Hunka, o aplaudido por Trudeau e Zelensky, em uniforme nazista na 2ª Guerra (de pé ao centro) | Foto: Arquivo no twitter de Ivan Katchanovsky

O ministro da Educação polonês, Przemyslaw Czarnek, anunciou que irá pedir a extradição do nazista ucraniano da SS que foi ovacionado na semana passada pelo parlamento canadense, em meio à recepção ao presidente Volodymyr Zelensky pelo primeiro-ministro Justin Trudeau. A “homenagem” foi recebida com asco e espanto no mundo inteiro, e foi condenada pela ONU, Rússia, Polônia e entidades judaicas.

Yaroslav Hunka, de 98 anos, um de dois mil nazistas acolhidos no pós-guerra pela Ucrania, lutou pela 14ª Divisão de Granadeiros Waffen da SS hitlerista, também conhecida como 1ª Divisão Galizien, unidade que cometeu atrocidades contra civis soviéticos, poloneses e judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

“Tendo em conta os acontecimentos escandalosos no Parlamento canadense, que envolveram a homenagem, na presença do presidente Zelenskyy, a um membro da formação criminosa nazista SS Galizien, tomei medidas para a possível extradição deste homem para a Polônia”, disse Czarnek. Em uma postagem na mídia social na terça-feira.

Ele dirigiu uma carta ao Instituto de Memória Nacional (IPN) – que é um órgão histórico do governo que possui poderes de acusação – exigindo uma investigação, para “estabelecer urgentemente se Yaroslav Hunka é procurado por crimes contra a nação polonesa ou contra os poloneses de origem judaica”. Tais crimes – enfatiza a carta – “constituem motivo para solicitar ao Canadá a sua extradição”.

Também o vice-ministro das Relações Exteriores da Polônia, Arkadiusz Mularczyk, repudiou a “homenagem”, lembrando que a Waffen SS esteve entre as unidades alemãs que mais cometeram crimes de guerra durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente contra poloneses e judeus. “A falta de uma condenação clara destes indivíduos e, ao mesmo tempo, glorificá-los é uma grande vergonha”.

Mularczyk acrescentou à agência de notícias PAP que o escândalo mostra que existem “questões não resolvidas… na história da Ucrânia”, que ficou marcada pela “falta de lidar com o passado criminoso, escondendo o seu passado e, em algumas situações, até mesmo pela glorificação”.

A Rússia, através do porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que as autoridades canadenses estão obrigadas a levar à justiça o criminoso de guerra da 14ª Divisão de Granadeiros da Waffen SS Galizien ou entregá-lo a quem estiver disposto a levá-lo à justiça.

“Ouvimos declarações da Polônia de que também vão iniciar a questão de processar este nazi perante a lei. Não pode haver prescrição para tais crimes, isso é óbvio”, acrescentou.

NEONAZIS DE KIEV

“O vício do regime de Kiev na ideologia nazista não é novo. Isso é algo sobre o qual falamos há muito tempo. O fato de Zelensky também ter se levantado e aplaudido o nazista confirma mais uma vez isto. E, claro, só podemos simpatizar com a memória dos veteranos ucranianos que lutaram contra o fascismo, incluindo o avô de Zelensky”, disse Peskov.

Para além do escândalo imediato, a ovação a um criminoso de guerra foragido e homiziado no Canadá, na recepção a Zelensky, reforça a denúncia da Rússia do caráter abertamente neonazista do atual regime instaurado pelo golpe de 2014 em Kiev, de que é expressão terem alçado colaboracionistas de Hitler à condição de “patriarcas da Ucrânia”. 

A tentativa de Trudeau de se distanciar o máximo possível do escândalo e alegar que nada sabia não funcionou, não só pelo entusiasmo mostrado na homenagem, como pela indiscrição da filha do nazista, que publicou uma postagem com a foto dele e a legenda “Dedo [avô] está esperando na sala de recepção por Trudeau e Zelensky”.

