Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin | Foto: Alexander Zemlianichenko /AFP

O confisco de ativos russos por países ocidentais seria “extremamente perigoso” para o sistema financeiro internacional, alertou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, nesta sexta-feira (22), acrescentando que a Rússia “também tem o que confiscar”.

A declaração é em reação a ensaios de parte de Washington e de Berlim de usar fundos russos ilegalmente congelados desde 2022, diante dos percalços internos em manter seu financiamento ao regime neonazista de Kiev e à guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia.

“Tanto os europeus como os americanos compreendem perfeitamente: isto terá consequências jurídicas para aqueles que o iniciarem e implementarem. No final, se alguém nos confiscar algo, veremos o que podemos confiscar em troca. É o que faremos imediatamente”, enfatizou Peskov.

Na véspera, a dura advertência veio do ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, comentando uma iniciativa de autoridades alemães para confisco, acrescentando que, se antes a liderança alemã era um “pessoal voraz” em termos políticos, por não honrar acordos, agora se tornou “ladrão” no sentido literal.

Segundo a revista alemã Der Spiegel, o procurador-geral Peter Frank pedira ao Tribunal Regional Superior de Frankfurt am Main que confiscasse mais de 720 milhões de euros em fundos congelados da Rússia pelo Tesouro do Estado – que corresponde aos lucros propiciados pelo dinheiro russo arbitrariamente congelado.

 “Eles estão agora brincando com a ideia de encontrar algumas formas legais de confiscar bens russos. Ou, como primeiro passo, confiscar e enviar para a Ucrânia os lucros que recebem destes ativos”, observou Lavrov.

Lavrov acrescentou que os europeus “ainda mantêm alguns sinais de respeito pelas suas próprias leis, pelo que são lentos a tomar estas decisões”.

“Segundo os nossos dados, os americanos explicam-lhes em contatos fechados como mudar as leis para roubar tudo completamente. Vamos ver… Também temos algo para confiscar em resposta”, salientou o chefe da diplomacia russa.

Após o reconhecimento das repúblicas populares do Donbass pela Rússia, depois de esperar por oito anos que os acordos de Minsk fossem honrados, e consequente operação de socorro à população de língua russa ali ameaçada de limpeza étnica pelos neonazistas, EUA e seus satélites decretaram o confisco ilegal de reservas russas em bancos europeus, com cerca de 260 bilhões de euros de propriedade russa congelados.

Alerta no mesmo sentido dos feitos por Peskov e Lavrov partiu do ministro russo das Finanças, Anton Siluanov.

“Também temos ativos suficientes que estão congelados aqui e estão em contas “C”. Estas são as nossas obrigações em matéria de títulos, de dividendos, aquelas que constituem as nossas obrigações para com contrapartes estrangeiras de países hostis. Estão todos congelados, os números não são pequenos, a receita proveniente da utilização destes fundos é significativa e também pode ser usada se uma decisão for tomada pelos nossos parceiros hostis”, disse Siluanov no canal Rossiya 24.

Esta havia sido a resposta simétrica da Rússia ao confisco, por Washington, Bruxelas e Berlim, de cerca de metade das reservas russas. Moscou respondeu proibindo estrangeiros de vender títulos russos, bem como de retirar fundos do sistema financeiro do país. Como resultado, o dinheiro de investidores e empresas de estados hostis por um montante comparável foi bloqueado no território da Rússia.

APRENDIZES DE FEITICEIRO

Antes, aos aprendizes de feiticeiro, o presidente do parlamento (Duma), Vyacheslav Volodin, havia lembrado que os ativos do G7 na Rússia são “mais numerosos do que os fundos congelados da Rússia [no Ocidente]”.

A questão já merecera a atenção do presidente Vladimir Putin, que apontou que ‘alguns postulados inabaláveis ​​​​foram riscados, por exemplo, direitos de propriedade”.

As jurisdições europeias – ele acrescentou -, que até recentemente eram consideradas seguras, os chamados portos seguros, deixaram de o ser. “Agora o princípio do ‘amigo ou inimigo’ funciona aqui, como nas aeronaves militares, onde um estranho pode ser roubado, ficar sem nada, e os seus bens, empresas, empreendimentos podem ser bloqueados, levados e até liquidados como resultado de sabotagem.”

“É assim que a competitividade se parece agora em luta num mundo baseado em regras”, ironizou Putin. “Quem precisa de tais regras?”, ele concluiu.

DESFAÇATEZ

De acordo com o New York Times, o governo Biden teria feito a mais recente proposta para esse confisco, em meio ao esforço da Casa Branca para liberar no Congresso um novo pacote de ajuda de US$ 60 bilhões para a Ucrânia.

O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, anunciou que, os Estados Unidos, juntamente com os seus aliados, estão discutindo o possível “papel da Rússia” na questão da restauração da Ucrânia após o fim do conflito militar.

No entanto, “é muito cedo para falar em usar dinheiro bloqueado para esses fins”, acrescentou o representante do governo Biden.

Também o Financial Times, citando documentos do G7, disse que, embora os Estados Unidos ainda não hajam apoiado publicamente a retirada de fundos russos – leia-se roubo de fundos russos -, Washington já está desenvolvendo um mecanismo legal para isso.

A Casa Branca, em particular, propõe reconhecer como “parte lesada” todos os aliados da Ucrânia que apoiaram a sua economia e as forças armadas durante as hostilidades. Depois disso, o dinheiro russo congelado poderia ser desviado para Kiev, através do Banco Mundial ou do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, alardeiam os mais afoitos.

Ainda segundo o FT, vários membros da UE, incluindo França e Itália, foram “extremamente cautelosos” sobre a ideia de confiscar ativos russos. De acordo com o jornal, esses países estão preocupados que a medida seja vista como “cruzando uma linha” e possa causar preocupação na Ásia e no Oriente Médio de que os ativos soberanos mantidos em moedas ocidentais não são seguros.

Fonte: Papiro