Michigan: Ato de trabalhadores metalúrgicos em greve | Foto: AFP

Os sindicatos dos trabalhadores na indústria automobilística dos EUA (UAW, na sigla em inglês), que congrega os operários da GM, Ford e Chrysler/Stellantis, anunciou na sexta-feira (22) a ampliação da histórica greve, que já ultrapassa uma semana, para 20 estados. É a primeira vez que o UAW declara greve simultaneamente nas chamadas “Três Grandes de Detroit”. O UAW representa 150 mil trabalhadores.

“Essa expansão também levará nossa luta para todo o país. Estaremos em todos os lugares, da Califórnia a Massachusetts, do Oregon à Flórida”, disse o presidente do sindicato, Shawn Fain em uma transmissão ao vivo no Facebook.

Desde o último contrato coletivo, de 2019, os trabalhadores das montadoras só receberam 6% de aumento, enquanto os rendimentos dos executivos e altos escalões obtiveram 40%. As perdas salariais no período são estimadas em 19,5%, enquanto os carros estão (agosto) 23% mais caros do que antes da pandemia. As três grandes de Detroit obtiveram de lucro, somados, US$ 250 bilhões de dólares de entre 2013 e 2022, que foi usado basicamente para recompra de ações e não para investimento na produção e inovação, ou para recompensar seus trabalhadores; US$ 66% bilhões foram para os acionistas.

Uma pesquisa recente da Morning Consult revelou que a maioria dos americanos – 54% – apoia a greve, enquanto 18% se opõem. O UAW também recebeu apoio de ambos os extremos do espectro político, do presidente Biden ao ex-vice-presidente Mike Pence, segundo o portal Axios. O senador Bernie Sanders advertiu as montadoras contra a intransigência, lembrando que só no primeiro semestre do ano, as três obtiveram US$ 21 bilhões de lucro combinado, “um aumento de 80% em relação ao mesmo período do ano passado”.  

“Vocês, que estão no topo, nunca estiveram tão bem”, acrescentou Sanders, observando que há hoje “mais desigualdade de riqueza do que nunca na história dos EUA”.

A greve dos trabalhadores das montadoras é parte da onda de paralisações que vem atingindo os EUA nos últimos meses, de caminhoneiros a roteiristas e atores de Hollywood, de professores a trabalhadores de hotéis e de fast food, e que expressam o descontentamento com a intensificação da desigualdade, persistente inflação e escalada dos juros.  

De acordo com o UAW, os salários não acompanharam a inflação. O salário inicial nas três montadoras varia entre US$ 18 e US$ 32 dólares por hora, dependendo da antiguidade, para trabalhadores em tempo integral, de acordo com o Washington Post. Essa faixa, diz o sindicato, é cerca de US$ 10 menor do que deveria ser dada a taxa de inflação desde 2007.

“GREVE STAND UP”

A greve teve início na madrugada de quinta para sexta-feira da semana passada, na troca de turno na fábrica da GM em Wentzville, Missouri, na unidade Bronco da Ford em Wayne, Michigan, e em uma planta Jeep Wrangler da Stellantis em Toledo, Ohio, com 13 mil operários paralisados.

Em seu alargamento, a greve parou 38 centros de distribuição de peças da GM e da Stellantis, em razão da intransigência dessas duas montadoras nas negociações ter se revelado, na avaliação do sindicato, maior do que a da Ford, cuja direção, na última rodada, admitiu restabelecer uma fórmula de reajuste pela inflação (COLA, na sigla em inglês), desativada desde 2008; estender o direito de greve em caso de fechamento de fábricas – uma ameaça real diante da conversão do setor para os carros elétricos -; e efetivar os trabalhadores temporários após 90 dias.

A indicação de greve foi aprovada em agosto, com 97% dos votos. Nessa fase inicial, o sindicato vem puxando greves em fábricas selecionadas, ao mesmo tempo em que mantém a categoria em prontidão para generalizar a greve, caso as montadoras não recuem.  “Parece que retrocedemos tanto que temos que lutar só para ter de volta a semana de trabalho de 40 horas”, afirmou Fain.

Aliás, uma das exigências centrais da greve, incrivelmente, é a restauração do princípio do salário igual para trabalho igual, que foi desmantelado sob o governo Obama, durante o resgate da GM e da Chrysler em 2009, quando foi imposto que novos operários iriam ter um salário menor do que os antigos, os chamados dois níveis.

Atualmente, um trabalhador leva oito anos para passar da escala de baixo para a escala normal, e o sindicato exige o fim dos dois níveis e a restauração do “salário igual para trabalho igual”. (E o governo Biden, que era vice de Obama, se autodenomina o presidente mais pró-sindicatos da história…).

Uma operária ouvida pelo portal People’s World, dos comunistas norte-americanos, mostra bem como isso funciona. “Ela começou há um ano com US$ 16,25 por hora por causa do sistema de dois níveis e um ano depois ganha até US$ 17,25 por hora, um salário inferior ao que muitos trabalhadores de fast food ganham. As regras atuais não permitirão que ela cresça durante oito anos. Um trabalhador de nível superior que faz o mesmo trabalho perto dela na linha de montagem recebe o dobro do que ela”.

Na questão central do reajuste de salários, o sindicato está reivindicando um aumento de 40% – equiparação com a alta da remuneração dos executivos no período -, enquanto as montadoras só querem dar metade disso.

