Menores de idade são detidos em ônibus no Rio de Janeiro durante a "Operação Verão" | Foto: Reprodução

“Tratar os menores de idade de forma violenta e repressora pelo simples fato de serem pobres e pretos e virem de comunidades periféricas ou das favelas da Zona Sul tem nome e sobrenome: institucionalização de um apartheid social”.

Parlamentares, Ministério Público e entidades da Educação veem racismo e aporofobia (aversão a pobres) em decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que revogou decisão que proibia a detenção de menores sem flagrante ou ordem judicial durante a Operação Verão.

No domingo (17), o presidente do TJRJ, desembargador, Ricardo Rodrigues Cardozo, Cassou a liminar concedida pela juíza Lysia Maria da Rocha, da 1ª Vara da Infância, da juventude e do Idoso, que vedava tal medida. A alegação é de que a magistrada proferiu a sentença sem ouvir o governo do Estado e a Prefeitura, autores do recurso.

Na última segunda-feira (11), Lysia determinou que as delegacias encaminhassem o registro de todos os adolescentes apreendidos sem flagrante, com a identificação do agente responsável pela apreensão. A juíza ainda estipulou multa de R$ 5.000 por criança ou adolescente recolhido ilegalmente.

“A pedido do governador e do prefeito do Rio, a revogação ultrapassa uma perigosa linha e trata o povo pobre e preto como cidadãos de segunda categoria, sem direitos legais que qualquer outra pessoa teria: o de ser preso apenas em flagrante delito ou com mandado judicial”, critica a Feeterj (Federação dos Trabalhadores Estabelecimento Ensino no Estado do Rio de Janeiro).

“Tratar os menores de idade de forma violenta e repressora pelo simples fato de serem pobres e pretos e virem de comunidades periféricas ou das favelas da Zona Sul tem nome e sobrenome: institucionalização de um apartheid social em plena “cidade maravilhosa”, em nome do turismo etc.”, prossegue a entidade.

A decisão também voltou a autorizar a condução de crianças e adolescentes “para simples verificação da existência de mandado de busca e apreensão. Na sexta-feira, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ) já haviam pedido providências ao secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, contra a decisão do desembargador. “viés racista”

“A busca pessoal apenas pode se dar com a fundada suspeita. Não é raro que a busca pessoal, a famosa ‘dura’, se dê sem qualquer respaldo fático e com viés racista. Mais ainda, a prisão de qualquer pessoa apenas deve ocorrer por ordem judicial ou flagrante de delito”, enfatizou o defensor regional de Direitos Humanos no Rio de Janeiro, Thales Arcoverde Treiger, que assina o ofício pela DPU.

Contrárias à medida, as deputadas Talíria Petrone e Renata Souza, ambas do Psol, ingressaram com representações no Ministério Público do Rio e Ministério Público Federal, em que afirmam que a medida é uma segregação racial e que a apreensão de menores é uma ação inconstitucional, ilegal e violenta. “apartheid racial”

“A ordem racista foi restabelecida no apartheid racial do Rio de Janeiro. A praia, um dos lugares mais democráticos do Rio, agora se torna mais um lugar hostil para juventude negra. Talíria Petrone e eu entramos com representação no Ministério Público do Rio e no Ministério Público Federal. Não vamos compactuar com o racismo travestido de ‘segurança pública'”, disse Renata.

Carolina Grillo, professora do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF), também não criticou a decisão do TJRJ. “critérios racistas e classistas”

“É lamentável que o TJRJ tenha derrubado a decisão judicial. É preciso lembrar que o objeto em disputa é a possibilidade de abordar crianças e adolescentes que não cometeram nenhum ato infracional e arbitrariamente conduzi-las para uma delegacia ou um centro de acolhimento, com base em critérios racistas e classistas.

“A justiça está autorizando a violência e o cerceamento de garantias constitucionais de todas as crianças e adolescentes negras e pobres que tentam acessar a praia. Esse tipo de postura agrava ainda mais os conflitos sociais que estão na origem do problema dos arrastões”, pontuou Carolina.

“A Feteerj e os Sindicatos dos Professores (Sinpros) se unem a reação contrária à decisão da Presidência do TJ. Não podemos aceitar que uma parte da sociedade tenha medo do povo e, por isso, aceite a truculência pura e simples da polícia; lembrando que o aparato de segurança, se não estiver devidamente controlado em suas ações, pode se voltar contra os próprios cidadãos”, completou a Federação. 

Fonte: Página 8