Diante do clamor pela extradição, vindo de várias partes do mundo, o procurador-geral canadense, Arif Virani, se fez de desentendido. “Um processo de extradição é um assunto delicado”, ele disse ao portal Politico. Ele se recusou a entrar em detalhes, argumentando que isso “colocaria em risco a investigação”.

Uma investigação nem tão difícil assim: uma associação de ex-integrantes da Waffen SS Galizien, esta, nos EUA, motivada pela calorosa homenagem, divulgou fotos de Hunka, devidamente uniformizado, em Munique e na Polônia.

ESCONDERIJO DE NAZIS

À Sputnik, o lendário caçador de nazistas, Efraim Zuroff, do Centro Simon Wiesenthal, e diretor do escritório da entidade em Israel, disse que “não é segredo que centenas, senão milhares de pessoas que cometeram crimes do Holocausto e/ou colaboraram com os nazistas conseguiram emigrar para o Canadá”.

“E, a propósito, o Canadá não é uma situação única”, acrescentou. “Dez mil criminosos de guerra nazistas emigraram para os Estados Unidos, milhares para a Austrália, a Grã-Bretanha e, em menor número, para a Nova Zelândia”.

Zuroff disse que é bem documentado que a Divisão Waffen SS Galizien estava “muito envolvida no assassinato em massa de judeus e poloneses no leste da Polônia e na Galiza”.

“E é uma coisa muito triste que os heróis, a liderança dos nacionalistas ucranianos durante a Segunda Guerra Mundial, que foi liderada por Stepan Bandera, por exemplo, e a UPA, o exército criado pelos ucranianos para lutar junto com os alemães, com os Waffen SS, liderado por Roman Shukhevych, estes são os atuais heróis da Ucrânia”, destacou o caçador de nazistas.

“É do conhecimento geral que a Alemanha nazi desempenhou o papel principal no Holocausto – o assassinato sistemático de judeus europeus, patrocinado pelo Estado, na Segunda Guerra Mundial. Os Einsatzgruppen da Alemanha nazista, unidades móveis de extermínio organizadas pelas SS (encarregadas da “solução final” da questão judaica, ou seja, o genocídio), cobriram uma área de Tallinn, no norte da Estônia, até Odessa, perto do Mar Negro, numa frente de 1.500 quilômetros, e assassinaram 1,5 milhão, principalmente judeus, em menos de dois anos”, disse o especialista.

“Havia apenas vários milhares de pessoas que serviam nos Einsatzgruppen e trabalhavam num território cujo idioma não conheciam, não conheciam a topografia. Precisavam da ajuda dos habitantes locais”, explicou. “E foram eles [os moradores locais] que cometeram esses assassinatos, em muitos casos sem a presença de nenhum alemão. Sabemos na Lituânia, por exemplo, que havia menos de mil alemães na Lituânia. Na Lituânia, havia 220 mil judeus que viviam sob a ocupação nazista, dos quais 212 mil foram assassinados, 90% deles a tiros perto de suas casas.”

BATALHÃO NACHTIGALL

Da mesma forma, a Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) e o Exército Insurgente Ucraniano (UPA) liderado por Stepan Bandera e Roman Shukhevych colaboraram com os alemães e estiveram envolvidos no genocídio dos judeus e de outras minorias étnicas no território da República Soviética Ucraniana ocupada pelos nazistas.

Em particular, o Batalhão Nachtigall, composto quase exclusivamente por ativistas da OUN-B servindo em uniformes alemães sob o comando de Shukhevych, realizou fuzilamentos em massa de judeus perto de Vinnitsa em julho de 1941. Pelo menos 58 pogroms foram documentados em cidades do oeste da Ucrânia, o número estimado de cujas vítimas variam entre 13.000 e 35.000. De 29 a 30 de setembro de 1941, as forças nazistas e seus colaboradores ucranianos executaram quase 34 mil judeus em Babi Yar, uma ravina na capital ucraniana, Kiev.

