Comício de encerramento de campanha do candidato Sergio Massa | Foto: ANSA

Os argentinos irão às urnas no domingo (22) para eleger o novo presidente, com o país vivendo uma crise herança do governo Macri que submeteu a economia argentina ao jugo do FMI, resultando em descontrole da inflação, desvalorização cambial e aumento da pobreza, pois o governo Alberto Fenández, mesmo resistindo ao arrocho, não conseguiu livrar o país do garrote imposto no governo que o antecedeu.

Sergio Massa, candidato da União pela Pátria, encerrou sua campanha na terça-feira, em uma data emblemática para os peronistas, o Dia da Lealdade, o 17 de outubro, em homenagem às gigantescas manifestações em 1945 exigindo a libertação de Perón, preso poucos dias antes. “Estamos mudando a história. Estamos construindo a vitória da União pela Pátria e no domingo, a qualquer custo, isso se tornará realidade“, ele afirmou a 20 mil pessoas que lotavam o estádio do Arsenal em Avellaneda. Foi ainda a uma fábrica recém recuperada, em Pilar, em que disse aos trabalhadores que “no domingo decidimos se escolhemos um país que defende com convicção o seu projeto de desenvolvimento contra o FMI ou se nos ajoelhamos”.

De acordo com as pesquisas, o eleitorado está bastante dividido, em meio a uma disputa acirrada entre o peronista e atual ministro da Economia, Massa, que vem sendo o gestor da crise; o fascista da motosserra e adepto da dolarização e do fim da educação e saúde públicas, Javier Milei (A Liberdade Avança); e Patrícia Bulrich (Juntos pela Mudança), cúmplice no governo anterior de Macri no desastre da ida ao FMI.

As campanhas se encerraram na quarta-feira (18), com os três tentando esticar no último instante o pescoço. Caso nenhum candidato obtenha 45% dos votos válidos, ou 40% com 10% de diferença sobre o segundo colocado, o pleito irá ao segundo turno no dia 17 de novembro. Também são candidatos Myriam Bregman, da Frente de Esquerda, e o ex-governador de Córdoba, Juan Schiaretti.

Milei, que teve uma ascensão meteórica, continua à frente em 11 de 12 pesquisas realizadas até o dia 11 de outubro, oscilando entre 35,6% e 33%, enquanto Massa aparece em segundo, tendo entre 32,2% e 26%.

Uma pesquisa mais recente apontou Massa na frente com 30,9%, enquanto Milei obteve 26,5%. Foi feita de 10 a 13 de outubro e divulgada pela Atlas Intel. Nas primárias, Massa havia ficado em terceiro, pouco atrás de Bullrich.

Quem está em terceiro, em todas as pesquisas, é a macrista Bullrich, variando entre 21,8% e 28,9%, que busca se manter no páreo.

Faltando três dias para o pleito, Milei, repetindo a estratégia de seus ídolos Trump e Bolsonaro e sem apresentar qualquer prova, acusou que existe em curso uma ‘fraude eleitoral’ contra ele. Aliás, reeditando o que já fizera nas primárias, quando alegou ter sido “roubado entre 2 e 5 pontos”. O Judiciário abriu a investigação devido a uma possível estratégia de “ignorar os resultados de domingo”, registrou o jornal Página 12.

Em paralelo, uma argentina radicada na França, Elena Alfaro, testemunhou perante três juizes ter sido torturada pelo tio da candidata a vice de Milei, Victoria Villarruel, o capitão Ernesto Villarruel, no campo de concentração El Vesuvio.

Ainda, dois parlamentares brasileiros da oposição, um deles, Eduardo Bolsonaro, anunciaram a ida à Argentina em apoio a Milei.

TERRA ARRASADA

Milei fez o encerramento de campanha em uma casa de shows em Buenos Aires, a Movistar Arena, com seus adeptos exibindo cartazes que simulavam notas de dólares gigantes com o rosto dele e cantando “vote em Milei e que dolarize”.

