Premiê armênio, Panishyan recebe a chefe da USAID, Samatha Power, em meio ao conflito | Vídeo

O ministério das Relações Exteriores da Rússia repeliu a tentativa do primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan, de, em mensagem pela data da independência armênia, transferir para a Rússia a culpa pelo colapso da autodenominada República de Nagorno-Karabakh (Artsakh), depois de 24 horas de ataque pelas tropas azeris e rápida rendição.

Desastre que levou a manifestações de protesto na capital da Armênia, Yerevan, em que o premiê armênio foi tachado de “traidor”.

Na quinta-feira (28), decreto do presidente Samvel Shahramanyan oficializou que “deixará de existir” a República de Nagorno-Karabakh (Artsakh) até 1º de janeiro de 2024, em meio ao êxodo de mais da metade da população da histórica região de ascendência armênia, foco de um conflito de três décadas que vinha se estendendo desde os dias finais da União Soviética.

A rendição inclui o desarmamento completo das “forças de defesa” de NKA e a dissolução de todas as instâncias de governo. Três ex-ministros de NKA foram presos. No decreto o presidente Shahramanyan apelou ao Azerbaijão para permitir a “passagem livre, irrestrita e desimpedida da população de Nagorno-Karabakh, incluindo os militantes que depuseram as armas, com os seus bens e meios de transporte através do corredor de Lachin”.

Anteriormente uma república autônoma de maioria armênia dentro da república soviética do Azerbaijão [desde 1937], no processo de dissolução da União Soviética Nagorno-Karabakh havia se levantado contra a subordinação a Baku, que pretendia retirar o status de autonomia. Em 1989, 77% dos habitantes eram armênios étnicos.

Apesar da disparidade de forças, reeditando acontecimentos que se repetiram em outras partes da URSS, NKA assumiu a condição de uma república autônoma, embora não reconhecida internacionalmente, mas de existência de fato, forte apoio da recém independente Armênia e mediação da Rússia, que negociou um armistício e a instalação de uma força de paz russa na região.

ARTSAKH

Apesar de todos os alertas de Moscou, o governo de Yerevan sempre adiou uma solução definitiva com o governo azeri para a questão de Artsakh, como a região é chamada pelos armênios. Com o agravante de que, na guerra de 1994, os armênios haviam conseguido o controle sobre áreas do Azerbaijão – o chamado ‘corredor de Lachin – de forma a permitir o acesso desde a Armênia até Nagorno-Karabakh e esse status quo lhes era cômodo.

Em 2020, a retomada pelo Azerbaijão da guerra, apoiado pelo regime turco e farta utilização de drones, resultou na retomada dessa área e volta ao isolamento de Nagorno-Karabakh.

Novamente por iniciativa da Rússia instalou-se um processo de negociação e continuou a atuação da força de paz russa. Na época, já estava instalado em Yerevan, capital da Armênia, o governo Pashinyan, no que foi visto por muitos como uma “revolução de veludo”.

Na avaliação da chancelaria russa, na mensagem da data nacional armênia, Pashinyan “tenta se eximir das suas responsabilidades pelas falhas na política interna e externa” e revela ter estado preparando a Armênia “para se afastar da Rússia, com passos deliberadamente concebidos para estabelecer um novo vetor, ocidental” e acusações a Moscou e à Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), que congrega a Rússia e várias repúblicas ex-soviéticas.

No discurso, o primeiro-ministro disse que se “condições reais” não fossem criadas para que os armênios étnicos vivam em Nagorno-Karabakh e eles deixarem suas casas, “a responsabilidade recairá inteiramente sobre o Azerbaijão”, que empreendeu uma política de limpeza étnica, “e o contingente russo de manutenção da paz em Nagorno-Karabakh.”

Ao mesmo tempo – acrescenta o comunicado russo -, “esquece-se que os nossos Estados têm interesses muito semelhantes em questões de segurança e desenvolvimento, e que os Estados Unidos e outros países da Otan estabeleceram como objetivo não só infligir danos estratégicos à Rússia, mas também desestabilizar a nossa comunidade comum, o espaço eurasiano”.

A Rússia – acrescenta o documento – sempre foi fiel às suas obrigações aliadas, respeitou o Estado armênio e nunca confrontou a república com uma escolha: conosco ou contra nós. “Moscou prestou e continua a prestar assistência em grande escala à fraterna Armênia nas áreas da segurança, economia e cultura”.

Com 29.000 quilômetros quadrados de área, a Armênia tem 2,8 milhões de habitantes atualmente, sendo que os armênios que vivem na Rússia superam em número a população do pequeno país do Cáucaso.

“No outono de 2020”, foram os esforços da Federação Russa e pessoalmente do presidente Vladimir Putin que “tornaram possível evitar a derrota completa da Armênia”. Se Pashinyan tivesse concordado com uma trégua semanas antes a perda teria sido “menos severa”, observa a nota diplomática.

