Pela investigação do W. Post, Israel não provou as acusações que fez contra o hospital Al Shifa | Foto: AFP

Em seu genocídio em Gaza, uma das maiores atrocidades perpetradas por Israel foi a invasão e destruição do principal hospital da Faixa de Gaza, o Hospital Al Shifa, em um ataque que forçou a evacuação de centenas de feridos e a expulsão de milhares de refugiados, causou dezenas de mortes – inclusive de recém nascidos – e um número incontável de vítimas adicionais, “um espetáculo raramente visto na guerra moderna”, segundo a revista norte-americana Rolling Stone, provavelmente se referindo à guerra pós derrota do nazifascismo.

Como registrou a revista, mesmo em um conflito tão brutal como o que se desenrola atualmente em Gaza, uma operação militar organizada “contra um hospital é praticamente inédita”.

Israel – acrescenta a publicação – “há semanas tornou pública sua justificativa preventiva para uma incursão em um estabelecimento médico que normalmente é protegido pelo direito humanitário – afirmando que al-Shifa continha um centro de comando do Hamas dentro de uma rede de túneis e salas secretas que usavam pacientes e médicos como escudos humanos contra a ação militar israelense.”

O pretexto para tal crime de guerra – e é disso que se trata, um crime inefável de guerra – contra crianças, contra feridos, contra médicos e paramédicos – é que, supostamente, o Hamas operaria sob o hospital uma rede de túneis e salas secretas, alegação prontamente endossada pelo governo Biden, em sua estratégia de dar cobertura, nos mínimos detalhes e se excedendo na cumplicidade, a tais atrocidades.

O cientista e popularizador da ciência, o norte-americano Carl Sagan, em seu combate pela prevalência da verdade e da razão, tornou famosa a frase de que “alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”.

O que se aplica integralmente ao caso. A alegação de Israel é absolutamente extraordinária: que o maior hospital de Gaza era somente um disfarce para um “centro de comando do Hamas dentro de uma rede de túneis e salas secretas que usavam pacientes e médicos como escudos humanos contra a ação militar israelense”.

Ou, nas palavras do Post: “As alegações eram notavelmente específicas – que cinco edifícios hospitalares estavam diretamente envolvidos nas atividades do Hamas; que os edifícios ficavam em cima de túneis subterrâneos que eram usados por militantes para dirigir ataques com foguetes e comandar combatentes; e que os túneis poderiam ser acessados de dentro das enfermarias do hospital”.

No entanto, de acordo com a investigação do Post:

“As salas conectadas à rede de túneis descobertas pelas tropas das FDI não mostraram evidências imediatas de uso militar pelo Hamas. Nenhum dos cinco edifícios hospitalares identificados por Hagari parecia estar conectado à rede de túneis. Não há evidências de que os túneis pudessem ser acessados de dentro das enfermarias do hospital.”

Quando até uma publicação como o Washington Post, unha e carne com o Pentágono e a CIA, ao investigar tal alegação chega à conclusão de que as supostas evidências ficaram “aquém”, mais um motivo para pensar que o que parece um crime de guerra bárbaro, se desenrola como um crime de guerra horrendo e se conclui com a expulsão de milhares de refugiados e pacientes, depois de um cerco e invasão, é, efetivamente, um crime de guerra.

Os hospitais são protegidos pelo direito internacional, sendo proibidos ataques militares contra eles, a menos que sejam usados para “cometer um ato prejudicial ao inimigo”.

Assim, sob a investigação do Post, Israel não produziu provas suficientes para justificar a retirada de Al Shifa de seu status de proteção.

Menos de 24 horas depois que as forças israelenses entraram no complexo, as IDF divulgaram imagens de vídeo que mostram o porta-voz Jonathan Conricus caminhando pela unidade de radiologia. Atrás de uma máquina de ressonância magnética, ele aponta o que chama de ‘saco de pega’ contendo um fuzil estilo AK e um carregador de munição”, relatou o Post.

“Fotos divulgadas pelos militares mais tarde naquele dia supostamente mostravam todo o carregamento de armas recuperadas no hospital – cerca de 12 fuzis do tipo AK, além de carregadores de munição e várias granadas e coletes à prova de balas.”

“O Post não conseguiu verificar de forma independente a quem pertenciam as armas ou como elas chegaram a estar dentro da unidade de radiologia”, acrescentou o jornal.

Em sua análise, com base em materiais de código aberto e evidências fornecidas por Israel após o ataque, o Post considerou débeis as alegações de Israel sobre o Al Shifa.

Aliás, durante seus anos de ocupação de Gaza na década de 1980, sabidamente Israel construiu alguns túneis e salas sob o Al Shifa, o que não é segredo para ninguém.

A análise feita pelo Post de imagens do túnel, bem como mapas e outros materiais divulgados pelas próprias IDF, contradisse as alegações de Israel de que vários edifícios hospitalares estavam conectados e poderiam ser acessados de dentro da rede de túneis.

A análise também descobriu que várias pequenas salas anexas ao túnel, uma das quais as IDF descreveram como uma “sala operacional” evacuada do Hamas, não continham sinais de uso ou ocupação recente.

Uma análise separada de novembro de imagens das IDF pela CNN descobriu que as forças israelenses podem ter movido ou reorganizado armas dentro do Hospital al-Shifa antes de fornecer às organizações de notícias internacionais acesso ao local, levantando questões sobre a autenticidade das descobertas já limitadas fornecidas pelas forças das IDF.

Se não há nenhuma evidência extraordinária sobre a alegação extraordinária de que haveria “túneis e um centro de comando do Hamas sob o Al Shifa”, em compensação, os demais hospitais de Gaza sofreram igualmente ataques horrendos, com os mesmos resultados de fechamento de hospitais, morte de pacientes, expulsão de refugiados, prisão de médicos, depois de horrores como o corte de água, luz e combustível, e cirurgias sem anestesia.

Fonte: Papiro