Antes de sua entrada triunfal, foram exibidas inspiradoras imagens de explosões nucleares e prédios implodindo. Como comentou Atílio Boron, só faltou a consigna “viva a morte”. Dessa vez, Milei deixou em casa a motosserra que transformou em símbolo da destruição a que pretende levar a Argentina.

Além da encenação de que vai acabar com a “casta de políticos ladrões” – seu guru, Trump, prometia “aterrar o pântano” -, Milei enalteceu seu receituário – cortar gastos sociais, dar fim ao ensino e saúde públicas, liberar a venda de órgãos, cortar metade dos ministérios, privatizar e dolarizar. E, ainda, insistiu em tirar do esgoto a ditadura argentina e os torturadores, negando que fossem “30.000” os mortos e desaparecidos, seriam “apenas 8 mil”.

Em um dos debates entre candidatos, obrigatório por lei, Milei havia asseverado que, com ele de presidente, “não haveria problemas com o FMI”. E explicou: “porque propomos um ajuste fiscal muito mais profundo do que o deles”.

Bullrich, por sua vez, encerrou sua campanha ao lado do ex-presidente Macri e do também pré-candidato que derrotou nas primárias, o prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta, a quem propôs fazer de chefe de gabinete em caso de vitória.

Buscando alguma diferenciação em relação à Milei, ela se referiu às ofensas do fascista ao Papa Francisco. “Querem romper com o Vaticano justamente quando há um papa argentino. Certamente passarão séculos até que haja novamente um papa argentino. Podemos nós, argentinos, romper com o Vaticano? Que ideias essas pessoas têm?”, questionou.

Quanto ao peronismo, ela fez de conta não saber que foi Macri que levou a Argentina para o buraco, ou melhor, ao FMI, e disse que a inflação, que prometeu apagar, “tem nome e sobrenome, Sergio Massa e Cristina Kirchner”.

Foi Macri, de 2016 a 2019, que endividou a Argentina ao FMI e capitulou diante dos fundos abutres. Já o governo peronista que o sucedeu, de Alberto Fernández, tentou administrar a crise, para o que, crescentemente, se aproximou do agora candidato Sergio Massa. A ex-presidente Cristina Kirchner praticamente foi impedida de concorrer por manobras judiciais sistemáticas arquitetadas pelo macrismo e até ameaçada de morte. O desgaste do atual governo já havia levado Fernández a abrir mão da reeleição.

SOB A PRENSA DO FMI

A eleição vem sendo disputada sob pesada interferência do FMI, que inclusive obrigou o governo argentino, imediatamente após o resultado das primárias, a aumentar a desvalorização do peso em 20%, com todos os prejuízos decorrentes para a população – aliás, o FMI tentou impor uma desvalorização cinco vezes maior, à qual o governo argentino resistiu.

O governo argentino aplicou algumas medidas de compensação, como a devolução do IVA na cesta básica, que imediatamente gerou um aumento no consumo de alimentos.

O governo argentino contou com o apoio do Brasil e da China para a transição desse momento tão difícil, o que permitiu que o país saldasse com o FMI uma parcela que venceu e, também, a apresentação, no BRICS, da proposta de ingresso pleno da Argentina a partir do próximo ano.

A propósito, os dois maiores mercados para as exportações argentinas são o Mercosul e a China, daí as preocupações com a insana intenção de Milei de atrelar o país a Washington.

Quanto ao tema predileto de Milei – o fim do peso e do BC argentino -, como o candidato Massa disse no primeiro debate, o que fascista quer é um modelo de que “foi aplicado no Zimbábue, El Salvador e Equador”. As pequenas e médias empresas – ele acrescentou – “estão condenadas se este homem governar a Argentina”. Sobre isso, a também candidata Bullrich lembrou que “os únicos países que não tem BCs são paraísos fiscais”, tipo ilhas do Pacífico.

Fonte: Papiro