Funeral de dois jornalistas da TV libanesa Al Mayadin assassinados por Israel | Foto: Comitê para a Proteção dos Jornalistas

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) – uma entidade que existe desde 1992 e que tem sede nos EUA – denunciou na terça-feira (21) que já chegam a 53 os jornalistas mortos na investida de Israel contra Gaza, a imensa maioria deles, palestinos: 46.

Há, ainda, três jornalistas libaneses mortos e quatro israelenses. 11 jornalistas ficaram feridos, três são dados como desaparecidos e 18 foram presos (na Cisjordânia). O que dá mais de um jornalista morto diariamente há seis semanas.

Assim, entre os crimes de Israel em Gaza, além da sua guerra aos hospitais e às crianças, há também a indisfarçável guerra aos jornalistas e à verdade.

Segundo o CPJ, este foi o período mais mortal para jornalistas que cobrem conflitos desde que o grupo de mídia começou a rastrear mortes há mais de 30 anos. A declaração foi prestada pelo coordenador para o Oriente Médio e Norte da África, Sheriff Mansour, em entrevista ao programa Democracy Now, de Amy Goodman.

Para Mansour, é um “apagão de notícias”, sob o qual o governo israelense bloqueia “cobertura essencial da mídia” e retém “informações que salvam vidas”, na pretensão de emplacar sua guerra de propaganda contra os palestinos que resistem à ocupação.

EXECUÇÕES

No domingo (19), as forças de ocupação israelense mataram aquele que era conhecido como “o padrinho dos jornalistas de Gaza”, Bilal Jadallah, que foi colaborador do CPJ e chefiava a Casa da Imprensa do enclave palestino. Ele ajudou a treinar gerações de repórteres e recebeu correspondentes estrangeiros.

Jadallah foi morto por um tanque israelense no bairro de Zeitoun, na cidade de Gaza, quando seguia para o sul, segundo denunciou o Sindicato dos Jornalistas Palestinos.

“Jadallah ajudou o CPJ a documentar um padrão mortal de assassinatos de jornalistas pelas Forças de Defesa de Israel”, disse Mansour, para quem ele foi “vítima do mesmo padrão no domingo”.

“Sua morte deixa um buraco no cenário da mídia em Gaza, onde jornalistas estão em grave perigo enquanto cobrem a guerra que custou a vida de dezenas de seus colegas”, ele acrescentou.

Na terça-feira, a emissora de TV libanesa Al Mayadeen, com sede em Beirute, denunciou a execução de sua correspondente Farah Omar e do operador de câmera Rabih Al Me’mari, logo após relatarem ao vivo o mais recente bombardeio de Israel em Tayr Harfa, sul do Líbano, em um ataque aéreo. Eles tinham acabado de encerrar uma transmissão ao vivo às 10 h (hora local) e um avião israelense disparou dois foguetes contra eles.

PREMEDITAÇÃO

Vários órgãos de mídia – como o canal libanês Al Manar, rede de notícias iraniana Al Alam, o Palestine Chronicle e o Sindicato dos Editores da Imprensa Libanesa (SEIL) – manifestaram sua solidariedade e condolências ao Al Mayadeen e aos familiares de Farah e Rabih, assinalando que “matar testemunhas não matará a verdade”.

No dia 13, o gabinete de Netanyahu havia proibido o Al Mayadeen de transmitir na Palestina, alegando se tratar de uma “ameaça à segurança nacional” de Israel.

“Um ataque premeditado que é considerado um assassinato e Tel Aviv tem responsabilidade direta por isso”, destacou o Sindicato, acrescentando que o ataque traiçoeiro à equipe do Al Mayadeen “visa silenciar todas as vozes e quebrar todas as lentes que expõem os crimes e massacres” cometidos por Israel. A entidade pediu à União Geral de Jornalistas Árabes e à Federação Internacional de Jornalistas que apresentem uma queixa ao Tribunal Penal Internacional contra Israel.

Anteriormente, outro ataque de Israel no sul do Líbano havia morto o jornalista da Reuters Issam Abdallah e ferido outros dois profissionais da agência inglesa, além de outra jornalista da Al Jazeera.

