Engenheiro alerta para “risco máximo e vantagem zero” da venda da Sabesp
Audiência Pública Semipresencial da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Saneamento Público do Estado de São Paulo – Câmara Municipal de São Paulo – Foto: Richard Lourenço
Na última segunda-feira (27), a Câmara Municipal de São Paulo foi palco de uma audiência pública, na qual se discutiram os impactos da possível privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). O conselheiro da Engenharia pela Democracia, Amauri Pollachi, proferiu um discurso incisivo, desafiando os argumentos do governo estadual e alertando para os riscos iminentes.
Pollachi iniciou seu pronunciamento enfatizando a necessidade de trazer à luz da sociedade a discussão sobre a venda da Sabesp. Contrapondo a terminologia suavizada de “desestatização”, o conselheiro argumentou que o termo adequado seria “venda da Sabesp”. Questionou, de maneira direta, quem se beneficiaria com essa transação, apontando para o governo do estado como principal interessado, que, segundo ele, ficaria com um “cheque em branco gigantesco”.
O conselheiro destacou a perspectiva de ganho do governo, mencionando a venda de cerca de 30% das ações da Sabesp, estimada em R$ 33 bilhões. Entretanto, criticou veementemente o projeto de destinar 10 bilhões desse montante para um suposto “fundo de apoio à universalização do saneamento”. Pollachi classificou o fundo como uma “peça de ficção” que, da forma proposta, violaria a lei de responsabilidade fiscal.
Uma das críticas centrais de Pollachi recai sobre a ideia de subsidiar tarifas com recursos provenientes da venda do patrimônio. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) diz que vai subsidiar tarifas mais baratas com o dinheiro que arrecadar da venda da estatal. “Único lugar do mundo em que dinheiro de venda de patrimônio será destinado para os cofres da empresa que adquirir esse patrimônio”, afirma. Utilizando uma analogia simples, o engenheiro comparou a situação a alguém que vende um carro e continua pagando o combustível para o comprador. Considerou essa abordagem como insana, insensata e irresponsável para a gestão pública.
“Aquilo que deseja obsessivamente o governador é, de fato, algo que fere de frente qualquer manual de boa gestão pública. Pode chamá-lo de jestor, com J, eu acho que fica mais apropriado”, ironizou.
Ele também abordou a falta de garantias de investimento em áreas de saneamento rural, citando o exemplo do distrito de Marsilac, na zona sul de São Paulo, com apenas 250 residências e 1200 usuários do serviço. “Sabe-se que a Sabesp gastou 5 milhões de reais para colocar um poço e fazer uma estação de tratamento de água, porque a água ali tinha manganês. 5 milhões de reais para fazer um poço, colocar uma estação de captação de água e mais a rede de distribuição, é totalmente inviável no ponto de vista econômico financeiro. Essa é a diferença entre a empresa pública e a privada”, explica.
Ele apontou a inviabilidade econômico-financeira de investir em infraestrutura em áreas rurais, questionando a lógica de um investidor privado gastar bilhões para adquirir a Sabesp e, simultaneamente, investir em regiões com retorno financeiro limitado. “Algo que é totalmente irreal é dizer que o investidor que irá gastar, por exemplo, 30 bilhões de reais para comprar a Sabesp, irá se preocupar com saneamento rural”.
Ao longo de seu discurso, Pollachi desconstruiu argumentos do governo, mencionando que a privatização não é a única solução para garantir a continuidade e eficiência dos serviços de saneamento. Desafiou a narrativa de que a Sabesp estaria à beira do colapso, citando exemplos de outras empresas estatais que conseguiram estender contratos e realizar investimentos mesmo dentro do atual arcabouço legal. “Se não privatizar, a Sabesp vai acabar. Isso ninguém tinha falado até duas semanas atrás”.
Ele comparou o argumento com os efeitos do novo marco regulatório do saneamento sobre a Sanepar, estatal paranaense. “Como falar que vai acabar, se a Sanepar, dentro da nova legislação que existe hoje, negociou uma extensão de contratos de concessão com os municípios da sua base de operação até 2048, e com isso conseguirá fazer implantação do saneamento até 2028? É mentira! Não tem outra qualificação”, questiona.
Outro ponto de destaque foi a crítica à alegação de que a privatização resultaria em tarifas mais baixas. O conselheiro apresentou dados comparativos de tarifas em locais privatizados, evidenciando aumentos expressivos em comparação com a Sabesp atual. A tarifa da Sabesp é R$ 28,38 pra 10 mil litros de água por mês, ligação de água e esgoto, na cidade de São Paulo. No Rio de Janeiro, privatizado, é 102% maio e em Campo Grande (MS), privatizado há oito anos, é 172% maior. “Vai me dizer que reduz? Em que lugar do mundo isso aconteceu? A pergunta feita à secretária encontrou sonoros grilos do outro lado”, conta ele.
Como exemplo das centenas de cidades europeias que reestatizaram suas empresas de saneamento, ele menciona o caso de Berlim. Lá, houve um plebiscito em que a população aceitou pagar 20% a mais na sua conta de água, para que fosse reestatizada a empresa de saneamento. A Prefeitura de Berlim retomou o serviço e mandou a empresa privada embora.
Finalizando, Pollachi afirmou que a privatização da Sabesp não traria vantagens para a população, destacando que os benefícios financeiros seriam direcionados para investidores estrangeiros, enfraquecendo a engenharia nacional de saneamento. “Engenharia de consultoria, engenharia de fabricação de tubo, de equipamento, tudo vai vir de fora, porque vai vir dos amigos de quem comprar a empresa”. Ressaltou a importância de defender uma Sabesp pública, argumentando que isso fortaleceria a economia nacional ao investir em obras, serviços e equipamentos internos. “O risco é máximo e a vantagem é zero para todos nós.”
A audiência pública atraiu atenção e debates intensos sobre o futuro da Sabesp, enquanto a população e especialistas buscam entender e avaliar os reais impactos dessa potencial privatização.
(por Cezar Xavier)