Mesquita destruída por bombardeio israelense em Khan Yunes, na faixa de Gaza | Foto: AFP

Com a empáfia da máquina militar israelense severamente arranhada pela operação Tempestade de Al Aqsa, além da reputação do Mossad e do ‘Domo de Ferro’, o governo Netanyahu está apostando sua sobrevivência em arrastar a dividida população de Israel para a limpeza étnica em Gaza, já sem luz, água e combustível, e sob “cerco total” e rodadas de bombas sobre a população civil.

“Não haverá eletricidade, comida ou combustível; tudo está fechado”, anunciou o ministro dos assuntos militares israelense, Yoav Gallant, confessando uma punição coletiva contra os 2,3 milhões de habitantes de Gaza, isto é, um crime de guerra. Segundo ele, pode, por estar “lutando contra animais humanos”. Também cortaram a água.

Os bombardeios – “histéricos”, na descrição do correspondente do portal Al Mayadeen –, que já fizeram 130 mil civis buscarem refúgio em 70 escolas da ONU em Gaza, não pouparam sequer residências, mesquitas, escolas ou hospitais, e os palestinos mortos já ultrapassam os 690 e quase 3 mil feridos. Já foram mortas 91 crianças palestinas.

Mais de 60% da população de Gaza são refugiados que já foram etnicamente limpos das suas casas em Israel. Nos bombardeios, a força aérea israelense está usando bombas de fósforo branco proibidas pela lei internacional e bombas termobáricas, segundo a Hispan TV.

O Human Rights Watch classificou como “abominável” o anúncio do cerco total a Gaza. “Privar a população em território ocupado de alimentos e eletricidade é um castigo coletivo, que é um crime de guerra, assim como usar a fome como arma de guerra”, disse Omar Shakir, diretor de Israel e Palestina da HRW, num comunicado.

CHACINAS

19 membros de uma família foram mortos por um ataque aéreo no domingo, que atingiu seu prédio residencial em Rafah, no sul. “Não havia combatentes, esta é uma casa segura, com crianças e mulheres”, disse Abu Quta, de 57 anos, à agência de notícias Associated Press, por telefone.

No campo de refugiados de Jabalia, no norte de Gaza, homens subiram num edifício arrasado para retirar dos escombros o pequeno corpo de uma criança, transportando-o multidão abaixo, entre os restos ainda fumegantes dos edifícios bombardeados. O ataque aéreo deixou dezenas de pessoas mortas e feridas, segundo o ministério da saúde do território e a WAFA.

Famílias inteiras foram destruídas, denunciou a Defense for Children International-Palestina, apontando o exemplo da família Shaban. A família de seis pessoas – incluindo Omar, de 11 anos, Batoul, de sete, Ghada, de 10 anos e o bebê Ahmad – foi dizimada.

A mesquita Yassin, no campo de refugiados de Shati, foi transformada em escombros, assim como outras três. Ataques aéreos arrasaram grande parte da cidade de Beit Hanoon, no canto nordeste do enclave.

Mohammed Abu Mughaiseeb, dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), disse à Al Jazeera que “a situação entrará em colapso nos hospitais” se as coisas não se acalmarem dentro de alguns dias, ou a menos que haja uma “trégua humanitária”. Atualmente – ele acrescentou – “não há lugar seguro” em Gaza e os civis estão apenas se tornando “números adicionais” ao total de mortos.

A Ministra da Saúde palestina em Ramallah, Mai al-Kaila, apelou à comunidade internacional para intervir para parar a agressão da ocupação “aos centros de tratamento, às ambulâncias e às equipes médicas na Faixa de Gaza. A ocupação bombardeia deliberadamente hospitais e ambulâncias, matando e ferindo tripulações. Esta é uma violação clara e significativa das todas as leis e normas internacionais”, disse ela.

“OCUPAÇÃO DE 56 ANOS”

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, instou as partes relevantes a permitir o acesso das Nações Unidas para prestar assistência humanitária urgente aos civis palestinos presos e indefesos em Gaza e apelou à comunidade internacional para mobilizar apoio humanitário imediato.

Segundo Guterres, o último episódio de violência não “surge do nada”, mas de um conflito de longa data, com uma “ocupação de 56 anos” e sem fim político à vista.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, salientou que o único caminho viável para a segurança no Oriente Médio é a solução de Dois Estados, como delineado nas resoluções do Conselho de Segurança da ONU, acrescentando que nem Israel e nem Washington parecem comprometidos com ela. “Reprimir o extremismo sem criar um Estado palestino viável não pode trazer a paz”, sublinhou.

