Ministério do Desenvolvimento Agrário volta com foco na soberania alimentar
Nesta terça-feira, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, concedeu uma entrevista coletiva a veículos de mídia alternativa, promovida pelo Centro de Mídia Barão de Itararé. Durante seu discurso que antecedeu a entrevista com seis veículos de comunicação, o ministro explicou a razão pela qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu recriar sua pasta.
O presidente Lula tem como objetivo fortalecer a agricultura familiar no Brasil, um setor que representa mais de 70% das propriedades do país. “A motivação principal é aumentar a produção de alimentos para atender às necessidades nutricionais do povo brasileiro, respeitando a cultura alimentar do país” .
A decisão de recriar o Ministério surge em resposta à atual situação alimentar no Brasil. Parte da população entrou para o “mapa da fome” devido ao desmonte das políticas públicas. “Além disso, muitos brasileiros sofrem com a insegurança alimentar, passando a consumir alimentos ultraprocessados em vez de refeições saudáveis. Portanto, a estratégia é produzir mais alimentos, diversificar a produção, e promover alimentos saudáveis”, declarou o ministro.
O ministro ressaltou a necessidade de uma transição da agricultura baseada em produtos químicos e agrotóxicos para uma agricultura regenerativa, capaz de recuperar recursos naturais como nascentes de água e matas ciliares, contribuindo assim para o combate à crise climática.
“Além disso, o campo desempenha um papel crucial na luta contra as desigualdades sociais no Brasil. Isso envolve a reforma agrária e a resolução da dívida histórica com comunidades tradicionais, especialmente os quilombolas. O governo já lançou um programa de reforma agrária e de demarcação de áreas quilombolas, além de fornecer créditos a essas comunidades”, afirmou.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar também está empenhado em modernizar a agricultura familiar por meio de programas de crédito, planos de safra, máquinas amigáveis à agricultura familiar e o desenvolvimento de agroindústrias.
“Um programa para o desenvolvimento de máquinas mais adequadas à agricultura familiar também está em andamento. O uso da agroindústria é uma estratégia-chave”, afirmou.
O ministro reforçou a importância da participação de jovens na modernização da agricultura familiar. Ele mencionou a necessidade de conectividade no campo, para que os jovens possam contribuir com a modernização e agregar valor às atividades agrícolas de suas famílias. “A modernização da agricultura familiar também envolve a incorporação de tecnologia, como o acesso à cobertura de celular no campo, para permitir que os jovens rurais desempenhem um papel ativo na modernização da agricultura de seus pais”.
Além disso, Paulo Teixeira destacou a importância de uma forte base científica e técnica para apoiar a agricultura familiar, incluindo parcerias com universidades.
“É importante garantir a soberania alimentar do país e apoiar a produção de uma ampla variedade de produtos agrícolas que atendam aos hábitos alimentares tradicionais do povo brasileiro”, concluiu. Para isso, ele lembrou que o governo está apoiando programas de compra pública de alimentos, fortalecendo o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos, além de incentivar as Forças Armadas, universidades e hospitais federais a comprarem 30% de alimentos da agricultura familiar. Essas iniciativas visam garantir que a agricultura familiar seja uma força alimentar fundamental no Brasil, proporcionando uma grande variedade de produtos que fazem parte da cultura alimentar do país.
A agricultura familiar é um setor responsável por produzir uma vasta gama de produtos, desempenhando um papel crucial na alimentação do povo brasileiro. “O objetivo final é construir uma agricultura familiar forte e sustentável que alimente a nação brasileira e ajude a combater a fome e as desigualdades sociais no país”.
Medida Inédita
Ao iniciar as rodadas de perguntas, Paulo Teixeira anunciou uma estratégia inovadora para o programa de reforma agrária no Brasil durante a recente entrevista. O ministro revelou que o governo adotará a inédita medida de adjudicação de terras públicas, onde terras que eram garantia de dívidas de grandes devedores da União serão destinadas à reforma agrária.
Ele destacou a importância dessa medida e seu potencial para impulsionar a reforma agrária. A adjudicação de terras públicas significa que, após a resolução de litígios judiciais relacionados a dívidas, a União poderá tomar posse das terras e destiná-las à reforma agrária. Até o momento, o governo brasileiro não havia adotado essa abordagem de forma sistemática.
O ministro explicou que essa iniciativa visa a dois objetivos fundamentais. Primeiramente, ela serve como uma forma de garantir que grandes devedores de impostos e instituições financeiras não fiquem impunes. Em vez disso, a adjudicação das terras se tornará uma consequência direta da falta de pagamento das dívidas. Em segundo lugar, essa abordagem é altamente eficaz para a aquisição de terras para a reforma agrária, uma vez que o governo economiza recursos que, de outra forma, seriam necessários para comprar essas terras no mercado.
O governo planeja escolher cerca de dez exemplos em todo o país para avançar com essa estratégia. Muitas dessas terras já estão ocupadas por famílias que poderão se tornar beneficiárias do programa de reforma agrária. A medida visa a fornecer segurança jurídica a essas comunidades, que frequentemente vivem sob ameaça de despejo.
