Xi Jinping em visita aos Estados Unidos | Foto: Reprodução

Em paralelo à cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), em realização em San Francisco, nos Estados Unidos, os presidentes Xi Jinping e Joe Biden se reuniram na quarta-feira (15) para o que jornal chinês Global Times considerou “uma troca de pontos de vista franca e aprofundada sobre questões estratégicas, abrangentes e direcionais relativas às relações China-EUA, bem como questões importantes relativas à paz e ao desenvolvimento mundiais.”

A APEC é integrada por 21 países, entre eles EUA, China, Japão, Rússia, Coreia do Sul, Austrália, Canadá, Indonésia, México, Chile, Singapura e Vietnã.

As principais medidas decididas pela cúpula China-EUA foram o restabelecimento dos canais de comunicação na esfera de defesa entre os dois lados, que estavam suspensos desde agosto do ano passado, a intensificação da cooperação para o enfrentamento da crise climática e a realização de negociações sobre a Inteligência Artificial (AI).

Atendendo a um pleito de Washington, foi constituído um grupo de discussão bilateral sobre o problema das drogas, mais propriamente, como interagir diante da crise do fentanil nos EUA. Também vão ser retomados em maior escala os voos entre os dois países.

De acordo com relatos da mídia, Biden disse as negociações estavam “indo bem” e acrescentou nas redes sociais que “progressos reais” foram feitos. A reunião durou aproximadamente duas horas.

UM ANO DE PROVOCAÇÕES

A cúpula anterior Xi-Biden havia sido em Bali, na Indonésia, em 2022, seguida por enormes perturbações nas relações bilaterais. Da visita da então presidente da Câmara dos deputados, Nancy Pelosi, a Taiwan, passando pelas provocações com navios de guerra dos EUA no Mar do Sul da China, ao agravamento da guerra de Washington contra o desenvolvimento da alta tecnologia pela China, desencadeada por Trump e mantida por Biden, mais a psicose que grassou nos EUA sobre o ‘balão-espião’.

As possibilidades da cúpula de San Francisco também estavam, a rigor, delimitadas por duas eleições no próximo ano. Uma, a busca pela reeleição por Biden, a quem a ‘alternativa’ é Trump, ainda mais raivosamente antichinês. A outra, a eleição a presidente de Taiwan; a oposição pró-Uma Só China anunciou a disposição de concorrer com um único candidato para derrotar a separatista pró-ianque.

A cúpula mostrou os esforços de Pequim para evitar, ao máximo que é possível, que o barco balance, com Xi Jinping enfatizando que China e EUA têm duas escolhas em um mundo em grandes transformações: uma, promover a cooperação, a segurança e a prosperidade globais; a outra, manter uma mentalidade de soma zero, provocar o confronto em bloco e deixar o mundo caminhar para a turbulência e a divisão. Escolhas das quais, ele sublinhou, depende o futuro da humanidade e do planeta.

Ele chamou a ver as relações China-EUA sob esse grande pano de fundo, apontando que China e EUA não podem se voltar um contra o outro e é irrealista tentar mudar o outro. As consequências do conflito e do confronto seriam insuportáveis, enfatizou Xi.

O presidente chinês reiterou que a competição de grandes potências “não resolverá os problemas que a China, os EUA e o mundo enfrentam. Este planeta é grande o suficiente para a China e os EUA. O sucesso de cada um é uma oportunidade para o outro.”

Em Bali, o lado americano asseverou – segundo analistas, com língua bifurcada – que não busca mudar o sistema da China, não busca uma “nova Guerra Fria”, não busca se opor à China fortalecendo alianças, não apoia a “independência de Taiwan” e não tem intenção de ter conflito com a China.

LINHAS VERMELHAS

Em relação a Taiwan, Xi enfatizou que continua sendo a questão mais importante e sensível nas relações China-EUA, acrescentando que a China valoriza as declarações positivas feitas pelo lado dos EUA em Bali. Ele reiterou que os EUA devem cumprir com os princípios de Bali: implementar sua postura de não apoiar a “independência de Taiwan” em ações concretas, parar de armar Taiwan e apoiar a reunificação pacífica da China.

Sobre a guerra tecnológica que Washington vem movendo contra a China, o presidente Xi destacou que a implementação contínua dos EUA de medidas de controle de exportação, revisões de investimentos e sanções unilaterais prejudicaram gravemente os interesses legítimos da China.