O documento também aponta que a “atividade altruísta das forças de manutenção da paz russas em Nagorno-Karabakh (Artsakh), NKA, por vezes à custa das suas próprias vidas” é a confirmação direta do “empenho contínuo da Rússia em cumprir a sua missão extremamente difícil no interesse de alcançar a paz entre os povos do Azerbaijão e da Armênia”.

Lembra ainda do “invariável esforço russo pelo aumento dos laços econômicos e de investimento” com a Armênia, tanto em nível bilateral como no âmbito da União Econômica da Eurásia, apesar da criação, desde Yerevan, de “obstáculos artificiais”.

“A Rússia defende firmemente o reforço de um espaço cultural e educacional comum com a Armênia”, apesar das tentativas de certos representantes armênios de frear “o progresso de projetos mutuamente benéficos na esfera humanitária”.

A nota sublinha que foi Pashinyan – em vez de observar o acordo de cavalheiros dos líderes da Rússia, Azerbaijão e Armênia, de Novembro de 2020, para deixar a questão do estatuto de Nagorno-Karabakh para as gerações futuras – quem “sucumbiu às exortações do Ocidente”. “Reconheceu a soberania do Azerbaijão sobre Nagorno-Karabakh, com base na declaração de Alma-Ata de 1991, em Praga e em Bruxelas”.

O que, como se sabe, tornou o conflito um assunto interno do Azerbaijão – ao invés de ser um problema histórico que remonta, pelo menos, aos anos 1920 do século passado e com ligações com a brutal perseguição aos armênios, que são cristãos, no colapso do império otomano.

“Isto mudou fundamentalmente as condições sob as quais a declaração trilateral de 9 de Novembro de 2020 foi assinada, bem como a posição do contingente de manutenção da paz russo. Devido à miopia da liderança armênia, não foi possível implementar uma série de acordos no domínio do reforço da segurança da Armênia”.

A situação também foi agravada pela persistente negação oficial de Yerevan da presença contínua das forças armadas armênias em NK após 9 de novembro de 2020, o que se tornou uma das principais razões para a escalada de setembro, registrou o comunicado.

“O acordo alcançado em 20 de Setembro sobre a retirada das restantes unidades armênias e o desarmamento completo do ‘Exército de Defesa do Nagorno-Karabakh’ com a remoção de equipamento pesado e armas revelou o quadro real”.

FUGA

Em grande parte como resultado da posição inconsistente da liderança armênia, que preferiu fugir e correr para o Ocidente em vez de trabalhar em conjunto com a Rússia e o Azerbaijão, a implementação de um conjunto de acordos trilaterais ao mais alto nível para 2020-2022 estagnou, reitera o documento russo.

“Perdeu-se um tempo precioso, durante o qual progressos significativos poderiam ter sido feitos em termos de acordo sobre um tratado de paz, delimitando a fronteira e desbloqueando as comunicações regionais”, o que teria se tornado fatores adicionais de segurança para a Armênia.

“É também digno de nota que nas referidas reuniões de Praga e Bruxelas, sob os auspícios da União Europeia, o primeiro-ministro da Armênia, embora reconhecendo a integridade territorial do Azerbaijão, não se lembrou dos direitos e da segurança dos armênios de Karabakh”.

O documento também repeliu as alegações de que os protestos em Yerevan contra a rendição de Nagorno-Karabakh foram “inspirados pela Rússia”.  “O chefe do governo armênio deveria estar bem ciente de que Moscou não lida com tais coisas – ao contrário do Ocidente, que é bastante hábil na organização de ‘revoluções coloridas’”.

Ao mesmo tempo em que o embaixador dos EUA mantém contatos estreitos com o governo armênio e por instigação das autoridades desencadeou-se um tsunami anti-russo nos meios de comunicação de Yerevan.

A nota conclui advertindo tratar-se de “um grande erro” a tentativa de “deliberadamente destruir os laços multifacetados e seculares entre a Armênia e a Rússia e tornar o país refém dos jogos geopolíticos do Ocidente”.

Ao longo do corredor de Lachin – a única estrada que liga o enclave à Armênia – longas filas de carros, enquanto milhares de residentes tentavam fugir ao mesmo tempo. Entrevistada pela CNN, a acadêmica Nonna Poghosyan disse que “o que normalmente seria uma viagem de 45 minutos levou 35 horas, de tão engarrafada que a estrada estava”. “Nosso governo rendeu-se. Isso é tudo. Nenhum armênio será deixado aqui dentro”, asseverou.

Muitos dos que se deslocaram desembarcaram em campos de refugiados temporários criados nas cidades fronteiriças de Goris e Kornidzor. Nagorno-Karabakh estava sob bloqueio desde dezembro de 2022, quando os azeris estabeleceram um posto de controle militar no corredor de Lachin, bloqueando a importação de alimentos, combustível e medicamentos.

O porta-voz do Kremlin, Peskov, afirmou que a Rússia está acompanhando de perto a evolução da situação, e que o aspecto humanitário é o mais importante, com as forças de manutenção da paz continuando a ajudar as pessoas.

