EUA vetaram qualquer possibilidade de acordo proposto pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU como solução humanitária na Palestina

O Brasil enfrentou um desafio diplomático de grandes proporções ao assumir a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU, em meio a uma das maiores crises humanitárias contemporâneas: o conflito entre Israel e o povo palestino. Apesar disso, ficou evidente o posicionamento pacifista da maioria dos países, e o isolamento dos EUA e Israel no apoio unilateral à continuidade do massacre. Essa é a visão do jornalista Wevergton Brito Lima, dirigente do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade ao Povos e Luta pela Paz), e da cientista política Flávia Loss, da Faculdade Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), em uma declaração ao Portal Vermelho.

Wevergton enfatizou a necessidade de uma postura equilibrada ao liderar o Conselho. O Brasil assumiu a presidência do Conselho de Segurança da ONU em um momento delicado, em meio a um dos maiores conflitos na Palestina, caracterizado como um dos maiores crimes contra a humanidade.

“Justamente na vez que o Brasil assume a presidência do Conselho da ONU, ocorre um dos maiores crimes contra a humanidade. Porque o que está acontecendo na Palestina é uma guerra de Israel e dos Estados Unidos contra o povo palestino, assumindo características de genocídio, extermínio e limpeza étnica”.

Flávia ofereceu uma avaliação positiva sobre a atuação do país nesse importante cenário internacional. De acordo com ela, o Brasil demonstrou alinhamento com os princípios fundamentais de sua política externa, notadamente a busca pela solução pacífica de controvérsias e o pacifismo. Um dos destaques foi a rápida resposta do Brasil ao conflito que eclodiu em Gaza, logo no início de sua presidência. O país convocou membros permanentes e não permanentes do Conselho de Segurança e colocou o conflito na pauta, o que demonstrou agilidade e proatividade.

“A gente fez um bom trabalho e eu vou te explicar por quê. Primeiro, que estávamos dentro dos pilares da política externa brasileira, que é a solução pacífica de controvérsias e fizemos isso muito bem. Assim que estourou o conflito, no dia 7, pouco depois de assumirmos a Presidência, no dia 1, o Brasil já se moveu rapidamente para chamar os membros permanentes e não permanentes, colocar o que tinha acontecido na pauta. Essa agilidade na resposta foi bem interessante”, afirmou.

O impasse dos vetos

A professora Flávia destacou, no entanto, que a presidência do Conselho de Segurança da ONU é uma função burocrática e efêmera, que muda mensalmente, limitando a capacidade de qualquer país de resolver grandes problemas internacionais em um mês. Além disso, ela apontou que o Conselho de Segurança enfrenta desafios profundos em sua própria estrutura, como o mecanismo de veto das grandes potências e a necessidade de ampliar a representatividade de outras regiões do mundo.

“O país que está na Presidência chama as reuniões, estipula agenda, assuntos mais importantes, e só tem um mês para ficar nesse papel. Então é ilusório que se consiga de fato fazer algo grande, algo que resolva de fato algum problema”, diz ela.

Ela complementa que, visto em contexto, o próprio conselho está cheio de problemas estruturais, como o presidente Lula apontou. Ficou evidente, na opinião dela, que a questão do veto das grandes potências com posição permanente, os P5 (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França), é um mecanismo que atrapalha muito e precisa ser mudado.

“A própria questão de ampliação dos membros permanentes, para ter mais representatividade de outras regiões do mundo é uma reforma importante”, acrescenta, criticando a configuração pós-segunda guerra mundial, que se mantém, apesar das mudanças históricas profundas ocorrida na geopolítica e na economia. “Os países do sul global estão pedindo mais assentos, os membros não permanentes, que são 10, também têm se incomodado e puxado essa pauta. Por isso, tem problemas muito profundos na própria estrutura do Conselho de Segurança que precisa ser mudada, mas isso vai demorar muito tempo, se é que vamos conseguir”.

Resolução contra o massacre

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, discursa no Conselho de Segurança, na sede da ONU na cidade de Nova York.

Nesse contexto delicado, na opinião do jornalista, o Brasil buscou uma postura equilibrada e justa, lutando por uma resolução que garantisse um cessar-fogo duradouro e o fim do bloqueio em Gaza, permitindo a entrada de assistência humanitária e o funcionamento das agências da ONU. “Mais que equilibrada, o Brasil teve uma postura justa, porque a essência da postura do Brasil, o tempo todo, foi construir uma resolução sobre a pressão dos EUA para que condenasse de forma unilateral a resistência palestina e endossasse praticamente tudo que Israel está fazendo em termos de crime e de massacre”, disse Wevergton.

