Terra arrasada pelas bombas de Israel em Khan Yunes, sul da Faixa de Gaza | Foto: AP

Indignado com o morticínio e limpeza étnica perpetrados por Israel em Gaza, via celulares, à vista de todos no mundo, o jornalista e escritor norte-americano, vencedor do Prêmio Pulitzer e por 15 anos chefe do Escritório de Oriente Médio do The New York Times, advertiu que o triunfo do genocídio significará, para Israel, ter assinado “sua própria sentença de morte”.

E ele justifica por quê. “Sua fachada de civilidade, seu suposto alardeado respeito ao Estado de Direito e à democracia, sua história mítica do corajoso exército israelense e do nascimento milagroso da nação judaica, jazirão em montes de cinzas. O capital social de Israel será gasto.”

Será – ele sublinha – “revelado como um regime de apartheid feio, repressivo e cheio de ódio, alienando as gerações mais jovens de judeus americanos”.

“O sangue e o sofrimento palestinos – 10 vezes mais crianças mortas em Gaza do que em dois anos de guerra na Ucrânia – vão abrir caminho para o esquecimento de Israel. As dezenas, talvez centenas, de milhares de fantasmas terão sua vingança”.

Ele acrescenta que “Israel se tornará sinônimo das suas vítimas, como os turcos são sinônimo dos armênios, os alemães, dos namibianos e mais tarde dos judeus, e os sérvios com os bósnios”.

 “A vida cultural, artística, jornalística e intelectual de Israel será exterminada”, previu o veterano jornalista. Israel será “uma nação estagnada onde os fanáticos religiosos, fanáticos e extremistas judeus que tomaram o poder dominarão o discurso público”. E que encontrará seus aliados “entre outros regimes despóticos”.

“A repugnante supremacia racial e religiosa de Israel será seu atributo definidor”, enfatizou Hedges, o que explica o apoio fervoroso a Israel dos supremacistas brancos mais retrógrados dos EUA e da Europa, incluindo filosemitas como John Hagee, Paul Gosar e Marjorie Taylor Greene. A alardeada luta contra o antissemitismo – ele denuncia – “é uma celebração mal disfarçada do Poder Branco”.

Hedges destaca que você não precisa ser um estudioso bíblico para ver que “a cobiça de Israel por rios de sangue é contrária aos valores fundamentais do judaísmo”.

“O armamento cínico do Holocausto, incluindo rotular palestinos como nazistas, tem pouca eficácia quando você realiza um genocídio transmitido ao vivo contra 2,3 milhões de pessoas presas em um campo de concentração.”

As nações – reitera Hedges – precisam “de mais do que força para sobreviver. Eles precisam de uma mística. Essa mística fornece propósito, civilidade e até nobreza para inspirar os cidadãos a se sacrificarem pela nação. A mística oferece esperança para o futuro. Dá sentido. Fornece identidade nacional.”

 “Quando as místicas implodem, quando são expostas como mentiras, um fundamento central do poder estatal entra em colapso.”

A BATALHA DE ARGEL

“Tudo o que resta a Israel é a escalada da violência, incluindo a tortura, que acelera o declínio. Essa violência generalizada funciona no curto prazo, como aconteceu na guerra travada pelos franceses na Argélia, na Guerra Suja travada pela ditadura militar argentina e durante o conflito britânico na Irlanda do Norte. Mas a longo prazo é suicida.”

“Pode-se dizer que a batalha de Argel foi vencida com o uso da tortura”, observou o historiador britânico Alistair Horne – ele cita -, “mas a guerra, a guerra da Argélia, estava perdida”.

Para Hedges, o genocídio em Gaza transformou os combatentes do Hamas em heróis no mundo muçulmano e no Sul Global. Quanto à intenção do regime israelense de liquidar a liderança do Hamas, o jornalista observa que os assassinatos passados – e atuais – de dezenas de líderes palestinos “pouco fizeram para diminuir a resistência”.

“O cerco e o genocídio em Gaza produziram uma nova geração de jovens profundamente traumatizados e enfurecidos, cujas famílias foram mortas e cujas comunidades foram destruídas. Eles estão preparados para tomar o lugar de líderes martirizados. Israel enviou o estoque de seu adversário para a estratosfera”.

FANÁTICOS NO PODER

Israel – registra também Hedges – estava em guerra consigo mesmo antes de 7 de outubro. “Os israelenses protestavam para impedir a abolição da independência judicial pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu”.

Ou seja, repudiavam o “ataque determinado ao secularismo israelense” perpetrado pelos “fanáticos e fanáticos religiosos, atualmente no poder”.

A unidade de Israel desde os ataques é “precária”, ele destaca. “É uma unidade negativa, mantida unida pelo ódio. E nem mesmo esse ódio é suficiente para impedir que os manifestantes denunciem o abandono do governo dos reféns israelenses em Gaza.

Hedges adverte que o ódio é “uma mercadoria política perigosa”. Uma vez terminado com um inimigo, aqueles que alimentam o ódio vão em busca de outro. Os “animais humanos” palestinos, quando erradicados ou subjugados, serão substituídos por apóstatas e traidores judeus.

“O grupo demonizado nunca pode ser redimido ou curado. Uma política de ódio cria uma instabilidade permanente que é explorada por aqueles que buscam a destruição da sociedade civil.”

OFICIALIZAÇÃO DO APARTHEID

O jornalista lembrou que Israel estava nesse caminho em 7 de outubro, por promulgar “uma série de leis discriminatórias contra não-judeus que se assemelham às racistas Leis de Nuremberg que privavam os judeus de direitos na Alemanha nazista”.

“A Lei de Aceitação das Comunidades permite que assentamentos exclusivamente judaicos barrem candidatos à residência com base na ‘adequação à perspectiva fundamental da comunidade’”.