FAMILIARES MASSACRADOS

Quando o alvo dos ataques israelenses não são os próprios jornalistas, são membros de sua família. Como no caso do chefe do escritório da Al Jazeera em Gaza, Wael Dahdouh, cuja esposa, dois filhos e um neto bebê foram mortos em um ataque ao campo de refugiados de Nuseirat, ao sul, para onde haviam seguido após as ordens de evacuação dadas por Israel. “Eles se vingam de nós através de nossos filhos”, afirmou Dahdouh, ao encontrar o corpo sem vida do filho.

Mohamed Abu Hasira, jornalista da agência de notícias palestina Wafa, foi morto em um ataque aéreo em sua casa em Gaza junto com 42 familiares; e Mohamed Al Jaja, consultor da Press-House Palestine, foi morto em um ataque aéreo em sua casa junto com sua esposa e duas filhas no bairro de Nasr, no norte de Gaza.

Também o caso da apresentadora de conteúdo digital e podcast de 27 anos, Ayat Khaddura, morta junto com sua família em um ataque aéreo israelense, mostrada em uma de suas últimas reportagens em vídeo. “Este pode ser o último vídeo para mim. Hoje, a ocupação lançou bombas de fósforo na área de Beit Lahia e bombas sonoras assustadoras e lançou avisos de evacuação na área. E, claro, quase toda a área foi evacuada. Todo mundo começou a correr loucamente nas ruas. Ninguém sabe nem para onde vai nem de onde vem. Eu e alguns outros permanecemos em casa, enquanto os demais foram evacuados, e não sabemos para onde foram. A situação é muito assustadora. A situação é muito aterrorizante. O que está acontecendo é muito difícil. Que Deus tenha misericórdia de nós”.

AS SEIS SEMANAS “MAIS LETAIS”

Para os jornalistas, são “as seis semanas mais letais de que temos registro”, afirmou Mansour. “Eu não estava exagerando, eu não estava especulando”, ele sublinhou, lembrando entrevista dada por ele a Goodman logo no início das hostilidades em Gaza.

Mansour destacou o papel de Jadallah, lembrando que fora com a ajuda dele que, em maio, o CPJ havia traçado o perfil de 20 jornalistas mortos por fogo israelense ao longo de 21 anos, 18 deles, palestinos. Jadallah, sua Casa da Imprensa, ajudaram a identificá-los, a achar suas famílias, a obter fotos, acrescentou o dirigente do CPJ. Ele abriu a Casa da Imprensa para jornalistas usarem a eletricidade e a internet quando não havia outro lugar.

Ao jornal britânico The Guardian, Mansour lembrou que nesse documento de maio passado o CJP instava Israel “a mudar suas regras de engajamento para parar de desencadear o uso de forças letais contra jornalistas e organizações de mídia”. “Não vimos nenhum indício de que isso tenha sido feito.”

Ao contrário, ele disse nunca ter visto “nada assim” como o que está em curso em Gaza, sob a investida israelense. “Para os jornalistas em Gaza especificamente, o risco exponencial é possivelmente o mais perigoso que já vimos. Jornalistas foram mortos logo nos estágios iniciais nos dois pontos de entrada e saída de Gaza – no sul, a passagem de Rafa; ao norte, a travessia de Erez. E, desde então, eles foram mortos em todos os lugares. Eles foram mortos no sul, na cidade de Rafa, em Khan Younis, onde foram informados de que seria seguro. Eles foram mortos no meio na Faixa de Gaza. E foram mortos no norte, na Cidade de Gaza. Eles não têm porto seguro. Eles não têm escapatória”.

18 JORNALISTAS PRESOS NA CISJORDÂNIA

Mansour acrescentou que o CPJ vem documentando também a escalada de prisões de jornalistas e desaparecimentos. “Até ontem, 18 jornalistas palestinos da Cisjordânia foram presos. Muitos deles foram colocados em detenção administrativa, em processos militares. Além disso, dezenas de casos de censura, censura direta, ataques cibernéticos, agressões físicas, obstrução da cobertura dentro da Cisjordânia e dentro de Israel”.

O coordenador do CPJ assinalou que, em Israel, uma legislação de emergência deu ao governo pela primeira vez o poder sem precedentes de fechar organizações internacionais de mídia, incluindo agir contra o Al Mayadeen – que dois jornalistas foram mortos hoje no Líbano -, proibindo-os em Israel e permitindo que o governo também prendesse até jornalistas israelenses por até um ano sob suspeitas e acusações de prejudicar a moral nacional e prejudicar a segurança nacional.

