Barco lotado de drogas é localizado na costa do Equador | Foto: AFP

A relação entre a dolarização da economia equatoriana e a expansão desenfreada do narcotráfico salta aos olhos, se evidencia na completa ausência do Estado nacional na emissão e controle da moeda – desde o ano 2000, com a supressão do sucre -, facilitando a lavagem de dinheiro.

O uso do dólar como moeda oficial potencializa as transações ilegais. Os números falam por si, aponta o levantamento mais recente do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (CELAG), citando que “se lavaram cerca de US$ 3,5 bilhões no sistema financeiro equatoriano durante 2021, quase três vezes os US$ 1,2 bilhão movimentados anualmente entre 2007 e 2016”. A projeção atual é que o narcotráfico movimente atualmente até 5% do Produto Interno Bruto (PIB) e ultrapasse os US$ 5 bilhões.

Questionado durante a campanha eleitoral, o atual presidente Daniel Noboa reconhecia que “o narcoterrorismo havia avançado” pela inexistência de um controle fronteiriço real, pela desproteção dos portos, mas “porque estamos dolarizados”. “Não têm que trocar moeda, simplesmente entram dólares e saem dólares. Não há rastro cambial”, resumiu Noboa.

“A perda de parte da soberania na gestão da moeda é algo que aniquila a arquitetura financeira soberana de qualquer país. Ao não imprimir dólares, você tem que comprar nos EUA. Não é o seu BC que está fornecendo, ele é anulado”

Em entrevista à ComunicaSul, a ex-presidente da Assembleia Nacional do Equador, Gabriela Rivadeneira, definiu “a dolarização como a pior decisão que se pode tomar para qualquer economia nacional”. “A perda de parte da soberania na gestão da moeda é algo que aniquila a arquitetura financeira soberana de qualquer país”, declarou Gabriela, frisando que “ao não imprimir dólares, você tem que comprar nos Estados Unidos”. “Não é o seu Banco Central que está fornecendo, ele é anulado”.

“DOLARIZAÇÃO OFERECE ESPAÇO À LAVAGEM DO DINHEIRO DO NARCOTRÁFICO”

A advogada Angelica Porras Velasco, da Ação Jurídica Popular, ressaltou que houve um aumento significativo das mortes violentas no país exatamente porque “a dolarização oferece o espaço adequado para a lavagem de dinheiro do narcotráfico”. Se durante o governo de Rafael Correa (2007 a 2017), a proporção de mortes violentas era de cinco para cada 100 mil habitantes, hoje este número subiu para 46 e, em lugares com maior conflito, pode ultrapassar a 100.

O crescimento do narcotráfico chegou a tal ponto, registra a imprensa equatoriana, que em 2021 a proporção da cocaína enviada à Europa desde o Equador alcançou 28%, o dobro dos 14% de 2018. Para avaliar o impacto desse negócio na violência, basta lembrar que em 2021 a taxa de assassinatos era de 14 por cada 100 mil pessoas, quase o dobro do ano anterior.

Na avaliação de Angélica a campanha da Associação dos Bancos do Equador em prol da dolarização apenas expressa o volume escandaloso dos lucros que vêm obtendo com o total descontrole, com o banqueiro e ex-presidente Guillermo Lasso tendo registrado dezenas de milhões de lucros no seu patrimônio. “Os banqueiros estão entre os maiores beneficiários da lavagem do dinheiro do narcotráfico. Isto é fato”, ressaltou.

“O crescimento do dinheiro ilícito no fluxo legal coincide com o processo de desregulamentação do sistema financeiro e com as taxas de lucro superlativas relatadas pelos bancos equatorianos desde 2017. As conclusões do CELAG estão de acordo com análises jornalísticas que garantem que no país lava entre 2% e 5% do PIB anualmente”, acrescenta o documento.

Na investigação citada, o Celag revelou que a quantidade de dinheiro cuja origem não pode ser explicada por nenhuma via legal “cresceu US$ 27,4 bilhões de 2005 até setembro de 2022”. O fato é que são bilhões de dólares sem qualquer justificativa econômica “nem nos fluxos externos da balança de pagamentos”.

“Há uma renda representativa de dólares em dinheiro que entra através de transações ilícitas de tráfico de drogas (no sistema bancário), e é aí que a economia dolarizada desempenha um papel crucial na lavagem de dinheiro”, explicou um representante do Observatório Equatoriano do Crime Organizado. (OECS) para o site InSight Crime. Segundo a OECO, a lavagem de dinheiro é o segundo crime mais comum no Equador, depois do tráfico de drogas.

Assim, com uma economia dolarizada, “os lucros do narcotráfico nos Estados Unidos podem passar diretamente ao Equador sem necessidade de conversão em comparação com a vizinha Colômbia, onde os controles cambiais rigorosos são uma grande barreira aos fluxos financeiros ilícitos”.

“O dinheiro bancário cresceu quase 14 vezes (mais de 1.200%) nos 21 anos de dolarização. Por outro lado, o PIB nominal do país no mesmo período passou de US$ 18,3 bilhões para US$ 106,1 bilhões, ou seja, um crescimento de 5,8 vezes (480%). É evidente, então, que a quantidade de dinheiro bancário no Equador cresceu a uma taxa muito superior ao crescimento nominal da economia, mais do dobro do que a economia cresceu a preços correntes”, conclui o CELAG. Mesmo esse crescimento não deve ter como base a economia real (indústria e comércio), mas as transações ilícitas.

Para Diane Sarrade, professora na Universidade de Bordeaux, especialista em Equador e pesquisadora do Centro ibérico e ibero-americano da Universidade de Nanterre, “graças ao dólar, a economia do crime é a mais fácil de se desenvolver”.

Fonte: Papiro