O norte-americano Robert Shiller ganhou o Nobel de Economia em 2013 | Foto: Divulgação

A posição do dólar como moeda de reserva seria comprometida se o Ocidente confiscasse ativos russos congelados para ajudar a Ucrânia, disse o economista ganhador do Prêmio Nobel e professor da Universidade de Yale, o norte-americano Robert Shiller, em entrevista ao jornal italiano La Repubblica publicada no domingo.

Segundo Shiller, a apreensão dos ativos daria à comunidade global, especialmente a países que, como a Rússia, “convertem suas economias em dólares e, assim, as confiam nas mãos confiáveis do Tio Sam”, motivos para duvidar da moeda americana.

Shiller foi o vencedor do Nobel de Economia em 2013 por sua análise empírica dos preços dos ativos e também é conhecido por livros como a “Exuberância Irracional”. Em 2011, ele foi nomeado uma das “50 pessoas mais influentes” da Bloomberg em finanças globais.

“Se os Estados Unidos fizerem isso com a Rússia hoje… então amanhã pode fazer isso com qualquer um. Isso destruirá o halo de segurança que envolve o dólar e será o primeiro passo para a desdolarização, para a qual muitos estão cada vez mais confiantes, da China aos países em desenvolvimento, sem mencionar a própria Rússia”, advertiu o economista.

PARADOXAL

“Não consigo me convencer de que isso [confisco de ativos russos] é o caminho certo”, ele acrescentou.

“Além do fato de que isso será a confirmação para o líder russo de que o que está acontecendo na Ucrânia é uma guerra por procuração”, observou Shiller, enfatizando que “paradoxalmente pode se voltar contra os EUA e todo o Ocidente”. A situação provavelmente se transformaria em “um cataclismo para o atual sistema econômico dominado pelo dólar”, ele sublinhou.

Nem tão paradoxalmente assim: qualquer país que tenha reservas em bancos norte-americanos e europeus, e cujos dirigentes tenham pelo menos dois neurônios, serão tentados a perceber que, se Washington e Bruxelas fazem isso com uma superpotência nuclear, então o dinheiro de ninguém, nessas moedas, estará seguro.

“MUITO RISCO E MUITAS INCÓGNITAS”

É assim que Shiller, embora admitindo “algum fundamento moral” para usar “ativos russos para ajudar a Ucrânia”, insistiu em que há “muito risco e muitas incógnitas” ao cometer tal confisco.

Ou, falando francamente, roubo descarado ao arrepio de todas as normas internacionais. US$ 300 bilhões em reservas russas em bancos norte-americanos e europeus foram congelados logo após a Rússia ter vindo em socorro do Donbass ameaçado de limpeza étnica desde 2014 e da, na prática, revogação por Kiev dos acordos de Minsk.

Em contrapartida espelhada, Moscou congelou ativos europeus e norte-americanos na Rússia em igual montante.

CONFISCO DE VOLTA À CENA

A questão do confisco das reservas russas voltou à tona na semana passada, em artigos no The New York Times, no Financial Times britânico e na revista alemã Der Spiegel, sobre a urgência dos patronos da guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia em encontrarem mais financiamento para seu regime em Kiev, depois do colapso da alardeada ‘contraofensiva’ neonazista.

Segundo o FT, vários membros da UE, incluindo França e Itália, foram “extremamente cautelosos” sobre a ideia de confiscar ativos russos, preocupados de que fosse vista como “cruzando uma linha” e causasse na Ásia e no Oriente Médio temor de que os ativos soberanos mantidos em moedas ocidentais não são seguros.

Antes dessa declaração do Nobel de Economia Shiller, a Rússia já havia alertado aos aprendizes de feiticeiro no Ocidente sobre uma pronta e espelhada resposta. O confisco de ativos russos por países ocidentais seria “extremamente perigoso” para o sistema financeiro internacional, alertou na sexta-feira (22) o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, nesta sexta-feira (22), acrescentando que a Rússia “também tem o que confiscar”.

“Tanto os europeus como os americanos compreendem perfeitamente: isto terá consequências jurídicas para aqueles que o iniciarem e implementarem. Veremos o que podemos confiscar em troca. É o que faremos imediatamente”, enfatizou Peskov.

Os ativos do G7 na Rússia são “mais numerosos do que os fundos congelados da Rússia [no Ocidente]”, lembrou o presidente do parlamento russo, Vyacheslav Volodin.

DEDO DA CASA BRANCA

De acordo com o NY Times, John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, anunciou que a Casa Branca estava discutindo com aliados o possível “papel da Rússia” na restauração da Ucrânia após o fim do conflito militar. Na maior desfaçatez, acrescentou que “é muito cedo para falar em usar dinheiro bloqueado para esses fins”.

Por sua vez o Financial Times, citando documentos do G7, disse que, embora os EUA ainda não hajam apoiado publicamente o confisco de fundos russos, Washington já está desenvolvendo um “mecanismo legal” para isso. Que consistiria em reconhecer como “parte lesada” todos os aliados da Ucrânia que apoiaram a sua economia e as forças armadas durante as hostilidades.

Depois disso – de acordo com os anormais -, o dinheiro russo congelado poderia ser desviado para Kiev, através do Banco Mundial ou do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento.

Já a Der Spiegel registrou que o procurador-geral Peter Frank pedira ao Tribunal Regional Superior de Frankfurt am Main que confiscasse mais de 720 milhões de euros em fundos congelados da Rússia pelo Tesouro do Estado – que corresponde aos lucros propiciados pelo dinheiro russo arbitrariamente congelado.

“Eles estão agora brincando com a ideia de encontrar algumas formas legais de confiscar bens russos. Ou, como primeiro passo, confiscar e enviar para a Ucrânia os lucros que recebem destes ativos”, observou Lavrov.

Ele acrescentou que os europeus “ainda mantêm alguns sinais de respeito pelas suas próprias leis, pelo que são lentos a tomar estas decisões”.

“Segundo os nossos dados, os americanos explicam-lhes em contatos fechados como mudar as leis para roubar tudo completamente. Vamos ver… Também temos algo para confiscar em resposta”, salientou o chefe da diplomacia russa.

Fonte: Papiro