Em entrevista, Alessandra Almeida, representante do Conselho Federal de Psicologia (CPF) no Conselho Nacional de Direitos Humanos, destacou a preocupante situação do sistema prisional no Brasil e as ações tomadas para abordar as violações de direitos humanos nesse contexto. Ela comentou os relatórios alarmantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), que, só em São Paulo, encontrou fome, negligência médica, tortura e outras condições desumanas.

O Brasil enfrenta desafios significativos na garantia dos direitos humanos dos detentos, e o trabalho das organizações e instituições é crucial para promover mudanças nesse contexto. A situação requer atenção urgente e ações eficazes para proteger a dignidade e os direitos das pessoas em privação de liberdade.

Alessandra ressaltou que o Conselho Nacional de Direitos Humanos recebe denúncias e as encaminha para as comissões apropriadas, como a Comissão de Direitos das Pessoas em Privação de Liberdade, da qual ela participa, para avaliar as ações necessárias. As denúncias variam em gravidade, mas em todo o país, o panorama é alarmante, com altas taxas de letalidade no sistema prisional brasileiro.

Alessandra mencionou a atuação do MNPCT e o esforço de diversas organizações em prol do desencarceramento. No entanto, ela observou que o Estado brasileiro ainda não demonstrou um comprometimento público claro com a reforma do sistema prisional. Projetos de lei que visam endurecer as políticas de encarceramento têm sido propostos, e o alinhamento de gestores estaduais com o bolsonarismo tem impactado negativamente a situação.

“Muito embora o Estado brasileiro tenha obrigações assumidas perante as cortes internacionais, no que diz respeito ao nosso sistema carcerário, a gente não percebe um posicionamento público do governo federal, assim como a gente não percebe dos governos estaduais”, disse.

Inspeções surpresa

As inspeções surpresa escolheram onze instituições entre as 182 cadeias para 195 mil pessoas presas, no mês de outubro. Os peritos encontraram falta de alimentos, além de baixa qualidade nutritiva, grávidas sem consulta médica, assim como pessoa com ferimento necrosado vivendo com dor extrema, casos de cirurgia sem anestesia, janelas vedadas em celas superlotadas e relatos de tortura e punições violentas. Os resultados preliminares do relatório que deve ser publicado em março de 2024 foram apresentados em uma audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo na última sexta (27).  

Umas das irregularidades que surpreendeu os peritos foi que cada unidade prisional faz sua própria licitação de fornecimento de alimentos, algo que não ocorre em outros estados. Isso facilita todo tipo de irregularidade possível, como a própria definição de recursos mínimos para esta finalidade, como o caso das unidades prisionais de Presidente Venceslau, que gastam R$ 8 por refeição. O governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) alega que a centralização de licitações é inviável e oneraria o Estado, embora esta seja a prática de outras unidades da federação.  

A psicóloga ressaltou que o panorama em todo o Brasil é sombrio, com níveis variados de gravidade sem muitas variáveis comparativas. “A situação que nós acompanhamos não é tão diferente, mas algo que, de forma muito avassaladora, tem uma ocorrência em níveis de gravidade maior ou menor, mas no Brasil inteiro o panorama que a gente tem é um panorama muito ruim”, afirma.

Entre os problemas relatados, estão a fome, a falta de assistência médica adequada e a alta letalidade no sistema prisional. Apesar da existência de uma política de saúde integral para pessoas em privação de liberdade, não houve melhorias significativas na segurança e assistência nas prisões. Denúncias de procedimentos arbitrários e pedidos de socorro de familiares são frequentes.

“No posso dizer que a gente tenha uma melhora na política de segurança dentro dos presídios. Ao contrário, o que a gente tem visto é uma piora da incidência”, lamenta.

Embora exista uma política específica de saúde integral para pessoas em privação de liberdade, a situação dentro das prisões não tem melhorado. Há relatos de procedimentos arbitrários e pedidos de socorro de familiares de detentos. A conselheira enfatiza que não há um posicionamento público claro por parte do governo federal ou dos governos estaduais em relação ao sistema prisional.

