Dois PMs de SP se tornam réus por homicídio durante Operação Escudo
Série de imagens de câmeras corporais analisadas pelo MP-SP que levaram à acusação contra os policiais.
Na manhã do dia 30 de julho, a Operação Escudo no litoral paulista se transformou em uma trama de violência e manipulação de cena de crime. Dois policiais militares, identificados como Eduardo de Freitas Araújo e Augusto Vinícius Santos de Oliveira, agora enfrentam acusações de homicídio duplamente qualificado pelo assassinato de Rogério de Andrade Jesus. A denúncia do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) foi acatada pela Justiça, marcando o início de um processo judicial contra os agentes.
O MP-SP baseou sua denúncia em imagens de câmeras de segurança, que, segundo os promotores, revelam o momento chocante em que Rogério de Andrade Jesus foi morto por um tiro de fuzil. O órgão acusa os policiais Eduardo e Augusto de adulterar a cena do crime para sugerir um confronto que nunca ocorreu.
De acordo com a denúncia, Eduardo teria disparado o tiro fatal, enquanto Augusto deliberadamente obstruiu sua câmera corporal, tentando encobrir os eventos que levaram à morte de Rogério. A versão oficial da polícia alega que a vítima estava armada e se recusou a obedecer à ordem de baixar a arma.
A trama se desenrola com detalhes perturbadores, incluindo a simulação de apreensão de uma pistola e a manipulação de um colete balístico, ambos supostamente relacionados à vítima. Além dos dois réus principais, os policiais Vitor Nigro Vendetti Pereira e José Pedro Ferraz Rodrigues Júnior também estiveram envolvidos na ação, mesmo não estando no local do crime.
Todos os quatro policiais participantes da operação, que resultou na morte de Rogério de Andrade Jesus, utilizavam câmeras em seus uniformes. Essa informação foi confirmada nos depoimentos concedidos ao delegado Otaviano Toshiaki Uwada.
Ouvidor das Polícias
Procurado pela reportagem, o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Claudio Aparecido da Silva se pronunciou diante das denúncias envolvendo os dois policiais militares. A nota emitida pela Ouvidoria expressa serenidade e confiança na justiça diante das acusações apresentadas pelo Ministério Público. As denúncias reforçam informações anteriores recebidas pela Ouvidoria de familiares, moradores, ativistas e entidades de direitos humanos, que relataram abusos de poder por parte de policiais na Baixada Santista. Essas denúncias, amplamente divulgadas pela Ouvidoria e outras instituições, incluíam relatos de invasões de residências, agressões a trabalhadores, execuções de pessoas indefesas e plantação de armas e outras evidências falsas nas cenas dos crimes.
A Ouvidoria destaca que, na mesma equipe de patrulhamento, houve dois outros policiais que não foram denunciados como partícipes do ato criminoso, enfatizando a importância de evitar atos seletivos de vingança que violam a dignidade humana e o ordenamento jurídico.
Claudio também relembra que a atuação da Ouvidoria foi alvo de críticas maliciosas no passado, inclusive por autoridades que tentaram desacreditar o órgão, qualificando suas ações como mentirosas. O pronunciamento ressalta que o tempo e a atuação da polícia civil, do Ministério Público e da justiça se encarregaram de revelar a verdade.
O ouvidor conclui a nota expressando a esperança de que a verdade seja a única arma e escudo, triunfando acima de qualquer interesse. O comunicado reitera o compromisso da Ouvidoria em promover o amplo acesso à justiça e destaca o papel essencial do Estado Democrático de Direito na apuração e esclarecimento de casos que envolvem agentes do poder público (Leia a íntegra ao final).
Versão oficial
A versão apresentada pelos policiais à delegacia de Guarujá alega que eles estavam fazendo patrulhamento na região quando foram alertados pela população sobre atividades suspeitas em um morro. Ao investigar, encontraram uma casa entreaberta, onde afirmam ter visto um indivíduo armado com uma pistola. Segundo o relato oficial, ao darem ordem para largar a arma, Rogério de Andrade Jesus teria apontado a pistola 380 na direção da equipe, resultando na resposta letal dos policiais.
No entanto, a denúncia do MP-SP questiona essa narrativa e alega que as imagens das câmeras corporais indicam manipulação de cena e ausência de confronto real.
Os promotores analisaram mais de 50 horas de gravações, concluindo que em três ocorrências houve confrontos com criminosos, enquanto em duas não foram registrados momentos cruciais de supostas trocas de tiros. O MP destaca falhas operacionais, como câmeras descarregadas e o não acionamento do modo de gravação em alta qualidade e com som durante as incursões.
Contudo, apenas seis das 16 mortes por intervenção policial registradas entre os dias 28 de julho e 1º de agosto nas cidades de Santos e Guarujá foram analisadas até o momento. A Polícia Militar informou ao MP que não existem imagens das ações que resultaram nas outras 10 mortes, seja porque o batalhão ainda não dispõe do equipamento ou porque estavam inoperantes.
O caso agora segue para o tribunal, lançando luz sobre questões mais amplas relacionadas à conduta policial e à transparência em operações de segurança pública.
NOTA
A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo tomou conhecimento da notícia de que dois policiais militares, Eduardo de Freitas Araújo e Augusto Vinícius Santos de Oliveira, foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio duplamente qualificado, em razão de incursão realizada em 30 de julho deste ano, na Vila Zilda, Guarujá, restando morto Rogério Andrade de Jesus, no episódio que ficou conhecido como Operação Escudo.
Recebemos a notícia com serenidade e confiança na justiça, uma vez que este fato corrobora as várias informações e denúncias recebidas por esta Ouvidoria, oriundas de familiares, moradores, ativistas e entidades defensoras de direitos humanos com atuação em toda Baixada Santista – à época amplamente divulgadas pela Ouvidoria e diversas instituições -, de que policiais estavam abusando de seu poder de polícia, invadindo residências, agredindo gratuitamente trabalhadores, executando pessoas indefesas, plantando armas e outras provas nas cenas dos crimes, entre outras arbitrariedades; algumas delas, captadas pelas COPs dos próprios policiais ora denunciados.
Importante destacar que, na mesma equipe de patrulhamento, houveram dois outros policiais que não foram denunciados como partícipes de ato criminoso, pois nada fizeram que colaborasse com o crime em comento, dialogando fortemente com o propósito desta Ouvidoria, que é o de promover o amplo acesso à justiça, na direção contrária a atos seletivos de vingança, que violam a dignidade da pessoa humana (policiais são seres humanos) e o ordenamento jurídico do país.
Relevante relembrar que, no mesmo bojo das denúncias e da atuação da Ouvidoria, este importante órgão fruto da conquista do Estado Democrático de Direito, foi maldosamente atacado, inclusive por autoridades, que tentaram desacreditar a atuação do órgão, qualificando essa atuação à época como mentirosa. O tempo e a atuação da polícia civil, do Ministério Público e da justiça, se encarregaram de revelar a verdade. Que ela seja nossa única arma e escudo. E triunfe acima de qualquer interesse.
São Paulo, 20 de dezembro de 2023
Prof. Claudio Silva
Ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo
(por Cezar Xavier)