Primeiro-ministro português, Antonio Costa, ao apresentar sua renúncia | Foto: AFP

O primeiro-ministro de Portugal, o socialista Antonio Costa, renunciou inesperadamente na terça-feira (7) em meio a uma investigação da Procuradoria-Geral da República sobre alegadas irregularidades na concessão de projetos de mineração de lítio e de produção de hidrogênio verde levar à prisão de seu chefe de gabinete, buscas à residência oficial e ao Palácio de São Bento pela polícia e indiciamento de dois ministros, João Galamba (Infra-estrutura) e Duarte Cordeiro (Meio Ambiente).

A decisão foi anunciada em um comunicado televisionado, após Costa, que estava no poder desde 2015, ter se reunido com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Respondendo a um jornalista, ele disse que não se candidataria novamente ao cargo de primeiro-ministro.

“A dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeita sobre sua integridade, conduta correta e, muito menos, com a suspeita de prática de qualquer ato criminoso”, disse Costa, que se declarou “totalmente disponível para cooperar” com a justiça.

Ele se disse surpreso com a investigação, acrescentando que a declaração da Procuradoria-Geral da República não “explicita a que atos, a que momentos ou a que processo que se refere”.

Além do chefe de gabinete Vítor Escária, também foram presos o consultor e padrinho de casamento de Costa, Diogo Lacerda Machado, e o presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, do PS. Sines iria sediar o projeto do hidrogênio verde e o de instalação de um call center. O presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, e o ex-ministro João Matos Fernandes foram igualmente indiciados.

As investigações do Ministério Público têm como alvo concessões para a mineração de lítio em duas localidades e projetos de hidrogênio verde – ambos referentes a estímulo proporcionado pela União Europeia -, além de um data center em Sines.

O presidente Sousa aceitou a demissão e irá receber os partidos com representação parlamentar nesta quarta-feira. Na quinta-feira, depois da reunião do Conselho de Estado, o presidente português fará uma declaração ao país, sobre se antecipará as eleições ou se pedirá ao PS, que tem maioria absoluta no parlamento, que indique um substituto.

Em comunicado, a Procuradoria-Geral da República refere a «invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos». O que levou o Supremo Tribunal de Justiça a desencadear um processo de investigação da ação do então primeiro-ministro.

FRAGILIZAÇÃO DO GOVERNO 

O Partido Comunista Português (PCP) disse que “os desenvolvimentos desta situação, em que se inclui a demissão do Primeiro-Ministro, são consequência da fragilização do governo que é indissociável das suas opções políticas que deixam sem resposta e solução os principais problemas dos trabalhadores e do povo”. O secretário-geral do partido, Paulo Raimundo, chamou a concluir as investigações em curso, apurar todos os fatos e tirar “as devidas consequências”.

Ele lembrou que se está “perante um governo e uma maioria absoluta constituídos a partir do argumento da estabilidade e de uma operação de chantagem que contou com a colaboração do presidente da República”, se referindo à quebra, por Costa, da assim chamada “geringonça”, o acordo do PS com o PCP e o Bloco de Esquerda de implementação de uma política de reversão do achaque realizado pela Troika FMI/BCE/UE.

“O que a situação do País exige é a rejeição da política de direita que tem sido prosseguida pelo Governo PS, que em tudo o que serve o grande capital é acompanhada por PSD, CDS, Chega e IL, e a concretização de uma política alternativa que assegure o aumento de salários e pensões, a defesa do SNS e do acesso à saúde, a garantia do direito à habitação, os direitos das crianças e dos pais, a defesa da soberania e do desenvolvimento”, enfatizou Raimundo, que acrescentou que o PCP está pronto para as eleições.

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, afirmou que a justiça portuguesa “tem agora uma responsabilidade principal: esclarecer da forma mais célere possível as suspeitas que foram levantadas sobre o primeiro-ministro”. Ela acrescentou que as investigações “dizem respeito a grandes projetos econômicos que o Bloco tem criticado”, como o hidrogênio verde e a exploração das minas de lítio.

Mortágua disse que irá comunicar ao presidente Sousa “a preferência pela convocação de eleições antecipadas. Entendemos que em democracia crises políticas desta natureza se resolvem com a convocação de eleições”.

Os partidos da Troika e os fascistas do Chega se manifestaram pela antecipação das eleições.

TRÁFICO DE INFLUÊNCIA

Em relação a um dos projetos do lítio, na mina do Barroso, o MP alega que o ministro da Infraestrutura Galamba interferiu nas decisões de avaliação ambiental, apesar de pareceres técnicos negativos contra a ampliação. O prefeito da localidade, Fernando Quiroga, havia manifestado sua  “tristeza e preocupação”, por considerar que a mina “vai pôr em causa o investimento que Boticas tem seguido e que é baseado na agricultura, na pecuária e no turismo”.

Segundo o jornal português Diário de Notícias, no total foram realizadas 17 buscas domiciliárias, cinco buscas em escritório e domicílio de advogado e 20 buscas não domiciliárias, nomeadamente, em espaços utilizados pelo chefe do gabinete do primeiro-ministro; no Ministério do Ambiente e da Ação Climática; no Ministério das Infraestruturas e na Secretaria de Estado da Energia e Clima; na Câmara Municipal de Sines e na sede de outras entidades públicas e de empresas. Participaram 17 magistrados do MP, três magistrados judiciais, dois representantes da Ordem dos Advogados e 154 policiais. De acordo com o DN, as investigações começaram em 2020.

A existência do processo foi revelada pela revista Sábado, que acrescia o ex-ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, às figuras sob investigação por “tráfico de influências, corrupção e outros crimes econômico-financeiros” em alegados favorecimentos a um consórcio EDP/GALP/REN para a produção de hidrogênio verde.

Fonte: Papiro