Essa estratégia inovadora tem o potencial de acelerar o processo de distribuição de terras a famílias que dependem da agricultura familiar e contribuir para a redução da desigualdade no campo brasileiro.
A iniciativa visa criar exemplos iniciais em diversos estados para garantir que a medida se torne uma prática consistente e eficaz em todo o país.
Reforma Agrária
O ministro abordou a importância da retomada do programa de reforma agrária no Brasil, revelando as consequências do período de paralisação desse programa no país, causada por um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que questionava a validade de diversos assentamentos.
A paralisação resultou em um grande acúmulo de disputas por terras, muitas delas que se tornaram palco de conflitos agrários, culminando em tragédias.
O ministro enfatizou que a reforma agrária no Brasil desempenha um papel crucial na produção de alimentos e na redução das desigualdades sociais. Ele mencionou que muitas famílias beneficiadas pela reforma agrária alcançaram uma renda média mensal de 6 a 10 mil reais, algo que seria difícil de ser obtido nas cidades. Além disso, a reforma agrária contribui para diminuir o êxodo rural, proporcionando oportunidades e melhores condições de vida para as famílias que desejam permanecer no campo.
O Ministro explicou que o relatório do TCU apresentou falhas na avaliação dos assentamentos, considerando irregularidades, por exemplo, a posse de carros por parte dos beneficiários. Entretanto, a aquisição desses bens ocorreu após a concessão das terras, como resultado do progresso obtido pelas famílias. Também, a interrupção do programa não levou em consideração o desenvolvimento dos beneficiários, muitos dos quais se tornaram funcionários públicos ou parlamentares, enriquecendo a democracia brasileira.
A retomada da reforma agrária, sob a gestão do presidente Lula, é vista como um avanço fundamental para o Brasil, uma vez que visa a enfrentar a concentração de terras e atender a crescente demanda por oportunidades. Teixeira enfatizou que o programa deve ser compreendido em seu contexto completo, abrangendo a oferta de terras, crédito, assistência técnica, tecnologia e assistência para as famílias, a fim de proporcionar condições de vida dignas.
A luta contra a desinformação
Teixeira também falou da relevância da reforma agrária e desmistificou equívocos frequentes a respeito do assunto. Com grande conhecimento sobre a questão agrária, ele destacou o papel fundamental do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e sua contribuição para a sociedade brasileira.
Além de seu impacto na agricultura familiar, o MST desempenha um papel significativo no combate à fome e em outras iniciativas sociais em todo o país. No entanto, Teixeira reconheceu que a maioria da população brasileira está desinformada sobre a reforma agrária, em parte devido à cobertura midiática que muitas vezes não reflete a realidade do movimento.
O ministro destacou que há equívocos comuns sobre o que constitui a reforma agrária. Muitas vezes, as pessoas associam erroneamente o termo à ideia de tirar terras de quem as possui para dá-las aos que não têm. Para desmentir esses mal-entendidos, Teixeira apresentou dados relevantes. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), existem aproximadamente 228 milhões de hectares de terras abandonadas ou subutilizadas no Brasil. Se essas terras fossem distribuídas entre a população rural brasileira, que consiste em cerca de 30 milhões de pessoas, haveria mais de 7 mil hectares disponíveis para cada uma delas.
A questão da desigualdade de terras no Brasil é alarmante, e a Constituição Federal do país estabelece que a terra deve cumprir sua função social. Quando isso não ocorre, a terra pode ser desapropriada para fins de reforma agrária.
Ele mencionou exemplos bem-sucedidos de programas de reforma agrária em estados como o Ceará e a Bahia, onde o MST tem se destacado na criação de agroindústrias, cooperativas, escolas de período integral e modelos de educação inovadores voltados para agricultores.
Polarização entre agricultura familiar e agroindústria
Teixeira enfatizou a necessidade de superar a polarização entre a monocultura e a agricultura familiar. Esta percepção de conflito parte da divisão entre o Ministério da Agricultura e Pecuária e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, que frequentemente parecem operar em paralelo, com políticas e financiamentos divergentes. Teixeira enfatizou seu compromisso com a integração e complementaridade dessas políticas, reconhecendo a importância da agricultura empresarial no contexto brasileiro.
O ministro destacou que a agricultura de grande escala desempenha um papel fundamental na balança comercial do Brasil e fornece uma parte significativa da produção de alimentos, especialmente proteínas. Em vez de promover a contradição, Teixeira enfatizou a importância de fortalecer a agricultura empresarial, especialmente quando se trata de fornecer alimentos para a população.
No entanto, ele ressaltou a necessidade de criar uma ponte entre os diferentes setores da agricultura e promover a transferência de tecnologia da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) para a agricultura familiar. A agricultura familiar também detém grande potencial de produção de alimentos e pode se beneficiar de inovações e conhecimento já disponíveis no país.
Outro ponto abordado foi a importância de democratizar o acesso à tecnologia, ao crédito e à mecanização no campo. Além disso, enfatizou a importância de evitar que os agricultores familiares se tornem vítimas de intermediários que oferecem preços injustos por seus produtos. Nesse sentido, ele mencionou programas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa de Compras Institucionais, que buscam garantir um preço justo e compradores confiáveis para os agricultores.
