Operação Escudo em SP aumenta em 86% as mortes por policiais
A recente divulgação de estatísticas sobre mortes por intervenção policial no estado de São Paulo tem gerado grande preocupação entre defensores de Direitos Humanos e órgãos de controle externo das polícias. Entre julho e setembro deste ano, as mortes cometidas por policiais militares em serviço cresceram alarmantes 86% em comparação com o mesmo período do ano anterior, de acordo com dados fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP).
Durante o terceiro trimestre de 2023, o estado registrou um total de 106 mortes provocadas por policiais militares em serviço, em comparação com 57 no mesmo período de 2022. Esse aumento coincide com o período da Operação Escudo, deflagrada na Baixada Santista após a morte do policial Patrick Bastos Reis, integrante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), em 27 de julho no Guarujá. A operação, que foi alvo de críticas devido às 28 vítimas civis, parece ter contribuído significativamente para o aumento na letalidade policial.
Em declaração exclusiva, o ouvidor das Polícias, Claudio Aparecido da Silva, expressou profunda preocupação com os dados divulgados. A constatação desses índices impactantes levou-o a destacar a necessidade de repensar o conceito de segurança pública no estado de São Paulo. Em suas palavras, “Esse aumento da mortalidade decorrente da intervenção policial e o aumento da morte dos policiais, na nossa opinião, é algo que é muito delicado e provocador, no sentido de que no nosso conceito de segurança pública não necessariamente é letalidade. Letalidade e segurança pública são coisas, inclusive, que podem caminhar distintamente.”
A abordagem da Ouvidoria enfatiza que a segurança pública eficaz deve ser baseada em abordagens que privilegiem a inteligência policial, o respeito aos direitos humanos e a preservação da vida. Claudio Aparecido da Silva ressaltou que é fundamental que a polícia atue com base em mecanismos de inteligência.
“Segurança pública efetiva é a segurança pública em que a polícia atua com os vários mecanismos de inteligência à sua disposição, no sentido de mapear a atuação em conflito com a lei, identificar os autores de eventuais atividades ilícitas, prendê-los e colocá-los à disposição da justiça. Então, a segurança pública precisa caminhar conjuntamente com os direitos humanos.”
As estatísticas revelam que o aumento nas mortes por intervenção policial não se limita ao terceiro trimestre de 2023. No período que abrange os meses de janeiro a setembro, houve um aumento de 45% em comparação com o mesmo período do ano anterior, totalizando 261 notificações em 2023 contra 180 em 2022. Isto seria um sinalizador de que a mortalidade não está circunscrita ao período da operação contra o crime organizado no Guarujá, mas pode estar se tornando uma política permanente.
Além disso, as mortes provocadas por policiais militares em folga também cresceram no terceiro trimestre de 2023, passando de 29 registros para 33. No entanto, durante todo o ano, houve uma ligeira queda, com 79 mortes provocadas por policiais em folga em 2023 em comparação com 86 em 2022.
As mortes provocadas por policiais civis em serviço também apresentaram aumento no terceiro trimestre de 2023, com seis ocorrências, contra cinco no ano anterior. Ao longo de todo o ano, houve 22 mortes cometidas por policiais civis em serviço, comparado a 15 no ano passado.
A questão da segurança pública, segundo o ouvidor, deve caminhar em paralelo com o respeito aos direitos humanos e à vida. Ele criticou políticas que enfatizam a necessidade de uma polícia violenta e agressiva, alegando que essa abordagem não prejudica apenas a sociedade. “A política que determina que a polícia precisa ser violenta e agressiva, é ela mesma que faz com que os próprios policiais sejam vitimados.”
A elevação nas mortes por intervenção policial ocorre em um momento em que a SSP anunciou uma diminuição nos investimentos no Programa Olho Vivo, que prevê a instalação de câmeras corporais nos uniformes dos policiais. Essas câmeras, implantadas em 2020, demonstraram ajudar a reduzir a letalidade policial nos últimos anos. No entanto, as recentes declarações do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, indicando a não continuidade das compras de câmeras corporais, têm gerado preocupação entre especialistas.