Desde 1943 e até à chegada do Exército Vermelho Soviético, os colaboradores nazis ucranianos também realizaram limpezas étnicas massivas de poloneses na Volínia e na Galiza, que custaram a vida a pelo menos 88.700 pessoas, incluindo mulheres, crianças e idosos.

Ainda segundo Zuroff, o Canadá “falhou miseravelmente” em levar os criminosos nazistas à justiça, inclusive admitindo a tese da “falta de escolha senão cumprir ordens superiores”, rechaçada na jurisprudência de Nuremberg.

GLORIFICAÇÃO É INACEITÁVEL

Para Zuroff, a glorificação do nazismo é inaceitável. “Como você pode glorificar pessoas que são assassinas em massa? O que você acha que os judeus sentem, como você acha que os poloneses se sentem, quando alguém como Shukhevych é transformado em herói nacional, e Bandera, e outros? Essas pessoas lutaram com os nazistas por uma vitória do Terceiro Reich, o regime mais genocida da história da humanidade. E, portanto, eles não podem ser heróis”, disse o caçador de nazistas.

“Meu mentor e orientador para meu mestrado e doutorado na Universidade Hebraica em Estudos do Holocausto foi o professor Yehuda Bauer. E há vários anos, ele deu uma palestra sobre a distorção do Holocausto. E ele disse, muito simplesmente: ‘As nações querem uma história confortável e favorável.’ E se a história deles não é realmente muito feliz ou muito boa, eles inventam uma história diferente. Então é exatamente isso que está acontecendo na Ucrânia. As pessoas que eles estão transformando em heróis nacionais são assassinos em massa. E se eles assassinaram judeus, aparentemente ninguém se importa, ou se eles assassinaram poloneses, aparentemente ninguém se importa”, concluiu o Dr. Zuroff.

MONUMENTOS AO NAZISMO

O escândalo tem chamado a atenção para outros aspectos da convivência do Canadá com essas raízes nazistas. Assim, a vice-primeira-ministra canadense, Chrystia Freeland, é neta de Mikhail Jomyak, um  colaborador nazi que editou o Krakivski Visti, um jornal de propaganda nacional-socialista e antissemita  que foi publicado pela primeira vez na Cracóvia (Polônia) e depois em Viena durante a Segunda Guerra Mundial.

Segundo o Toronto Sun, há no Canadá vários monumentos comemorativos da 14ª divisão Waffen SS e de um colaborador ucraniano da Wehrmacht, reverenciado na Ucrânia como herói nacional.

Uma estátua gigante em homenagem àqueles que serviram na 14ª Divisão SS ou “Galizien” durante a Segunda Guerra Mundial foi erguida na cidade de Oakville na década de 1980, segundo a mídia canadense. Ela está localizada dentro do Cemitério Ucraniano de St. Volodymyr, na cidade de Oakville, entre as bandeiras canadense e ucraniana.

Existem pelo menos duas outras estátuas no Canadá em homenagem aos ucranianos que lutaram ao lado do exército nazista. Em Edmonton, há uma estátua – parcialmente financiada pelos contribuintes – de Roman Shukhevich, um colaborador nazista. Uma segunda dedicada à 14ª Divisão SS está localizada em um cemitério em Edmonton.

A questão, advertiu a porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova, é que o Canadá “está na vanguarda daqueles que no Ocidente falsificam ativamente a história da Segunda Guerra Mundial”.

 “A russofobia atingiu um nível tão clínico que eles estão dispostos a declarar até mesmo uma formação das SS como seus atuais aliados na luta contra a Rússia. Além disso, o Canadá está financiando e treinando os herdeiros ideológicos da Galiza, que fazem parte das forças armadas ucranianas”.

A porta-voz criticou, ainda, o fato de “não haver um único deputado antifascista” no parlamento canadense que tenha deixado a câmara para protestar “contra a traição da sua própria história e da memória das dezenas de milhares de canadenses que morreram na guerra contra o nazismo alemão.”

Fonte: Papiro