Teixeira também mencionou sua relação com setores conservadores no campo e sua abordagem para unir diferentes atores em prol do desenvolvimento do Brasil. Ele enfatizou o compromisso de superar diferenças e destacou o esforço do governo para desbloquear mercados externos, ampliando as oportunidades de exportação do país.
Alimentação saudável e agricultura ecológica
O Brasil, conhecido por sua riqueza agrícola, enfrenta um dilema com a crescente presença de agrotóxicos em sua produção agrícola. Atualmente, cerca de 30% dos agrotóxicos liberados no país são proibidos na União Europeia e em outras regiões do mundo. Além disso, entre 10% e 20% dos agrotóxicos usados no Brasil são classificados como altamente tóxicos, levantando preocupações sobre a contaminação do solo e da água.
A entrevista questionou o compromisso do Ministério com a alimentação saudável e a produção agroecológica, dados os desafios apresentados pelo uso generalizado de agrotóxicos. Pequenos produtores e produtores agroecológicos perdem selos de produção agroecológica devido à pulverização aérea e à contaminação do solo e da água.
O ministro expressou seu compromisso em buscar uma transição para uma produção mais ecológica, destacando que não vê contradição em continuar a produção agrícola em larga escala e fazer essa transição para métodos mais ecológicos. Ele enfatizou a revolução científica em andamento, que está mudando a agricultura de uma base química para uma base biológica, e a aplicação de bioinsumos como substitutos de fertilizantes e agrotóxicos.
Teixeira também destacou a importância de um debate público sobre a redução do uso de agrotóxicos e a transição para práticas mais ecológicas. Ele mencionou a realização de um seminário na UNIFESP em São Paulo e seu convite ao ministro Carlos Fávaro para que ambos possam abrir esse debate a fim de estabelecer medidas de segurança tanto para os agricultores quanto para os consumidores.
Uma das soluções propostas foi a revisão das aprovações de agrotóxicos, especialmente aqueles considerados mais nocivos à saúde. Teixeira enfatizou a importância de fazer essa transição para uma agricultura baseada em insumos biológicos e orgânicos, visando oferecer segurança tanto aos agricultores quanto aos consumidores.
Solidariedade às Vítimas da Violência e Combate às Milícias
Teixeira compartilhou suas opiniões sobre os recentes ataques da extrema-direita a deputados que defendem os movimentos sociais e abordou a preocupante situação das milícias no Brasil. Ele também apontou a fraqueza do Estado na luta contra as milícias que operam no Rio de Janeiro e em outras partes do Brasil.
O ministro destacou a necessidade de intensificar o combate a essas milícias, e ressaltou que o trabalho de inteligência e a integração entre estados e municípios são essenciais para desarticular essas organizações criminosas.
O ministro apontou a importância de uma integração horizontal entre as instituições policiais e o sistema legal. Ele mencionou a necessidade de reformar o sistema penal brasileiro, que, na sua opinião, contribui para a perpetuação do crime.
Além disso, Teixeira falou sobre a mudança de governo e sua posição de combate às milícias, enfatizando a necessidade de proteger os parlamentares e lideranças sociais que lutam por justiça social. Ele mencionou casos de escritórios de deputados invadidos, em Guarulhos e Osasco.
Políticas para a Amazônia
Teixeira discutiu a atual situação da reforma agrária na Amazônia e o compromisso do governo brasileiro em promover o desenvolvimento econômico sustentável aliado à preservação ambiental.
A Amazônia, com sua biodiversidade única e sua importância crítica para o clima global, é uma área de grande preocupação. O ministro explicou que o governo está investindo na compra de produtos de comunidades extrativistas, indígenas e quilombolas. Isso inclui produtos como açaí, castanha, cacau, guaraná e outros, promovendo o extrativismo sustentável na região. Essa abordagem visa criar um mercado para produtos ambientalmente responsáveis e proporcionar uma fonte de renda para as populações locais.
Outro programa relevante é o das “florestas produtivas”, um sistema de agrofloresta baseado na produção agroalimentar associada às florestas. O objetivo é criar um modelo de ocupação que substitua a exploração florestal predatória por uma abordagem de restauração produtiva. Isso inclui culturas como o açaí, tambaqui, castanha, cacau, guaraná e mais. Esses programas têm o potencial de gerar renda sustentável na região e fornecer uma alternativa econômica ao desmatamento.
Teixeira também mencionou a implementação de programas de supervisão e segurança em áreas onde os conflitos agrários são frequentes na Amazônia. O governo está comprometido em garantir a segurança dos assentados. Nesse contexto, ele destacou a reinstituição da ouvidoria agrária.
Além disso, Teixeira falou sobre a importância de programas de cooperativas e a compra de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar. Além disso, Paulo Teixeira destacou que a região da Amazônia é um foco importante para o governo e que programas estão em andamento para criar alternativas econômicas que ajudem a proteger esse precioso ecossistema.
(por Cezar Xavier)