Tarcísio já sabe que venda da Sabesp não vai baixar tarifas de água
Amauri Pollachi e Helena Maria da Silva tiveram acesso a uma pesquisa inédita do governo de São Paulo, solicitada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), revelando que a privatização da Sabesp, a empresa de saneamento básico do Estado de São Paulo, não será capaz de reduzir os custos das tarifas para o consumidor. Ele é diretor da Associação de Profissionais Universitários da Sabesp – APU e ela é vice-presidente do Sintaema (Sindicato dos trabalhadores em água, esgoto e meio ambiente do estado de São Paulo).
A reportagem participou da entrevista coletiva organizada pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé nesta sexta-feira (15), que ressaltou os enormes riscos, alguns que já são sentidos, conforme o processo de venda da empresa se aproxima. A entrevista revelou uma série de preocupações em relação à privatização da Sabesp, incluindo a possível deterioração dos serviços, a falta de transparência no processo e a necessidade de garantir o acesso universal à água.
Anderson Guahy, representante da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) na coordenação do Barão de Itararé, ressaltou que estão em andamento esforços para envolver a população na discussão por meio de um plebiscito popular, buscando coletar um milhão de votos até o final do mês. Além disso, três categorias estão se preparando para uma greve geral em outubro para denunciar o projeto privatista.
Ele destacou a proposta do governador eleito de São Paulo, Tarcísio, de privatizar a Sabesp, o Metrô e a CPTM, criticando a forma como isso está sendo conduzido, suprimindo a opinião pública e ignorando questões ambientais e de recursos hídricos.
Ele enfatizou que nenhuma privatização no setor de saneamento do país resultou em redução das tarifas, melhoria nos serviços ou universalização do acesso.
Anderson também criticou a falta de transparência na abordagem do governo estadual, apontando que Tarcísio utiliza dados questionáveis para justificar a privatização, como alegações infundadas sobre o tratamento de esgoto em municípios atendidos pela Sabesp.
Estudo Revelador
Uma revelação surpreendente durante a entrevista foi a informação de que o governo contratou uma empresa privada por quase 50 milhões de reais, sem licitação, para realizar um estudo sobre a privatização da Sabesp. Segundo Anderson, o estudo concluiu que a única maneira de manter as tarifas baixas após a privatização seria usar o dinheiro da venda para subsidiar a conta de água, o que seria insustentável a longo prazo. Ele comparou que isto seria como usar o dinheiro da venda de uma casa para pagar o aluguel de outra.
Ele questionou a escolha de uma empresa privada em vez de especialistas em saneamento que já atuam no setor. Essa revelação levanta sérias preocupações sobre a transparência e a imparcialidade do processo de privatização.
Amaury Polack, que também é membro do Conselho de Orientação do ONDAS (Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento), enfatizou que o acesso à água é um direito humano e que a privatização não traria vantagens para a população. Ele destacou a existência de tarifas sociais e vulneráveis atualmente na Sabesp, que são políticas importantes para garantir o acesso de todos à água.
Helena destacou a importância da divulgação de informações para uma discussão séria sobre o assunto e reforçou a relevância do acesso universal à água como um direito humano fundamental.
O Impacto nos Serviços e na População
Amauri destacou inicialmente a importância de reconhecer a água como um direito humano fundamental. Ele ressaltou que o acesso à água segura e de qualidade é crucial para a saúde e a dignidade de todos, incluindo as pessoas em situação de vulnerabilidade, como os moradores de rua. Nesse contexto, ele mencionou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, a qual visa estabelecer o acesso à água como um direito de todos os cidadãos brasileiros.
Atualmente, a Sabesp oferece tarifas sociais de água e esgoto, garantindo que as famílias em situação de precariedade social tenham acesso a esse recurso essencial a preços acessíveis. Por exemplo, uma família que consome 10 mil litros de água por mês paga aproximadamente R$ 27,00. Há também a chamada “tarifa vulnerável,” que oferece preços ainda mais baixos (R$ 17,00 por mês para 10 mil litros de água) para as pessoas em condições de extrema miséria. Essas políticas de tarifação social têm sido fundamentais para garantir o acesso à água em São Paulo.
