Setembro foi mês mais quente da história; “a hora de agir é agora”
O planeta Terra teve o mês de setembro mais quente já registrado na história, e 2023 está caminhando para quebrar os recordes de temperatura atingidos em 2016. De janeiro até setembro, a temperatura média mundial ficou 1,4°C superior à média pré-industrial (dos anos 1850 a 1900). Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (5) pelo Serviço de Mudanças Climáticas do observatório europeu Copernicus.
Em uma entrevista da climatologista Karina Lima, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foram destacadas as preocupantes mudanças climáticas que estão ocorrendo no mundo e a necessidade urgente de tomar medidas concretas para enfrentar essa crise ambiental. “A hora de agir é agora, e o Brasil tem a chance de liderar o caminho rumo a um futuro mais sustentável e resiliente para todos”, disse ela, esperançosa com as possibilidades da COP26, que deve ocorrer em 2025 na região Amazônica.
Karina Lima alertou que os eventos climáticos extremos estão se tornando mais frequentes e intensos. Para ela, a intensificação dos eventos extremos é um sinal evidente das mudanças climáticas em curso. Esses eventos incluem furacões, secas prolongadas, inundações e ondas de calor, que têm impactos devastadores na vida das pessoas e no meio ambiente.
Ela enfatizou o aumento de 1,2 graus Celsius, que já se observava em relação aos níveis pré-industriais, antes dos novos dados, e que as metas para conter esse aquecimento global estão se tornando cada vez mais difíceis de alcançar. Enquanto a meta ideal é limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius, muitos já consideram essa marca quase inatingível. “A nossa melhor meta, o nosso melhor cenário é de 1.5, que alguns inclusive já acreditam que seja impossível de ser alcançada”, explicou a cientista.
A cientista alertou que a janela de oportunidade para conter as mudanças climáticas está se fechando rapidamente. Ela enfatizou a necessidade de investimentos em pesquisa, melhorias nos sistemas de alerta e, mais importante, a vontade política de tomar medidas eficazes.
“A tendência, infelizmente, é que as coisas provavelmente vão piorar”, ressaltou Lima, referindo-se aos próximos meses, quando o fenômeno El Niño chega mais forte que antes. No entanto, ela enfatizou que é fundamental não ceder ao desespero. Karina ressaltou que as pessoas precisam estar cientes da gravidade do problema e não podem ser anestesiadas pelo pessimismo. “Isso facilita a inação. Cada décimo de grau que é evitado importa. Então as pessoas estão tentando entender a gravidade do problema, e não podem jogar a toalha. A gente precisa de ação urgente, porque essa década vai decidir muita coisa”.
04.10.23 – Prefeitura de Manaus entrega água potável e 1,2 mil kits de alimentos e higiene para ribeirinhos atingidos por seca histórica, nesta terça-feira Foto: Gildo Smith / Semacc
O Brasil no cenário internacional
Karina Lima alertou sobre a urgência da situação, enfatizando que o mundo não possui tempo a perder. A cientista destacou a necessidade de países ao redor do mundo cumprirem suas metas de redução de emissões, um componente essencial para enfrentar a crise climática.
O Brasil, um dos países mais biodiversos e geograficamente bem posicionados do mundo, enfrenta uma responsabilidade monumental na luta contra as mudanças climáticas globais. A especialista em clima, destacou o papel fundamental que o Brasil deve desempenhar no cenário internacional para conter a crise climática. “O Brasil é muito importante, porque tem todas as condições para ser uma liderança verde no cenário internacional.”
A cientista ressaltou a importância de cumprir a meta de acabar com o desmatamento, queimadas e reduzir as emissões de carbono. Essa ação seria fundamental para atingir as metas de mitigação climática, contribuindo para frear o aquecimento global. Karina Lima destacou que o Brasil poderia cortar mais de 40% das suas emissões se o desmatamento fosse eliminado.