Suprimir a tecnologia da China – ele acrescentou, conforme o Global Times – visa conter seu desenvolvimento de alta qualidade e privar o povo chinês de seu direito ao desenvolvimento.

Xi disse ainda que o crescimento da China segue sua própria lógica interna, que não pode ser interrompida por forças externas.

Ele chamou Washington a levar a sério as preocupações da China, tomar as medidas apropriadas, suspender as sanções unilaterais e proporcionar um ambiente justo, justo e não discriminatório para as empresas chinesas.

ENFRENTAR A CRISE CLIMÁTICA

Os dois chefes de Estado concordaram em que China e os EUA devem acelerar os esforços para enfrentar a crise climática durante esta década crítica.

Eles saudaram as recentes discussões entre os enviados climáticos dos dois países, incluindo ações domésticas de redução de emissões na década de 2020.

Eles também se comprometeram a promover o sucesso da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Dubai (COP28).

SEM ILUSÕES

Como observou o Global Times, citando um especialista chinês que consultou, nem Washington, nem Pequim nutrem qualquer ilusão de um avanço rápido ou de uma melhoria significativa nas relações.

“Os líderes de ambos os países, cada um por suas razões, também veem os benefícios de conter as tensões no nível atual para evitar uma maior deterioração”.

Assim, “manter a comunicação multicanal e multinível para construir grades de proteção para a relação bilateral pode ser a medida mais crucial necessária”, observou o acadêmico.

BIDEN TROPEÇA EM REPÓRTER

Quando tudo parecia se encaminhar conforme o roteiro buscado pelas duas partes, em San Francisco alguém perdeu de vista Biden por um minuto ou dois, um repórter bem amestrado lhe perguntou de supetão se Xi era “ditador”, e o octogenário inquilino da Casa Branca rapidamente se esbaldou sobre o tema.

Dizem as más línguas que Biden, um excepcionalista de quatro costados, ficara um tanto agastado com o presidente Xi, que muito chinesamente havia exarado um roteiro de trabalho conjunto para “solidificar os cinco pilares das relações China-EUA, incluindo estabelecer o reconhecimento mútuo correto, gerenciar as diferenças de forma eficaz, promover conjuntamente a cooperação mutuamente benéfica, assumir conjuntamente as responsabilidades de grandes potências e promover intercâmbios culturais”.

Com uma conversa dessas, só pode ser ditador, e dos perigosos. Ao que tudo indica, em Washington vão ter de reforçar a equipe de cuidadores de Biden e de explicadores na Casa Branca do que supostamente significaria o que ele disse, saindo do roteiro.

VAMOS GERENCIAR

Ao mesmo repórter indiscreto, Biden asseverou que “os Estados Unidos continuarão a competir vigorosamente com a China, mas vamos gerenciar essa competição de forma responsável”.

Ele disse, ainda, que Pequim e os EUA vão reiniciar os contatos diretos entre militares. “Isto é extremamente importante – estamos retomando contatos militares a militares, contatos diretos”.

Acabou sobrando para a porta-voz da diplomacia chinesa estancar o imbróglio e, sem nomear Biden, ela afirmou que a China “se opõe fortemente” aos comentários.

“Esta declaração é uma manipulação política extremamente errada e irresponsável”, disse Mao Ning, na quinta-feira (16).

“Deve-se salientar que sempre haverá algumas pessoas com segundas intenções que tentam incitar e prejudicar as relações EUA-China; elas estão fadadas ao fracasso”, ela sublinhou.

‘UMA SÓ CHINA’

Para o ex-embaixador chinês nos EUA, Cui Tankai, o princípio de uma só China é a base para o relacionamento bilateral. “A chave é o princípio de uma só China. Enquanto o princípio ainda estiver lá, enquanto ninguém estiver tentando desafiar esse princípio de uma só China, não há necessidade do uso da força. E sob essa base, no âmbito do princípio de uma só China, todo o resto pode ser negociado”, disse o diplomata em um evento em Hong Kong, segundo o South China Morning Post.  

“Só espero – ele acrescentou – que, do lado dos Estados Unidos, os políticos americanos também tenham sabedoria suficiente ou mesmo bom senso para não fazer apologia da guerra tão facilmente”.

Observação referente a postagem feita no início do ano pelo chefe do Comando de Mobilidade Aérea da Força Aérea dos EUA, general Mike Minihan, prevendo que os EUA estariam em guerra com a China “em 2025” e que ele e sua equipe estavam se “preparando” da melhor forma possível.

Fonte: Papiro