O especialista ressaltou que essa abordagem de tarifação social não é comum em casos de privatização do saneamento básico. Ele argumentou que a privatização da Sabesp pode prejudicar o acesso à água para as camadas mais vulneráveis da sociedade, já que empresas privadas tendem a buscar lucros e podem não estar dispostas a manter políticas de tarifação social.
Um dos pontos de destaque na entrevista foi a contratação do International Finance Corporation (IFC), um braço do Banco Mundial, para avaliar a viabilidade da privatização. Amauri questionou por que essa contratação foi feita por meio de dispensa de licitação, especialmente considerando que existem diversas empresas e bancos que poderiam realizar esse tipo de trabalho. Ele também criticou o relatório do IFC por apresentar argumentos simplistas em favor da privatização, argumentando que uma análise mais aprofundada dos dados desmontaria essas justificativas.
O modelo de privatização proposto para a Sabesp foi comparado ao da Eletrobras, no qual o Estado vende um lote de ações no mercado. A diferença crucial, no entanto, é que, no caso da Sabesp, a venda desse lote de ações provavelmente ficaria nas mãos de apenas dois ou três grandes grupos financeiros, levantando questões sobre a concentração de poder e influência no setor de saneamento básico.
Ele também alertou para a deterioração dos serviços da Sabesp, mencionando que a empresa está evitando fazer contratos que ultrapassem julho de 2024, o que sugere uma falta de compromisso com a qualidade dos serviços a longo prazo.
Em resumo, a privatização da Sabesp é vista com preocupação pelo [Nome do Entrevistado], que acredita que esse modelo pode comprometer o acesso à água e a qualidade dos serviços, especialmente para os mais vulneráveis. A discussão sobre o futuro da Sabesp continua a despertar debates acalorados e requer uma análise cuidadosa dos potenciais impactos sobre a população e a prestação de serviços essenciais.
Manipulação de números
A discussão sobre a privatização da Sabesp tem sido marcada por afirmações controversas por parte do governo estadual. Os especialistas desvendam a manipulação de números usada para justificar a privatização.
O governador de São Paulo, Tarcísio, argumenta que a privatização da Sabesp anteciparia a universalização do saneamento para 2029, quatro anos antes da meta original estabelecida para 2033. No entanto, especialistas apontam para a falta de clareza e precisão nesses números. Helena, uma das especialistas entrevistadas, ressaltou que dos 375 municípios atendidos pela Sabesp, 305 já alcançaram a universalização do saneamento, ou seja, 100% de água, 100% de coleta de esgoto e 100% de tratamento de esgoto. Esses municípios são chamados de “municípios 300%” devido à excelência dos serviços oferecidos.
Os demais municípios que ainda não atingiram a universalização não podem ser automaticamente considerados um problema da Sabesp. A empresa possui capacidade técnica para universalizar o saneamento, mas frequentemente encontra barreiras, como áreas invadidas e comunidades não regularizadas pela prefeitura, que impedem o avanço do trabalho de saneamento.
Além disso, existem contratos e projetos já estabelecidos que prevêem a antecipação da universalização do saneamento. Portanto, a afirmação de que a privatização é a única forma de acelerar o processo é questionável, de acordo com eles.
Amauri destacou a importância do equilíbrio entre atendimento social e resultados financeiros na gestão da Sabesp. A empresa tem quase metade de suas ações negociadas nas bolsas de São Paulo e Nova York, o que a levou a manter um equilíbrio entre suas obrigações sociais e a geração de lucro para seus acionistas. Esse equilíbrio permitiu que a Sabesp universalizasse serviços em municípios de pequeno porte, muitos dos quais não seriam economicamente viáveis para empresas privadas.
A privatização da Sabesp levanta preocupações sobre como as empresas privadas gerenciariam o saneamento básico. Os especialistas alertaram que, ao buscar lucro, as empresas privadas podem aumentar tarifas e adotar uma abordagem mais agressiva durante crises hídricas, ao contrário do que a Sabesp fez durante a crise de 2014-2015, quando incentivou a economia de água e ofereceu bônus para quem reduzisse o consumo.
Outra manipulação de números mencionada na entrevista foi a afirmação de que a privatização atingiria 10 milhões de pessoas. Especialistas explicaram que essa cifra é obtida somando-se pessoas que precisam de água, coleta de esgoto e tratamento de esgoto, e não representa uma única população afetada. A falta de clareza na apresentação desses números levanta questões sobre a transparência da proposta de privatização.