“Enquanto tem muitos países em que as emissões só vão ser cortadas se eles realmente trocarem toda a matriz energética, o Brasil só precisa acabar com o desmatamento e manter suas florestas de pé para liderar esta meta de redução de emissões dos gases de efeito estufa. Assim, temos uma, entre aspas, vantagem”, explicou.
Karina ainda ressaltou o papel importante que o Brasil desempenha no cenário internacional. Com sua vasta área florestal e potencial de energia renovável, o Brasil poderia ser uma liderança verde. Com vantagens naturais, como abundância de sol e vento, o país poderia se destacar na transição para energias renováveis. No entanto, a cientista alertou sobre a necessidade de eliminar a influência de lobistas da indústria de petróleo nas negociações climáticas.
Ela expressou otimismo em relação à COP que será realizada no Brasil em 2025, observando que a localização na região amazônica e o envolvimento de comunidades locais podem fazer a diferença na luta contra as mudanças climáticas. Em COPs anteriores, realizadas até em áreas de forte exploração de petróleo, os lobistas das petroleiras e a repressão à participação popular desfavoreceram resultados mais efetivos.
Karina enfatizou que é consenso científico que a queima de combustíveis fósseis precisa ser interrompida. Ela destacou que isso exige ação governamental, uma vez que as petrolíferas têm um interesse financeiro na continuação dessa prática prejudicial ao meio ambiente.
A COP26, a próxima conferência sobre o clima, que será realizada no Brasil em 2025, oferece uma oportunidade única para o país assumir a liderança na luta contra as mudanças climáticas. A região amazônica, em particular, desempenhará um papel crucial na conferência. A adesão popular, a participação de povos originários e uma forte base científica podem fazer a diferença em relação às últimas COPs.
Além disso, ela salientou a vontade da ministra Marina Silva expressa em sua forte base científica expressa em seus discursos. “Agora, precisa o governo também contribuir para que haja um alinhamento total. Esse governo não tem nem comparação com o anterior, que era um governo ecocida. Nesse governo temos essa preocupação e um ministério agindo de verdade”, comparou.
Enquanto no Norte os rios secam, no Sul as cidades sofrem inundações. Em Porto Alegre (RS), o sistema de contenção do Lago Guaíba, foi totalmente fechado no fim de setembro, em decorrência da elevação das águas. Foto: Alex Rocha/PMPA
Impacto regional e papel do El Niño em 2023
Além dos desafios globais, Karina ressaltou a importância de considerar o impacto regional das mudanças climáticas. Ela explicou que eventos climáticos extremos e desastres estão intimamente ligados à vulnerabilidade local. Quando eventos extremos encontram comunidades despreparadas, o resultado é desastroso. Portanto, é essencial reduzir as vulnerabilidades locais e aumentar a resiliência das comunidades.
A climatologista também abordou as condições climáticas esperadas para o restante de 2023. Ela observou que estamos atualmente em um ano de El Niño, o que contribui para o aumento das temperaturas globais e pode levar a eventos climáticos extremos. O Brasil pode esperar um verão quente e desafiador, com chuvas intensas, especialmente no centro-sul do país. O noticiário também tem enfatizado o agravamento das secas na região Norte, com rios inteiros drenados pelo clima, o que também decorre em época de El Niño.
Segundo ela, o ano de 2023 tem tudo para ser considerado o mais quente do registro instrumental, porque, além do atual nível de aquecimento global, há El Niño, que deve fazer com que 2024 supere os índices de 2023, “porque em geral o ano posterior ao desenvolvimento do El Nino é ainda mais quente”.
Ela citou o “El Niño Godzilla”, de 2015, que tornou 2016 o ano mais quente. Estamos saindo do curso do La Niña, com quedas na temperatura, e entrando na corrente quente do El Niño. ”Só que, agora, nós temos um aquecimento global maior, o que deve tornar 2023 ainda pior, podendo ser superado por 2024”, afirmou.