Dentro de Israel, ativistas de direitos humanos, intelectuais e jornalistas – israelenses e palestinos – são atacados como traidores em campanhas de difamação patrocinadas pelo governo, colocados sob vigilância do Estado e submetidos a prisões arbitrárias, denuncia Hedges. O sistema educacional israelense – ele acrescenta – “é uma máquina de doutrinação para os militares”.

Ele cita Yeshayahu Leibowitz, o estudioso israelense que advertiu que, “se Israel não separasse Igreja e Estado e acabasse com a ocupação dos palestinos, daria origem a um rabinato corrupto que transformaria o judaísmo em um culto fascista”.

BIDEN, O PARCEIRO NO MORTICÍNIO

O vencedor do Pulitzer sublinha que “a mística global dos EUA, após duas décadas de guerras desastrosas no Oriente Médio e o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro, está tão contaminada quanto seu aliado israelense”.

Ele denuncia o fervor do governo Biden, em apoiar incondicionalmente Israel e apaziguar o poderoso lobby israelense, armando e financiando Israel, ao mesmo tempo em que, cinicamente, se pede a Tel Aviv que “minimize as baixas civis”.

GENOCÍDIO

O governo Netanyahu “não tem a intenção de minimizar as baixas civis”, reitera Hedges, lembrando que “já matou 18.800 palestinos, 0,82% da população de Gaza – o equivalente a cerca de 2,7 milhões de americanos”. Outros 51 mil ficaram feridos.

“Metade da população de Gaza está passando fome, segundo a ONU. Todas as instituições e serviços palestinos que sustentam a vida – hospitais (apenas 9 de 36 hospitais em Gaza ainda estão “funcionando parcialmente”), estações de tratamento de água, redes de energia, sistemas de esgoto, habitação, escolas, edifícios governamentais, centros culturais, sistemas de telecomunicações, mesquitas, igrejas, pontos de distribuição de alimentos da ONU — foram destruídos.

“Israel assassinou pelo menos 36 jornalistas palestinos ao lado de dezenas de seus familiares e mais de 80 trabalhadores humanitários da ONU, além de membros de suas famílias. Vítimas civis são o ponto. Esta não é uma guerra contra o Hamas. É uma guerra contra os palestinos. O objetivo é matar ou retirar 2,3 milhões de palestinos de Gaza.”

A morte a tiros de três reféns israelenses que aparentemente escaparam de seus captores e se aproximaram das forças israelenses com suas camisas apagadas, agitando uma bandeira branca e pedindo ajuda em hebraico não é apenas trágico, mas um vislumbre das regras de engajamento de Israel em Gaza, analisou Hedges. “Essas regras são: matar qualquer coisa que se mova”.

Sobre o desnudamento da ideologia que perpassa Israel nos dias de hoje, o veterano jornalista reproduz as palavras do major-general israelense aposentado Giora Eiland, que já chefiou o Conselho de Segurança Nacional de Israel, no Yedioth Ahronoth, “o Estado de Israel não tem escolha a não ser transformar Gaza em um lugar temporária ou permanentemente impossível de se viver… Criar uma grave crise humanitária em Gaza é um meio necessário para alcançar o objetivo.” “Gaza se tornará um lugar onde nenhum ser humano pode existir”, escreveu.

Também o major-general Ghassan Alian, que declarou que, em Gaza, “não haverá eletricidade nem água, só haverá destruição. Você queria o inferno; você vai ter um inferno”.

COLONIALISMO ISRAELENSE A NU

Hedges se dedica a examinar uma questão que os israelenses tentam ocultar, mas que desde 1967 – os “56 anos de ocupação sufocante”, de que falou o secretário-geral da ONU Antonio Guterres – é impossível abafar: a natureza colonial do assim chamado “conflito” na Terra Santa.

Ele observa que Estados coloniais que resistem, incluindo os Estados Unidos, exterminaram por meio de doenças e violência quase a totalidade de suas populações indígenas. Pragas do Velho Mundo trazidas pelos colonizadores para as Américas, como a varíola, mataram cerca de 56 milhões de indígenas ao longo de cerca de 100 anos nas Américas do Sul, Central e do Norte. Em 1600, menos de um décimo da população original permaneceu.

Israel – ele observa – não pode matar nessa escala, com quase 5,5 milhões de palestinos vivendo sob ocupação e outros 9 milhões na diáspora.

A presidência Biden, que ironicamente pode ter assinado seu próprio atestado de óbito político, está ligada ao genocídio de Israel, fornecendo armas, dinheiro e proteção diplomática. Comprometeu-se em enviar US$ 14,3 bilhões em ajuda militar suplementar para que Netanyahu “conclua o serviço”.

Biden é – assinala Hedges – “um parceiro de pleno direito no projeto de genocídio de Israel.”

ESTADO PÁRIA

Ele também se referiu ao distanciamento, perceptível nas novas gerações de norte-americanos, do projeto colonial israelense, e adverte que, nos EUA, o apoio “virá dos fascistas cristianizados que veem a dominação de Israel sobre a antiga terra bíblica como um prenúncio da Segunda Vinda e, em sua subjugação aos árabes, um racismo semelhante e supremacia branca”.

Para Hedges, a perpetração do genocídio em Gaza está oficializando a condição de “Estado pária” para Israel. O que – acrescentou – foi exposto publicamente em 12 de dezembro, quando 153 Estados-membros na Assembleia Geral da ONU votaram por um cessar-fogo, com apenas 10 – incluindo EUA e Israel – se opondo e 23 se abstendo. Daqui em diante, ele assinalou, o que define Israel “é o genocídio e o apartheid”.

Fonte: Papiro