. Chegar a todos os lugares sem nenhuma restrição”, repetiu o jurista sul-africano.

“Israel impôs um bloqueio total a Gaza. Sem eletricidade, sem água, apenas danos. ‘Você queria o inferno? Você terá o inferno’. A linguagem da desumanização sistemática é evidente aqui. Animais humanos, tanto do Hamas quanto civis, são condenados dentro do gabinete israelense”.

“O ministro da Energia e Infraestrutura, Israel Katz, pede a negação de água e combustível, pois ‘isso é o que vai acontecer a um povo de crianças que matam e massacram’”.

Isso – destaca Ngcukaitobi – não admite “nenhuma ambiguidade”. Significa “criar condições de morte do povo palestino de Gaza ter morte lenta por causa da fome e desidratação ou morrer rapidamente por causa de um ataque a bomba ou atiradores de elite, mas morrer mesmo assim.” 

A intenção de destruir Gaza foi cultivada nos níveis mais altos do Estado, ele enfatizou. “Como presidente, Isaac Herzog se juntou às fileiras dos que assinam as bombas destinadas a Gaza. Tendo observado anteriormente que toda a população de Gaza é responsável e que ‘essa retórica sobre o fato de os civis não estarem cientes ou envolvidos não é absolutamente verdade’”.

O ministro da Segurança Nacional Itamar Ben-Gvir repetiu as palavras do presidente que o Hamas e os civis são responsáveis em igual medida. “Em 10 de novembro, em uma entrevista televisionada, ele afirmou que quando dizemos que ‘o Hamas deve ser destruído, isso também significa aqueles que comemorarão, aqueles que apoiam e aqueles que distribuem doces.  Todos eles são terroristas e devem ser destruídos’. E mutilar o que não puder ser destruído.”

Em sete de dezembro de 2023 – acrescentou o jurista sul-africano -, três soldados israelenses “provaram que entendiam a mensagem do primeiro-ministro para lembrar ‘o que os amalequitas fizeram a nós’ como genocídio. Eles foram registrados por jornalistas dançando e cantando ‘Sabemos nosso lema’”.

Eles – assinalou Ngcukaitobi – “não estão isentos do fato de obedecerem a um mandamento ‘para exterminar a semente de Amalek’. A invocação principal de Amalek está sendo usada pelos soldados para justificar o assassinato de civis, inclusive de crianças.”

À Corte de Haia, foi exibido um vídeo, que circulou nas redes sociais israelenses, em que se presencia soldados repetindo as palavras de incitação de seu primeiro-ministro. “Estou indo ocupar Gaza e destruir o Hamas. Eu me apego a uma mitzvah [virtude religiosamente reconhecida] para eliminar a semente de Amalek. Eu deixei minha casa para trás, não voltarei até à vitória. Nós sabemos nosso lema: não há civis não-envolvidos”.

Os soldados israelenses foram filmados dançando, cantando e fazendo coro “que sua aldeia seja queimada, que Gaza seja apagada”.

Fonte: Papiro