O Brasil deixou de arrecadar R$ 215 bilhões num único ano em função de isenções fiscais para 24 mil organizações (pessoas jurídicas). Desse total, R$ 99 bilhões correspondem a incentivos para apenas 26 empresas. Cada uma delas ganhou ao menos R$ 1 bilhão em benefícios do governo Jair Bolsonaro (PL) em 2021.

Os dados da “caixa-preta das renúncias fiscais” foram revelados pela Receita Federal a pedido do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Alguns benefícios fiscais têm um sentido mais razoável, como aqueles relacionados à Zona Franca de Manaus e à atuação em regiões como a Amazônia e o Nordeste – o que reduz as desigualdades regionais no País. A Samsung e a LG, por exemplo, tiveram incentivos por instalarem suas fábricas em Manaus.

Mas boa parte dessas empresas ficou isenta de pagar tributos federais, como IPI, PIS e Cofins, sem apresentar contrapartidas claras. Esses três impostos devem ser extintos com a reforma tributária, inviabilizando algumas modalidades de isenção.

Entre as 26 empresas, há duas criadas como estatais no governo Getúlio Vargas à frente do ranking. A Petrobras, hoje uma empresa mista, de capital aberto, que tem a União como acionista majoritário, teve R$ 29 bilhões em renúncia fiscais. A companhia foi seguida pela Vale S.A., a multinacional da mineração, que acumulou R$ 19 bilhões em incentivos.

O setor automotivo mostra força na lista, com sete das 26 empresas – Fiat, General Motors, Volkswagen, Mercedes-Benz, Scania, Renault e Volvo. Nesse caso, como não existem montadoras nacionais, o governo liberou bilhões em incentivos multinacionais estrangeiras.

Foi no começo de 2021, por sinal, que uma das gigantes do setor, a Ford, anunciou o fechamento de suas três fábricas no País – em Camaçari (BA), Horizonte (CE) e Taubaté (SP). Segundo a Receita Federal, a empresa norte-americana recebeu mais de R$ 20 bilhões em incentivos fiscais de 1999 a 2020. Só para o governo da Bahia, a Ford pagou R$ 2,5 bilhões em devoluções de incentivos.

O caso Ford foi fruto de uma célebre guerra fiscal entre Rio Grande do Sul e Bahia – a montadora pressionou os dois lados para ter incentivos graúdos. O governo baiano levou a melhor – e a empresa ainda recebeu isenções ligadas à importação e exportação de veículos, como as demais montadoras. De acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), a perda de arrecadação com as chamadas “Políticas Automotivas de Desenvolvimento Nacional” foi de cerca de R$ 50 bilhões desde 2010, com “pouco de desenvolvimento regional aos territórios beneficiados”. Cada emprego gerado custou, em média, R$ 34 mil mensais.

Outros segmentos com montantes elevados de incentivos fiscais foram a aviação (com cinco empresas), o setor de petróleo (quatro empresas) e o agronegócio (quatro empresas, todas ligadas à produção de insumos e máquinas agrícolas). Um caso que chama a atenção é o da Mosaic Fertilizantes, produtora de agrotóxicos, que associou os benefícios à “redução do custo da cesta básica”.

Em abril, numa entrevista ao Estadão, Haddad afirmou que o “buraco no orçamento” provocado pelas renúncias fiscais chegavam a R$ 600 bilhões. Na ocasião, o ministro que sua prioridade era cortar cerca de R$ 150 bilhões desses “jabutis tributários”.