A luta da população periférica
A privatização da Sabesp gera debates sobre os efeitos em comunidades periféricas da capital e em municípios vizinhos. Os especialistas em saneamento básico destacam preocupações sobre a qualidade da água e discutem estratégias para frear a privatização.
Helena expressou sua preocupação com a qualidade da água que chega às torneiras das casas, especialmente para as comunidades que já enfrentam desafios significativos. Ela apontou que, devido à busca por economia para atender aos investidores, a Sabesp tem terceirizado a manutenção dos serviços, muitas vezes recorrendo a empreiteiras que podem não possuir a capacitação necessária. Esse processo de terceirização levou a reclamações frequentes da população devido à qualidade dos serviços prestados.
Além disso, Helena alertou para a possibilidade de que, em uma eventual privatização, a empresa priorize o lucro em detrimento da qualidade dos produtos utilizados no tratamento de água. A qualidade da água é crucial para a saúde preventiva da população, e qualquer redução nesse aspecto pode representar riscos significativos.
Maurício, por sua vez, complementou a discussão destacando que a Sabesp já possui planos e investimentos para alcançar a universalização dos serviços de água e esgoto até 2029. Portanto, a afirmação de que a privatização anteciparia essa meta é questionável. Ele enfatizou a importância de se manter o equilíbrio entre atendimento social e resultados financeiros, algo que a Sabesp conseguiu alcançar ao longo dos anos.
Quando se trata de impedir o avanço da privatização, a população tem um papel crucial a desempenhar. Helena destacou a importância de assinar o plebiscito contra a privatização e de participar de manifestações e audiências públicas. A coleta de um milhão de assinaturas é um objetivo ambicioso, mas representa um forte indicativo de que a população é contra a privatização.
Maurício também enfatizou a importância dos movimentos sociais, das entidades da sociedade civil e da mobilização nas comunidades periféricas. Ele observou que a população preta e pobre, que reside principalmente nessas áreas, será impactada de forma significativa pela privatização, pois o atendimento dessas comunidades não é prioritário para empresas em busca de lucro.
No contexto da privatização da Sabesp, é fundamental que a voz da população seja ouvida e que seus interesses sejam adequadamente representados.
Perda de Conhecimento Técnico
A privatização não envolve apenas questões econômicas e políticas; também suscita preocupações profundas sobre a preservação do conhecimento técnico acumulado ao longo de décadas. Os especialistas abordaram o risco de perda desse conhecimento e suas implicações para o setor nacional de saneamento, engenharia, tecnologia e, por extensão, o desenvolvimento do país.
Amaury destacou que o risco de perda de conhecimento técnico é evidente. Ele observou que a Sabesp é reconhecida como a maior empresa de saneamento das Américas e que seus funcionários viajaram pelo mundo para compartilhar e adquirir conhecimento técnico. No entanto, sob a atual direção da empresa, a valorização do conhecimento técnico parece estar em declínio, com a contratação de “paraquedistas” em cargos de destaque, muitos dos quais carecem da experiência necessária para compreender as complexidades do saneamento básico.
A perda desse conhecimento técnico pode ter consequências significativas para a operação eficaz dos serviços de saneamento. Amaury deu um exemplo de como a Sabesp, ao longo dos anos, conseguiu reduzir drasticamente o número de mortes de trabalhadores que entravam em Postos de Visita (PVs) devido à presença de gás metano. Esse é apenas um exemplo do tipo de conhecimento que pode estar em risco com a privatização da empresa, uma vez que as empreiteiras terceirizadas frequentemente não fornecem a mesma formação e qualificação aos trabalhadores.
Além disso, ele ressaltou que a engenharia nacional também enfrentará desafios sob a privatização. A privatização tende a levar à verticalização dos serviços, com empresas estrangeiras contratando suas próprias equipes de engenheiros e priorizando seus interesses. Isso pode prejudicar os engenheiros brasileiros e as empresas nacionais que atualmente prestam serviços à Sabesp.
Helena destacou a importância da preservação desse conhecimento técnico, que contribuiu para melhorar a segurança e a qualidade dos serviços de saneamento ao longo dos anos. Ela enfatizou que as empreiteiras terceirizadas frequentemente não oferecem a formação adequada aos trabalhadores, colocando em risco suas vidas e a qualidade dos serviços prestados.