São 75 anos do “Nakba”, há 56 anos Israel se recusa a cumprir a resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, de retirar suas tropas dos territórios ocupados em 1967, são 49 anos do reconhecimento da OLP como representante do povo palestino pela Assembleia Geral da ONU, 36 anos desde a primeira Intifada, 30 anos desde os Acordos de Oslo e, ao longo desse tempo, os governos de Israel, com o suporte de Washington, seguiram marchando passo a passo para o apartheid, a imposição de um bantustão e a recusa a deixar de ver os palestinos como “sub-humanos”. Agora, o que está em pauta é a oficialização do apartheid e da ameaça de ocupação supremacista contra a mesquita de Al Aqsa.

Na manhã de quinta-feira (dois dias antes da Tempestade de Al Aqsa), mais de 800 colonos israelenses invadiram o Complexo da Mesquita, sob a proteção total das forças israelitas. Em 1987, a Segunda Intifada foi desencadeada pelo então primeiro-ministro Sharon, que fez uma visita provocativa à mesquita. Ao longo de duas décadas, a população dos assentamentos de colonos israelenses na Cisjordânia – que violam a lei internacional – praticamente dobrou, para 650 mil, bem como o número de assentamentos.

‘INICIATIVA’ TRUMP/BIDEN

Desde o governo Trump, os EUA vem trabalhando abertamente para revogar a resolução 242, através do esvaziamento da Iniciativa Árabe pela Paz, de 2002, encabeçado pela Arábia Saudita e endossada pelo conjunto dos países árabes, que previa a troca por terra da normalização das relações árabes-israelenses, da segurança, ou seja, pelo respeito às fronteiras de 1967 e o reconhecimento de Israel ao Estado Palestino viável com capital em Jerusalém Oriental.

Uma política de crimes diários em lugar das negociações de paz, no essencial mantida pelo governo Biden, que nas últimas semanas tem pressionado Riad intensamente no sentido de abrir mão da solidariedade árabe ao povo palestino. Esvaziada a Iniciativa Árabe pela Paz, o que sobra para os palestinos é apartheid e/ou bantustão. Não há como sustentar paz com isso, as ruas árabes não permitirão. E sem paz, não há segurança para os israelenses – nem sob a proteção do porta-aviões Gerald Ford, nem na crença de alguns num Estado-gueto, de prosperidade cercada pela miséria e opressão.

Essa política de Biden, também de olho nas presidenciais do próximo ano, converge para a necessidade de Netanyahu de apostar no único salvo-conduto disponível para escapar da deposição e prisão por corrupção, que vinha sendo exigida nas ruas há semanas. O que neste momento significa tornar Gaza, há 16 anos o maior campo de concentração a céu aberto do mundo, em uma “ilha de ruína” e palco da revanche.

FORA NETANYAHU JÁ, PEDE HAARETZ

O jornal israelense, Haaretz, defendeu nesta segunda-feira (9) o afastamento imediato do primeiro-ministro Netanyahu. “Existe um perigo claro e presente de que todas as suas decisões em tempo de guerra contra o Hamas sejam poluídas por considerações pessoais, jurídicas e políticas mesquinhas”, diz o jornal em texto assinado por Alon Pinkas.

“Benjamin Netanyahu deveria ser afastado do cargo de primeiro-ministro imediatamente – não “depois da guerra”, não depois de um acordo judicial no seu julgamento por corrupção, não depois de uma eleição. Agora”, afirmou o colunista israelense.

No domingo, em editorial, o Haaretz considerou Netanyahu o responsável principal pela eclosão da guerra em Israel ao, através da nomeação de Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir a posições-chave, conformar um “governo de anexação e desapropriação” e que “ignora abertamente a existência e os direitos dos palestinos”. Com repercussões claras no modo como as forças armadas israelenses “percebem e, consequentemente, subestimam seu oponente e suas capacidades”.

Fontes do Egito, inclusive, asseveraram ter alertado o lado israelense de que “algo grande estava para acontecer”. Segundo divulga o portal do jornal, também israelense, Ynet, em um dos alertas, o ministro da Inteligência do Egito, general Abbas Kamel, telefonou pessoalmente para o premiê Benjamin Netanyahu dez dias antes do ataque surpresa do Hamas. Netanyahu foi informado que de Gaza provavelmente se faria “algo incomum, uma operação terrível”, segundo o site Ynet.

Autoridades egípcias dizem ter ficado chocadas com a indiferença de Netanyahu.

Governo de Israel nega ter sido avisado, mas o fato é que a incursão do Hamas surpreendeu os israelenses, chegaram a tomar sete assentamentos, uma base militar, o total de mortos israelense beirou os 900, enquanto o sistema antiaéreo Domo de Ferro foi suplantado sob o influxo de 5 mil foguetes.

Fonte: Papiro