As montadoras querem manter os dois níveis, reduzindo de oito anos para quatro o período para alcançar a escala normal de salários.

EFETIVAÇÃO DOS TEMPORÁRIOS 

A pauta também requer a efetivação dos trabalhadores temporários após 90 dias de trabalho e a criação de um banco de empregos para trabalhadores demitidos.

Para os aposentados, o sindicato pediu a restauração das pensões e dos benefícios de saúde, reduzidos por Obama. Há uma década os aposentados não tem aumento.

Diante da badalada transição para os veículos elétricos, o sindicato reivindica o direito de greve no caso de fechamento de fábricas, o que não é permitido no contrato anterior. O sindicato acusa as montadoras de usarem essa transição como desculpa para tirarem direitos e demitir trabalhadores.

Outra grande questão é a introdução, nos EUA, de uma conquista que já existe em países europeus de mesmo nível de desenvolvimento, a redução da jornada semanal para 32 horas, sem redução de salário.

Apesar de estarem tendo lucros recordes, a participação nos lucros diminuiria 29% pela proposta da GM, enquanto que na Ford seria 21% menor.  A Stellantis ameaçou fechar 18 fábricas durante a vigência do contrato.

SOB NOVA GESTÃO

Fain está no comando do sindicato há cinco meses, nas primeiras eleições diretas, o que ocorre depois do escândalo em que dois ex-presidentes e outros diretores foram parar na cadeia por malversar US$ 5 milhões de dólares do fundo de greve em mordomias e sinecuras. Ao mobilizar para a greve, Fain chamou a enfrentar a “ganância corporativa”, dizendo que a paralisação “é contra a desigualdade massiva”, tal como as “greves históricas da década de 1930”.

O agora presidente do sindicato havia se tornado conhecido em 2007, ao mobilizar sua fábrica contra o brutal corte de direitos promovido por Obama a título de “salvação das montadoras”.

A reação das montadoras foi dizer que suas propostas eram “excelentes” e que iriam “à falência” se aceitassem a pauta dos trabalhadores. Como lembrou Fain, se referindo aos princípios do fordismo, as montadoras lançam programas de recompra de ações e pagam dividendos a rodo, “enquanto muitos trabalhadores não têm dinheiro para comprar os veículos que constroem”.

“55 SEGUNDOS”

Os trabalhadores rebatem as cínicas alegações de que são “mimados pelas montadoras”. Ainda no registro do People’s World: “essas condições incluem 12 horas diárias de trabalho excruciante com movimentos repetitivos, horas extras obrigatórias, intervalos tão curtos – 10, 15 e 20 minutos – que mal há tempo para correr ao banheiro, horas extras obrigatórias e trabalho obrigatório todo terceiro domingo também”.

A jovem trabalhadora que recebe até US$ 17,25 por hora “tem apenas 55 segundos para entrar no veículo que passa por ela na linha e realizar uma série de tarefas no veículo, incluindo conectar fios importantes. Entrar e sair de veículo após veículo é devastador para seus joelhos, disse ela”.

“Imediatamente após o término dos 55 ou 60 segundos, ela tem que pular para o próximo veículo e repetir as mesmas tarefas, indefinidamente, por 12 horas cansativas, com apenas três intervalos por dia, dois de 10 minutos e outro de 20 minutos”.

“É uma longa caminhada, 5 minutos em cada sentido até ao banheiro”, disse ela “é o mesmo até ao refeitório, muitos tentam evitar sair das nossas estações, as pessoas deitam-se em carrinhos perto da fila só para descansar um pouco.” Registre-se que nas fábricas onde não é permitida a sindicalização, caso da Tesla e montadoras estrangeiras nos EUA, as condições são ainda mais drásticas.

APOIO REVERBERA

Na fábrica da Stellantis em Toledo, no dia do início da greve, como registrou o Detroit Free Press, “os grevistas foram recebidos com apoio retumbante e buzinas de motoristas que passavam”. “Fazia tempo”, comentou o trabalhador Seth Harmon, sobre esse apoio. “Acho que este é definitivamente um grande momento na história da Jeep, para conseguir o que merecemos. Os tempos estão difíceis agora. O custo de vida é enorme. Os juros são enormes”.

“Sheri Green, moradora de Toledo, trabalha no setor automotivo há 23 anos e a fábrica da Stellantis Toledo é a quarta fábrica para a qual ela foi transferida em sua carreira. Ela estava no piquete na manhã de sexta-feira defendendo aumentos salariais, não mini bônus, que é o que ela disse que as montadoras estão oferecendo aos trabalhadores; salário igual para todos os trabalhadores; e fim dos dois níveis de salário”, segundo a mesma fonte.

Em 2019, a greve só atingiu a GM e durou 40 dias, com a gigante automotiva reclamando que perdeu US$ 3,5 bilhões. O contrato com a GM serviu de patamar para acordos com a Ford e a Stellantis. Este ano, ainda tem muita água para rolar sob a ponte.

Em ano pré-eleições, também está em disputa o voto dos operários das montadoras, com o Business Insider advertindo que a greve pode ser “o canário na mina de carvão para a campanha de reeleição de Biden juntos aos eleitores da classe trabalhadora”.

Com Trump ameaçando ir a Detroit “falar aos trabalhadores”, o presidente Fain retrucou que “cada fibra do nosso sindicato está sendo aplicada na luta contra a classe bilionária e contra uma economia que enriquece pessoas como Donald Trump à custa dos trabalhadores”.

Fonte: Papiro