Mitigação e Adaptação, o indivíduo e os governos
Desde junho, cidades inteiras do Rio Grande do Sul são afetadas pelo ciclone extratropical que atingiu o estado. Entre as cidades estão Três Cachoeiras, Montenegro e Esteio. Foto: Joel Vargas / GVG
Quando questionada sobre como as pessoas podem se preparar para as mudanças climáticas e reduzir os danos humanitários, Karina destacou a importância da ação em níveis individuais e sistêmicos. “A mudança ela tem que ser sistêmica. Mas os indivíduos podem contribuir de algumas formas.”
Para enfrentar a crise climática, a cientista destacou a importância de ações tanto na mitigação quanto na adaptação às mudanças climáticas. Mitigação envolve a redução das emissões de gases de efeito estufa para conter o aquecimento global. Já a adaptação visa fortalecer a resiliência das comunidades e a proteção contra eventos extremos.
“Precisa ter mais essa cultura da mitigação e da prevenção, não só de uma forma reativa aos desastres, mas de trabalhar de forma ativa para reduzir os danos. É muito mais caro reagir depois de dar conta de todo o prejuízo do desastre. Não é inteligente trabalhar dessa forma”, lamentou.
Ela defende investimento em pesquisa, para melhorar os sistemas de alerta. “A gente tem sistemas de alerta atualmente, mas podem ser melhorados, então é basicamente investimento e vontade política de fazer”, disse. “A gente precisa trabalhar tanto na mitigação das mudanças climáticas, que é para frear o aquecimento global e a gente conseguir um cenário em que não haja um aumento tão absurdo da temperatura.”
Começando pela conscientização, a sociedade deve priorizar o tema das mudanças climáticas e cobrar medidas de seus líderes. Votar em representantes comprometidos com o meio ambiente é uma forma eficaz de fazer a diferença. Além disso, destacou a redução do consumo de carne (devido ao impacto da pecuária no meio ambiente) e outras ações individuais como contribuições valiosas.
A cientista enfatizou a importância de mudar a mentalidade em relação às mudanças climáticas. Ela instou as pessoas a tornarem o assunto uma parte prioritária do cotidiano, a se conscientizarem e a pressionarem os tomadores de decisão a agirem. Ela tem percebido avanços muito positivos na participação popular para promover mudanças efetivas nas políticas climáticas. A percepção de que todos estão vulneráveis, mas metade da população mundial está extremamente vulnerável, vai se tornando algo visível e concreto. ”Percebendo isso, a gente pode salvar muitas vidas, tanto humanas quanto biodiversidade em geral.”
A climatologista também enfatizou a necessidade de reduzir as emissões de gás carbônico, destacando que a queima de combustíveis fósseis é uma fonte significativa de emissões e que medidas governamentais são cruciais para enfrentar esse problema. “Inevitavelmente, o mundo caminha para uma mudança na matriz energética, mas essa mudança precisa ser mais rápida, porque a gente não tem muito tempo”.
Karina Lima expressou otimismo, mas também ressaltou a importância de alinhar ações políticas com a ciência e de eliminar as contradições que podem prejudicar os esforços de mitigação. Ela enfatizou que, para resolver a crise climática, é fundamental focar na causa, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa em vez de apenas financiar as consequências dos desastres climáticos, como foi discutido na última COP.
Além da mitigação, a adaptação às mudanças climáticas é crucial. Isso envolve fortalecer a resiliência das cidades e comunidades para enfrentar eventos climáticos extremos. Karina sublinhou que a adaptação não é responsabilidade exclusiva do governo federal, mas também dos governos estaduais e municipais. Trabalhar em conjunto é essencial para fortalecer a resiliência local em face de eventos climáticos cada vez mais intensos.
“A outra parte da equação são as vulnerabilidades, a gente precisa trabalhar nelas, diminuí-las, aumentando a nossa resiliência, para que quando o evento extremo ocorrer, o desastre seja menos danoso para a população.”
(por Cezar Xavier)