Ao mesmo tempo, Moscou não vê quaisquer razões diretas para o êxodo em massa de armênios de Nagorno-Karabakh. “Dificilmente é possível falar sobre quem é o culpado, porque não há uma razão direta imediata para tais ações, mas, mesmo assim, as pessoas expressam o desejo de fazer isso para sempre, algumas delas temporariamente, durante o período de transição”, disse Peskov.

Baku reagiu à declaração de Pashinyan de que “nos próximos dias não haverá mais armênios em Artsakh, uma limpeza étnica”, chamando-a de “narrativa alarmista” e conclamando os residentes se tornarem “parte da sociedade do Azerbaijão”. Mas acrescentando que “se alguma parte dos residentes armênios não quiser viver dentro do quadro da legislação do Azerbaijão e obedecê-la, não podemos forçá-los a fazer isso”.

PASHINYAN

Para a cientista política Karine Gevorgyan, em entrevista ao Svobodnaya Pressa, Pashinyan ficará para a história como “o presidente que rendeu Artsakh”. Ela observou ainda que a república não reconhecida de Nagorno-Karabakh existiu por cerca de 30 anos. “É digno de nota que a Armênia não reconheceu a NKA, embora tenha prestado assistência multilateral, incluindo armas”.

Na tarde de 19 de Setembro – dia da ofensiva azeri -, Pashinyan dissera que Armênia “não participará” no conflito, embora estejam “tentando arrastá-la para ele”. As negociações sobre a rendição de Karabakh começaram à noite. Ao meio-dia de 20 de setembro, surgiram as linhas gerais do acordo. O cessar-fogo entrou em vigor às 13h00.

Como registrou o jornal russo Vzygliad, Pashinyan abriu mão de declarar mobilização, organizar a defesa ou sequer de fazer muito barulho. “Optou por renunciar publicamente a Karabakh”. Por sua própria ordem, “proibiu as forças armadas armênias de ajudar os armênios de Karabakh. Ou seja, os armênios foram proibidos de salvar armênios”.

“A Armênia, como Estado, e os ativistas barulhentos de Yerevan não carregaram crianças feridas para fora de Stepanakert – isso foi feito por soldados russos, contra os quais foi jogada lama durante todos os três anos em Yerevan”.

PROVÍNCIA REMOTA

Em sua peroração já criticada pela chancelaria russa, o primeiro-ministro Pashinyan disse que o que está em discussão é se “a Armênia será um Estado democrático livre ou uma província remota”. Escolha que, segundo ele, vem sendo feita quase abertamente no campo político interno da Armênia, entre seguir “o caminho da independência ou da submissão”. Eu, como Primeiro-Ministro, gabou-se, “sou guiado pelo primeiro”.

Para o que Pashinyan já tem um encontro marcado em 5 de outubro em Granada, na Espanha, na cúpula da Comunidade Política Europeia, em que está agendada uma reunião dele com o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev.

Foi em reunião anterior em Praga, no ano passado, sob os aplausos do presidente do Conselho Europeu, o belga Charles Michel, que Pashinyan carimbou a rendição da NKA, ao reconhecer o Protocolo de Alma Ata de 1991, sem qualquer condicionante referente à terra ancestral armênia.

Por sua vez, Samantha Power, chefe da Usaid, agência governamental norte-americana que, segundo o pré-candidato presidencial Robert Kennedy Jr, é “uma fachada da CIA”, foi a Yerevan levar uma carta de apoio do presidente Biden.

Mas a rendição não acaba com os problemas enfrentados pelo povo armênio. À semelhança de NKA, a própria Armênia tem um enclave, este de maioria azeri, Nakhichevan, que é separado do Azerbaijão por terras armênias, e faz fronteira com a Turquia, com Ancara e Baku reivindicando a abertura de um corredor terrestre, levando a temores de perda de outras regiões históricas armênias, como Zangezur e Syunik, em caso de novo conflito.

O anúncio, pela Comissão Permanente de Assuntos Jurídicos e de Estado do parlamento armênio, de que iniciou a discussão do projeto de ratificação do Estatuto de Roma, isto é, a adesão ao Tribunal Penal Internacional (TPI), foi denunciado por Moscou como um “ato hostil”.

“A Armênia sabe muito bem que não somos parte [do Estatuto de Roma], e está bem ciente da decisão [do TPI de emitir um mandado de prisão para o presidente Putin] tomada com base neste estatuto, advertiu o porta-voz do Kremlin, Peskov.

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia também alertou Yerevan sobre as consequências negativas para as relações bilaterais. Moscou acrescentou contar com que haverá forças no parlamento armênio que não aprovarão tal “decisão tóxica”. Para o governo Pashinyan, a súbita adesão ao TPI seria tão somente um tipo de proteção “contra o Azerbaijão e seus crimes de guerra”.

Fonte: Papiro