Brasileiros que aguardam resgate em Gaza. Reprodução

O grupo de 34 pessoas que aguarda autorização para deixar a Faixa de Gaza pela fronteira entre Rafah e o Egito não está na nova lista divulgada na quarta-feira (8), a data prevista pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, para que os 24 brasileiros e 10 palestinos que estão em processo ou darão início à imigração ao país saíssem da zona de conflito.

Segundo o embaixador do Brasil na Palestina, Alessandro Candeas, a nova relação de nomes tem 601 pessoas. Elas são cidadãs de Alemanha (75), Canadá (40), Estados Unidos (100), Filipinas (107), Romênia (51) e Ucrânia (228).

Até então, haviam sido divulgadas 4 listas, que autorizavam a saída de cerca de 2.240 pessoas, entre feridos, estrangeiros e portadores de dupla nacionalidade. Depois da abertura, uma nova lista foi publicada na terça-feira (7), com 605 nomes.

Essa demora tem sugerido especulações de que Israel está priorizando aliados incondicionais ou está retaliando o Brasil, governo que tem se engajado em uma solução de cessar-fogo, instalação de corredores humanitários e diálogo para a paz que não estão no campo de interesses do governo de Benjamin Netanyahu.

Em entrevista, a analista internacional Ana Prestes considera que esses esforços incansáveis do governo Lula por meio de organismos multilaterais e canais diplomáticos pode, sim, estar tornando a relação diplomática, no mínimo, negligente, por parte de Israel. “Se não for uma retaliação, no mínimo é uma leniência ou uma negligência mesmo”.

Ela ressalta que o Brasil foi um dos primeiros países a iniciar os trâmites diplomáticos para a retirada de seus cidadãos de Gaza e garantiu toda a logística necessária. “Tanto é que outros países da América Latina pediram apoio ao Brasil para facilitarem o resgate de seus nacionais”.

Para ela, o governo de Israel não gostou da atuação do Brasil na presidência do Conselho de Segurança da ONU. Consideraram que o Brasil fez uma proposta de resolução que não abarcava o “direito de defesa” de Israel, sendo que isso é um preceito contido na carta de fundação da ONU. “Na verdade, isso foi um pretexto, pois qualquer resolução aprovada os colocaria em constrangimento, mesmo que eles não a cumprissem, como é de praxe, e aumentaria seu isolamento internacional”, diz ela.

O Brasil é visto como um país amigo da Palestina. Ana salienta que, tanto o presidente Lula como a presidenta Dilma, sempre fizeram alusão à causa palestina nas aberturas dos debates gerais das Assembleias Gerais da ONU em Nova York. “Pela tradição diplomática brasileira e a busca por se projetar como um ator global mediador de conflitos, não haverá rompimentos ou sanções estabelecidas a Israel, penso eu”, avalia a cientista política.

Reféns de Israel

Entre as pessoas que aguardam o embarque para o Brasil está Hasan Rabee (na foto à direita, com a família). Ele publicou no Instagram, na terça-feira (7), que havia recebido a notícia de que a viagem poderia ocorrer nesta quarta-feira (8). Ele se considera refém de Israel e relatou sua desconfiança de que a lista feita só traz aliados de Israel. “Vi uma declaração do Embaixador de Israel falando que não tem nada a ver com o atraso dos brasileiros. Como não tem a ver? Vocês que fazem e publicam essa lista”, questionou o homem, alegando que os brasileiros estão sendo feitos de reféns por Israel. (Veja no vídeo de seu perfil nas redes sociais).

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Quando forem autorizados a deixarem o enclave, os brasileiros serão encaminhados para o Egito, onde devem embarcar em um avião da FAB com destino ao Brasil. A fronteira ficou quase 2 dias fechadas, de domingo (5) a segunda-feira (6). O governo egípcio não explicou oficialmente o motivo do fechamento e da suspensão de novas autorizações para que estrangeiros saíssem da Faixa de Gaza durante esse período.

Desde o início do conflito no Oriente Médio, em 7 de outubro, a Faixa de Gaza tem sido privada de comida, água, energia e combustível pelo cerco de Israel ao território, administrado pelo Hamas. Alguns caminhões de ajuda humanitária estão entrando pela fronteira com o Egito, carregados com alimentos e medicamentos. Organizações não governamentais dizem que a quantidade é insuficiente.

Bolsonaristas vão ao cinema

A diplomacia brasileira está 100% empenhada no assunto e se afastou da polêmica envolvendo o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, que esteve ontem no Congresso, acompanhado de Jair Bolsonaro (PL). O factóide serviu para engajar bolsonaristas nas redes contra o Governo Lula, que, desde o início do conflito vem se engajando em uma solução de cessar-fogo, instalação de corredores humanitários e diálogo para a paz. E isso não interessa ao governo de extrema-direita de Netanyahu neste momento.

Embora não haja qualquer impedimento para um embaixador estrangeiro se reunir com a oposição de um país em que está, com a situação atual delicada, o diplomata demonstrou antidiplomacia, especialmente quando Israel segue dificultando a saída de brasileiros. Zonshine agendou uma reunião na Câmara dos Deputados, sob a justificativa de apresentar um “filme sobre as atrocidades do Hamas”, para se contrapor as imagens que chegam de Gaza, ilustrando as cerca de quatro mil crianças mortas em Gaza.

A atitude do israelense teria tumultuado o clima entre o Palácio do Planalto, que começa a elevar o tom contra Israel, e o Itamaraty, que tenta manter o clima diplomático tradicional do Brasil em momentos como este. O embaixador Zonshine culpa o Hamas pelas listas que são lançadas, uma justificativa que soa como deboche.

Celso Amorim: genocídio

O chefe da assessoria internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Celso Amorim, está em Paris, para uma conferência sobre a guerra, convocada pelo presidente francês, com quem ele se encontra nesta quinta-feira (9). O assessor especial da presidência, em um discurso em Paris, destacou a declaração do presidente Lula de que “inocentes não podem pagar pela insanidade da guerra”.

Mas, pela primeira vez, ele usa a palavra “genocídio” de forma aberta num evento diplomático internacional. O governo estava evitando citar o termo em debates no Conselho de Segurança da ONU e em outras reuniões, como forma de garantir que pudesse atuar como mediador até mesmo de uma proposta de pausa humanitária. Agora, Amorim faz a alusão num momento em que a crise ganha uma dimensão inédita e que soma mais de 10 mil mortos.

“A morte de milhares de crianças é chocante. A palavra genocídio inevitavelmente vem à mente”, disse
Celso Amorim. “Enquanto faço este discurso, continuamos aguardando ansiosos a saída dos brasileiros de Gaza”, disse.

A elevação do tom do governo Lula ocorre diante de um contexto em que o ex-presidente Jair Bolsonaro se encontra com diplomatas de Israel, nesta semana, a intransigência sobre a liberação dos brasileiros em Gaza, o aumento dos ataques e até mesmo declarações do Mossad, o serviço de inteligência israelense que falhou em antever o ataque do Hamas em seu próprio território, mas aponta supostos terroristas no Brasil.

(por Cezar Xavier)