Parcerias Público-Privadas
As Parcerias Público-Privadas (PPPs) têm sido consideradas como uma alternativa à privatização sobre o melhor modelo de gestão para o saneamento básico em São Paulo. A eficácia das PPPs em comparação com a privatização e as implicações para o interesse público foram discutidas pelos especialistas.
Um conselheiro nacional de recursos hídricos argumentou que as PPPs fazem mais sentido do que a privatização, pois combinam participação privada e controle estatal. Com quase 50% de participação privada, as PPPs visam estimular o funcionamento adequado da empresa, enquanto os 50% de controle governamental buscam garantir resultados sociais.
Amaury esclareceu que as PPPs podem ser uma alternativa viável, especialmente em casos específicos, como a implantação de sistemas de esgoto sanitário em regiões delimitadas. Ele destacou que as PPPs podem oferecer um equilíbrio entre o setor público e privado, desde que sejam bem administradas e supervisionadas.
No entanto, o debate sobre PPPs versus privatização levanta várias questões críticas. Uma delas diz respeito ao preço dos serviços de saneamento. O estudo mencionado na entrevista afirmou que é impossível reduzir as tarifas sem subsídios, considerando que o saneamento tem sido prestado com o objetivo de gerar lucro para os acionistas. A preocupação é se as PPPs terão uma função mais orientada para o lucro do que para o benefício social.
Além disso, a discussão se estende ao nível de proteção que o marco regulatório do saneamento e os contratos de privatização garantem para o interesse público. Eles questionam se as PPPs ou a privatização podem realmente assegurar a manutenção de tarifas sociais, subsídios cruzados e tarifas mais baixas.
Amauri e Helena, os entrevistados, enfatizaram a importância de encontrar um equilíbrio entre resultados financeiros positivos e resultados sociais no setor de saneamento. Eles argumentaram que é possível renegociar contratos para estender prazos e amortizar ativos, o que poderia levar a uma redução nas tarifas de saneamento.
Condições de trabalho
Enquanto as negociações sobre a privatização da Sabesp em São Paulo avançam, questões cruciais surgem, como o impacto na tarifa de água e nas condições de trabalho dos profissionais do saneamento.
Foi discutido o cenário de privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE) e os efeitos dessa mudança na tarifa de água em Campo Grande (MS). Os participantes da entrevista também destacaram a importância da qualidade da água em relação à saúde pública, uma vez que a água não é apenas um bem universal, mas também um recurso essencial para a população.
Amauri trouxe à tona exemplos de privatizações de serviços de saneamento em outros países, como a Argentina e o Reino Unido. Ele ressaltou que, muitas vezes, as privatizações resultaram em uma deterioração dos serviços de saneamento devido à falta de investimento e à busca pelo lucro. Ele alertou para os perigos desse caminho, especialmente quando se trata da qualidade da água.
Além disso, a preocupação com a tarifa de água também foi discutida. Os entrevistados questionaram se a privatização levaria a um aumento nas tarifas, uma vez que as empresas privadas buscam lucro e retorno financeiro para os acionistas. A experiência internacional mostrou que, em muitos casos, as tarifas de saneamento aumentaram após a privatização, deixando os consumidores com custos mais elevados.
Helena abordou o impacto da privatização nos trabalhadores do setor de saneamento. Ela descreveu uma atmosfera de incerteza e instabilidade entre os funcionários da Sabesp, causada pelas mudanças constantes na gestão da empresa. Com a privatização, os trabalhadores não sabem se manterão seus empregos, em que condições e com que empresas.
A situação tornou-se ainda mais complexa devido à terceirização crescente, que tem afetado a estabilidade dos empregos e o conhecimento técnico acumulado ao longo dos anos. A incerteza sobre o futuro tem gerado ansiedade e preocupação entre os trabalhadores.
A resistência dos trabalhadores e dos sindicatos tem sido uma resposta ao movimento de privatização. Eles têm recorrido a ações jurídicas, buscado apoio do Ministério Público e organizado greves para protestar contra as privatizações. A luta não é apenas pelo futuro de seus empregos, mas também pela qualidade dos serviços de saneamento e pela tarifa acessível para a população.
(por Cezar Xavier)