Diante desse panorama, Claudio defendeu a continuidade dos investimentos em tecnologias que promovam a transparência e a prestação de contas por parte das forças de segurança. Ele mencionou a importância de estender o uso de câmeras corporais a toda a tropa da polícia militar e às tropas operacionais da polícia civil.
“Então na nossa opinião, [é preciso] continuar o investimento em tecnologias, mas não só em tecnologias, como o uso de câmeras corporais, até que elas alcancem toda a tropa da polícia militar, e até que as câmeras alcancem as tropas operacionais da polícia civil. Continuar investindo em tecnologias que também possam equipar as viaturas com câmeras, que possam equipar as viaturas com aferidores de pesos, isso é fundamental.”
Desmonte do projeto Olho Vivo
As organizações Comissão Arns, Conectas, Instituto Igarapé, Instituto Sou da Paz e o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) alertaram para o risco de desmonte da política de uso de câmeras corporais pela polícia de São Paulo. Essas organizações destacaram que o projeto Olho Vivo contribuiu para uma significativa queda de 62,7% na letalidade policial entre 2019 e 2022. A nota conjunta ressalta que as gravações não apenas ajudam a evitar confrontos violentos, mas também fornecem evidências contra acusações injustas, trazendo segurança para os agentes e para a corporação como um todo.
Essas organizações acusaram o atual governo de São Paulo de trabalhar para a desconstrução da política de controle do uso da força, congelando o cronograma de implementação das câmeras e cortando o orçamento para a manutenção dos equipamentos. Eles enfatizaram a importância de políticas de redução do uso da força letal e pediram o fortalecimento das iniciativas em andamento, como a continuidade do Programa Olho Vivo e a adoção de armas não letais.
A SSP-SP nega ter deixado de investir no programa de câmeras corporais, afirmando que mais de 10.000 delas estão em operação em batalhões na capital e na região metropolitana de São Paulo, bem como em algumas unidades de outras cidades. A pasta também mencionou a realização de estudos para expandir o programa para outras regiões do estado.
Saúde mental e segurança do policial
Outro ponto crucial destacado pelo ouvidor foi a importância de implementar uma política estruturada e especializada de atenção à saúde mental dos policiais. “Essa também é uma questão fundamental para a proteção dos próprios policiais e também para a proteção da sociedade, porque se os policiais atuarem estando eles adoecidos mentalmente, a consequência disso é uma polícia mais agressiva e inclusive mais letal.”
O número de policiais mortos em serviço também aumentou, passando de um para quatro no terceiro trimestre de 2023, e totalizando nove mortes durante todo o ano, em comparação com cinco no ano anterior.
A preocupação do ouvidor também se estendeu às políticas de proteção social dos policiais e seus familiares. Ele enfatizou que um ambiente que promova a saúde mental e o bem-estar dos agentes contribui para uma polícia mais cidadã. “Isso também influencia na questão da saúde mental e é fundamental para a gente ter uma polícia mais ordeira, mais cidadã e que atue mais dentro da legalidade.”
Claudio Aparecido da Silva encerrou sua declaração enfatizando a importância de proteger todas as vidas, incluindo as vidas dos policiais, e expressou sua profunda preocupação com a situação atual no estado de São Paulo. “A gente está muito preocupado com todas as vidas, inclusive as vidas dos policiais, que são importantes e relevantes também para nós.”
Seus apelos ressaltam a necessidade de uma abordagem mais equilibrada e consciente na busca pela segurança pública, que preserve tanto os direitos humanos quanto a vida de todos os cidadãos e policiais envolvidos.
A SSP se defende, afirmando que as mortes decorrentes de intervenção policial não são resultado da atuação da polícia, mas sim da ação dos criminosos que optam pelo confronto. A pasta também destacou que tem investido em treinamento para as forças de segurança e em políticas públicas para reduzir as mortes em confronto, além de analisar as ocorrências por meio de uma comissão de mitigação de não conformidades.
(por Cezar Xavier)