Bombas israelenses alastram devastação em Gaza | Foto: Yahia Hassouna/AFP

As Nações Unidas consideram “impossível” que a evacuação de 1,1 milhão de habitantes do norte de Gaza em 24 horas, ordenada por Israel, “ocorra sem consequências humanitárias devastadoras”, advertiu o porta-voz Stephane Dujarric, pedindo que Tel Aviv rescinda tal ordem de ataque, evitando que o que já é uma situação calamitosa “se transforme em uma tragédia”.

A ordem de evacuação, rumo ao sul, de 1,1 milhão de habitantes de Gaza, foi comunicada à ONU às 18 horas de quinta-feira e, portanto, o prazo se encerra às 18 horas desta sexta-feira (13) pelo horário de Brasília. Em suma, uma reedição da “Nakba” – a expulsão dos palestinos de seus lares em 1948 – “no prazo de 24 horas”.

A ordem de evacuação foi confirmada em um vídeo publicado em redes sociais das forças militares israelenses. A ditadura israelense também ordenou a evacuação do pessoal da ONU na cidade de Gaza, o que forçou a organização a transferir seu centro de operações centrais para o sul do enclave. O pretexto cínico para a evacuação seria “a segurança” dos próprios habitantes da Faixa de Gaza, “evitando” que o Hamas os usasse como “escudos”.

A iníqua ordem inclui os quase meio milhão de pessoas abrigadas em escolas e outras instalações humanitárias da ONU. O Hamas orientou a população palestina a “não se envolver” nessa manipulação, com o porta-voz Salama Marouf chamando o aviso de “propaganda falsa, com o objetivo de semear confusão entre os cidadãos e prejudicar a nossa coesão interna”.

De acordo com o porta-voz do secretário-geral Antonio Guterres, a ONU considera “impossível” que tal movimento ocorra sem “consequências humanitárias devastadoras”, já que sequer haveria tempo hábil para a movimentação de tamanho contingente humano. Brasileiros na Faixa de Gaza, que estão aguardando salvo conduto para voltar ao Brasil, estão apavorados após alerta de evacuação de Israel: “morreremos aqui”.

Na segunda-feira, ao anunciar o cerco total, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, declarou que Gaza “não receberia eletricidade, nem alimentos, nem água, nem combustível”. O que, foi prontamente denunciado, constitui crime de guerra.

A ordem de evacuação da população foi dada na véspera da reunião do Conselho de Segurança da ONU, marcada para debater a crise Israel-Hamas.

Já são mais de 3.100 mortos até o momento no conflito. Na represália ao ataque surpresa do Hamas no dia 7, Israel vem bombardeando Gaza há sete dias, com mais de 1800 palestinos mortos e 6.000 feridos, milhares de casas, prédios e até escolas e mesquitas atingidos, ruínas por toda parte, os hospitais perto de virarem necrotério por falta de água, remédios e combustível para manter os geradores de emergência funcionando. Na investida sem precedentes do Hamas, mais de 1300 israelenses – inclusive 260 civis em um festival musical – foram mortos e 3.000 feridos. Mais de 100 civis e militares israelenses foram capturados – segundo o Hamas, para uma troca por mulheres e crianças palestinas nas prisões israelenses. 13 deles já teriam sido mortos nos bombardeios a Gaza.

A agência da ONU para os refugiados palestinos, UNRWA, alertou que Gaza está rapidamente se tornando um “buraco do inferno” e apelou à proteção dos civis em todo o enclave bloqueado.

Chamando de “horrível” a ordem de Israel para a evacuação de mais de um milhão de palestinos do norte de Gaza nas próximas 24 horas, o comissário-geral da UNRWA, Philippe Lazzarini, disse em um comunicado: “Isso só levará a níveis de miséria sem precedentes e empurrará ainda mais as pessoas de Gaza no abismo”.

“A escala e a velocidade da crise humanitária que se desenrola são assustadoras. Gaza está rapidamente se tornando um inferno e está à beira do colapso”, acrescentou.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu que mover as pessoas que estão em estado grave nos hospitais de Gaza, incluindo aquelas com suporte de respiração, é uma “sentença de morte”.

O Crescente Vermelho, o equivalente no mundo muçulmano da Cruz Vermelha Internacional, anunciou que não se submeterá à ordem e não largará a população à própria sorte.

“SEGUNDA NAKBA”, DENUNCIA ABBAS

Ao secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, em Amã, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, rechaçou “o deslocamento forçado”, o que constituiria uma “segunda Nakba”, referindo-se à limpeza étnica a que os palestinos foram submetidos em 1948, durante a criação de Israel.

A agência de notícias palestina Wafa registrou que Abbas também apelou à criação de “corredores humanitários” para evitar um desastre. O líder palestino alertou ainda para uma catástrofe humanitária na Faixa de Gaza devido à cessação de todos os serviços humanitários e ao encerramento da única central elétrica.

O secretário-geral da Liga Árabe, Aboul Gheit, condenou a ordem de evacuação em Gaza e pediu a Guterres, secretário-geral da ONU, que “use o seu peso político” para prevenir esse “crime de guerra” de Israel. As ações de Israel na Faixa de Gaza – ele acrescentou – “ultrapassam todos os limites razoáveis e constituem uma violação do artigo 49 da Convenção de Genebra que proíbe as transferências forçadas de população”.

A Turquia denunciou a ordem de Israel, assinalando que “forçar a população de Gaza – que foi sujeita a bombardeios indiscriminados durante dias e privada de eletricidade, água e alimentos – a migrar para uma área extremamente limitada é uma violação clara do direito internacional e não tem lugar na humanidade”.

O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, que já havia considerado o “cerco total” a Gaza “violação do direito internacional”, disse na sexta-feira que a ordem de Israel para que mais de um milhão de palestinos se deslocassem para o sul do enclave em 24 horas era “irrealista”.

“Certamente, os civis devem ser avisados sobre as operações militares que se aproximam, mas é totalmente irrealista que um milhão de pessoas possam se deslocar em 24 horas”.

“DIANTE DAS CÂMERAS E AO VIVO”

Segundo a Al Jazeera, milhares fugiram rumo ao sul, “mas não há sinais de êxodo em massa” até a tarde de sexta-feira. O analista de Gaza, Talal Okal, descreveu a ordem israelense como uma “tentativa de empurrar o povo palestino de Gaza para a Nakba”.

“Como fizeram em 1948, quando expulsaram as pessoas da Palestina histórica, jogando barris de explosivos em suas cabeças, hoje Israel está repetindo isso diante dos olhos do mundo e das câmeras ao vivo”.

Para protestar contra a ordem de evacuação e os bombardeios de Israel a Gaza, dezenas de milhares de manifestantes estão indo às ruas em todo o Médio Oriente e noutros locais em apoio aos palestinos, da Jordânia ao Iêmen, passando pelo Iraque, Síria, Tunísia, Líbano e Irã. Também ocorreram atos de repúdio na Indonésia, Venezuela, Japão, Bangladesh, Paquistão e Austrália. Na França, a polícia usou gás lacrimogêneo e canhões de água para dispersar os manifestantes na quinta-feira. Estão marcadas manifestações em Roma, Munique, Istambul e Belgrado, entre outras cidades.

Fonte: Papiro