Em Israel, a norma é a truculência e a impunidade. Há dois anos atrás, os jornalistas da Associated Press e da Al Jazeera tiveram uma hora para desocupar a torre Al Jalaa, arrasada em seguida por um ataque aéreo, sob a alegação, da qual não foi apresentada qualquer prova, de que abrigaria pessoal militar do Hamas. Além dos escritórios das agências de notícias, o prédio incluía apartamentos residenciais.

SEM GARANTIA

Goodman se referiu, ainda, à cínica alegação dos militares israelenses de que “não podem” garantir a vida dos jornalistas que entram em Gaza. Ele lembrou como, no início de novembro a Agência de Notícias da Palestina informou que “seu jornalista Mohammad Abu Hattab foi morto em um ataque israelense em sua casa no sul da Faixa de Gaza junto com 11 membros de sua família, incluindo sua esposa, filho e irmão.”

Seu colega, o jornalista Salman Al Bashir, “caiu no choro durante uma transmissão ao vivo ao saber do assassinato de Abu Hattab”, ela acrescentou. “Enquanto falava, Al Bashir arrancou seu capacete e colete de proteção, rotulados de ‘imprensa’, e os jogou no chão. E então havia uma tela dividida, enquanto ele arrancava seu equipamento, dizendo: ‘Por que nos incomodamos em usar isso se vamos ser mortos de qualquer maneira?’”

AMERICANOS EMBUTIDOS

Em contraste com isso, registrou o co-apresentador do programa, Juan González, os jornalistas norte-americanos em geral não vão a Gaza e ficam “transmitindo” de Jerusalém as alegações do comando israelense e, quando vão, vão embutidas nas tropas israelenses, a que submetem textos e vídeos.

Para Mansour, o exército israelense não pode escapar ou fugir à sua responsabilidade ao abrigo do direito internacional de não usar força letal injustificada contra jornalistas e contra meios de comunicação social. O que seria crime de guerra.

Ele disse que o CPT instou as autoridades israelitas a respeitarem as insígnias da imprensa e garantirem que haja salvaguardas, controles quando civis e jornalistas estão por perto. Acrescentou que a entidade solicitou do governo dos EUA e seus aliados europeus, que pressionassem Tel Aviv sobre essas questões. “E pedimos que o Conselho de Segurança da ONU inclua a segurança dos jornalistas na agenda em qualquer discussão diplomática”.

INCITAÇÃO À CHACINA

O coordenador do CJP reiterou que sob o direito internacional, o governo israelense é obrigado a proteger os jornalistas como civis, mas também é o papel vital dos jornalistas em tempo de guerra fornecer informações precisas, oportunas e independentes que lhes dá essas proteções sob o direito internacional.

Ele chamou também os militares israelenses a pararem de “promover narrativas falsas e campanhas de difamação para tentar justificar o assassinato desses jornalistas”.

Mansour alertou, ainda, que altos funcionários israelenses – incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu – amplificaram a falsa sugestão de um órgão de vigilância da mídia israelense de que jornalistas palestinos foram de alguma forma cúmplices do ataque de 7 de outubro, uma alegação que aumentou ainda mais os perigos de reportar sobre o conflito.

“Os jornalistas em Gaza estão enfrentando um risco exponencial”, disse Mansour. “Mas seus colegas na Cisjordânia e em Israel também estão enfrentando ameaças, ataques e intimidações sem precedentes para obstruir seu trabalho vital cobrindo este conflito.”

As forças israelenses – ele destacou – foram repetidamente acusadas de atacar deliberadamente repórteres – um crime de guerra sob o direito internacional – mas ainda não foram responsabilizadas.

O massacre de jornalistas e seus familiares também foi denunciado pelos Repórteres Sem Fronteiras (RSF), cujo secretário-geral, Christophe Deloire, secretário-geral da RSF, descreveu a situação como “chocante”.

Um marco absolutamente sombrio. Como comparação, na guerra entre Rússia e Ucrânia, 17 jornalistas no total foram mortos desde o início da guerra, em 2022; o último, o cinegrafista francês Frederic Leclerc-Imhoff, em maio. Na Guerra do Vietnã, que durou duas décadas, foram 63 os jornalistas mortos. Na Segunda Guerra Mundial (1939-45) – a guerra mais sangrenta que o mundo moderno já viu – esse total foi de 69, segundo a Al Jazeera.

Fonte: Papiro