Ele também considera que o Brasil enfrentou obstáculos significativos, principalmente devido ao poder de veto dos Estados Unidos. Conforme Wevergton observa, os EUA “assumiram uma postura a favor do massacre”, enquanto o Brasil defendia uma posição contrária.

Apesar dos desafios e das dificuldades encontradas, na opinião dele, o Brasil conduziu a questão de forma habilidosa, obtendo o apoio da maioria do Conselho, exceto pelo veto dos Estados Unidos e algumas abstenções.

De acordo com Flávia, o Brasil fez o que estava ao seu alcance, no período de um mês, ao apresentar uma resolução que buscou uma pausa humanitária no conflito, que não chegou a ser um cessar-fogo. Apesar de a resolução brasileira não ter sido aprovada devido a um veto dos Estados Unidos, a especialista considerou que essa iniciativa representou uma pequena vitória para o país.

Ela criticou o fato dos EUA terem alegado que a resolução não explicitava o “direito de defesa dos EUA”. “O direito de defesa já está na carta da ONU, no capítulo 7, artigo 51. Questionou-se se precisava ou não entrar numa resolução que pedia apenas uma pausa humanitária. Não era nem cessar-fogo que o Brasil estava pleiteando”, analisou.

O texto da resolução brasileira obteve 12 votos a favor, duas abstenções e um veto. Esses números refletiram a posição dos países em relação ao conflito em Gaza e demonstraram que a maioria dos países estava interessada em uma pausa humanitária para fornecer ajuda à população civil que estava sofrendo.

Apesar de fracassada, na opinião dela, a resolução brasileira significa uma pequena vitória ao demonstrar a posição dos países em relação ao conflito. “A posição dos países, na sua maioria, foi por uma pausa humanitária, querem que o cerco à Faixa de Gaza termine, querem que cheguem os recursos mínimos para aquela população civil que está sofrendo muito”.

Flávia enfatizou que a ONU, apesar de suas limitações, é o único fórum que lança luz sobre os problemas da humanidade e expõe a posição das nações, o que é importante do ponto de vista diplomático. “No caso, os Estados Unidos ficaram isolados, ao usar o poder de veto para impedir uma pausa humanitária. Essas coisas são muito importantes do ponto de vista da diplomacia internacional e do jogo de interesse das potências”.

A vez da China

Zhang Jun (centro), representante permanente da China nas Nações Unidas, discursa na reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas em Nova York.

Flávia lembrou que a China já assumiu anunciando sua prioridade para o conflito e expressando uma posição muito semelhante a do Brasil. Ela acredita que, por ser membro permanente, talvez a China tenha uma voz mais forte. Ela destacou o fato do diplomata chinês ter acrescentado ao cessar-fogo a ousadia de trazer a questão da Faixa de Gaza para um debate sobre a solução de dois estados.

Wevergton acredita que a China pode tentar mediar a situação e perseguir uma resolução semelhante à que o Brasil buscou. No entanto, Wevergton só vê como esperança da China conseguir uma resolução, desde que o clamor global contra o conflito atinja um ponto em que o custo político para os Estados Unidos se torne muito alto.

“A China vai tentar perseguir, creio eu, uma resolução com a mesma essência que o Brasil tentou passar. E ela vai continuar sendo bloqueada pelos Estados Unidos, até que esse enorme clamor, — que está se levantando no mundo, nas ruas, de diversas formas, mesmo nos meios diplomáticos –, assuma uma tal proporção que o custo político para o imperialismo americano fique alto demais. E aí ele seja obrigado a fazer uma flexão”, ponderou. 

Com a China assumindo a presidência em novembro, Flávia destacou que a nação asiática compartilha uma posição semelhante à do Brasil no conflito na Palestina e está buscando uma agenda mais ambiciosa. A China também condena a violência dos dois lados e, portanto, pretende avançar nas negociações, mesmo em um mês de presidência, em busca de soluções para a paz. Por fim, ela expressou sua esperança de que a China seja capaz de avançar nas negociações e fazer progressos.

(por Cezar Xavier)