Ela observa que, embora o Estado brasileiro tenha obrigações internacionais no que diz respeito ao sistema carcerário devido a ações apresentadas internacionalmente, não há um comprometimento visível do governo. Alessandra sugere que, em governos de extrema-direita, como em São Paulo, a preocupação com os direitos humanos no sistema prisional é ainda menor, com ofensiva no sentido oposto, inclusive de propagar a mentalidade do recrudescimento do encarceramento.

“De 2016 para cá, assistimos um quadro cada vez pior de recrudescimento as políticas de encarceramento, com projetos de lei bastante complicados, como é o mais recente, que extingue completamente as saídas temporárias em todos os casos, algo que já tinha sido estabelecido pelo pacote de crimes de 2019, para crimes hediondos”, cita ela.

Em governos mais progressistas, há apenas silêncio sobre o assunto, o que também não ajuda em nada. “Nestes casos, a gente não tem uma organização de ações em termos da política e nem tampouco um posicionamento público contundente no sentido de ser contrário, de desfavorecer o hiper encarceramento”, observa.

Conselho Nacional de Direitos Humanos

Alessandra revelou as ações empreendidas para abordar questões críticas. Ela destacou o compromisso do Conselho Nacional de Direitos Humanos em colaborar com movimentos sociais e a sociedade civil organizada para afirmar e apoiar as recomendações do MNPCT e do Comitê Nacional de Combate à Tortura. “A ênfase recai na necessidade de cobrar as autoridades, incluindo as autoridades locais, para que adotem medidas eficazes e proporcionem respostas mais adequadas aos graves problemas enfrentados no sistema prisional. Ações que possam dar melhores respostas, inclusive para uma legião de familiares que nos buscam, a fim de resolver os problemas mais graves que são percebidos no cárcere”, relata.

A situação alarmante inclui a questão da fome nas prisões, bem como a tortura psicológica que também afeta familiares, especialmente nos presídios femininos. Alessandra ressaltou a invisibilidade da população carcerária feminina, sublinhando as dificuldades agravadas pela estrutura patriarcal e machista da sociedade brasileira. Além disso, ela chamou atenção para a situação da população LGBT, incluindo aqueles que se identificam como LGBTQIA+.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos trabalha para expor esses problemas, apoiar as vítimas e pressionar as autoridades a implementar medidas eficazes que garantam a dignidade e os direitos das pessoas privadas de liberdade. Alessandra destaca a urgência de ações para combater a violência e melhorar as condições nos presídios do Brasil.

A primeira ação destacada por Alessandra é a importância de uma mudança de mentalidade na sociedade, que desumaniza a população carcerária, sem compreender os fatores que levam uma parcela de jovens pobres para a criminalidade. Muitos estão presos por pequenos delitos, que poderiam ser penalizados com prisão domiciliar.

“Para combater isso, é preciso assumir um compromisso de fato para ultrapassar esse estado de coisas, por meio das políticas públicas do Estado, com apoio da sociedade toda. Existe uma importância fundamental no jornalismo sério, de comunicadores, em desfazer essa ideia do bandido bom é bandido morto, que é um mote para a desumanização dessa população. Uma população cujo perfil majoritário é de jovens de baixa renda, em sua maioria negros, indígenas, não-brancos, mal escolarizados e famintos”, afirmou.

Alessandra enfatizou a importância de seguir as recomendações internacionais de combate à tortura e observar os compromissos assumidos pelo Brasil. Além disso, ela mencionou a necessidade de ampliar o diálogo com os familiares dos detentos, que têm debatido de forma coerente e séria a questão do desencarceramento, buscando soluções para diminuir a reincidência.

“Por isso, a necessidade de fortalecer a justiça social, saúde, educação, emprego e renda para garantir que as pessoas tenham oportunidades ao sair das prisões e evitem o retorno. Políticas educacionais são essenciais para apoiar a reintegração bem-sucedida dos ex-detentos na sociedade”, diz ela.

A questão da descriminalização das drogas também foi mencionada como uma solução importante. “A gente sabe que essa política de guerra às drogas importada para o Brasil, tem como modelo um outro país que é campeão em encarceramento em massa, que são os Estados Unidos, que já provou que essa política repressiva é um fracasso total”, afirma.

Almeida enfatizou a necessidade de soluções complexas para um problema complexo, sublinhando a importância da boa vontade e da desconstrução de mitos em torno da criminalização de pessoas.

(por Cezar Xavier)