Governo avança na proporção de médicos para o interior e áreas rurais
O cenário da saúde no Brasil é marcado por uma desproporção alarmante entre a população e o número de médicos em cada estado do país, revelou a mais recente edição do estudo “Demografia Médica no Brasil 2023”, realizado pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Este estudo, fruto de uma colaboração entre a Associação Médica Brasileira (AMB) e a FMUSP, oferece uma visão detalhada da distribuição de médicos no Brasil, mudanças na formação médica e no mercado de trabalho, bem como desafios significativos que o sistema de saúde enfrenta.
Desde o início de 2023, o Ministério da Saúde já atacou vários gargalos apontados pelo estudo, por meio da retomada e requalificação de programas abandonados pela gestão Bolsonaro. A distribuição irregular pelo país e problemas na formação são áreas que estão sob atenção do governo.
A DMB 2023 enfatiza o crescimento exponencial da população médica, mas também alerta para as desigualdades na distribuição de médicos, desafios na formação de especialistas e questões de gênero e renda na medicina.
Atentos a estas questões, a equipe do Ministério da Saúde tem buscado enfrentar estes temas com programas como o Mais Médicos e o programa de Residência Médica e estímulos para a formação.
Além disso, o estudo aponta para uma diferença marcante na distribuição de médicos entre o sistema público de saúde (SUS) e o setor privado. Proporcionalmente, mais médicos estão disponíveis para atender pacientes com planos de saúde privados, que representam menos de 30% da população, enquanto aqueles que dependem exclusivamente do SUS enfrentam uma disponibilidade menor de médicos.
Desigualdade na distribuição
Uma das constatações mais impactantes do estudo é o expressivo crescimento no número de médicos no Brasil nas últimas décadas. Em pouco mais de 20 anos, o país viu o número de médicos mais do que dobrar, com mais de 250.000 novos profissionais formados nos últimos 13 anos. Segundo as projeções da DMB, mesmo em um cenário conservador, o Brasil terá mais de um milhão de médicos até 2035, reflexo da ampliação massiva das vagas nos cursos de graduação em medicina.
Apesar do aumento na oferta de médicos, o estudo revela desigualdades significativas na distribuição desses profissionais pelo país. A concentração de médicos nas grandes capitais é notável, com uma densidade média de 6,13 médicos por 1.000 habitantes, em comparação com apenas 1,84 médicos por 1.000 habitantes em áreas rurais e do interior. Isso cria disparidades no acesso aos serviços de saúde, com uma parte significativa da população tendo acesso limitado a médicos.
Em todas as especialidades existe desigualdade de distribuição entre os estados, mas algumas estão mais concentradas, como é o caso de cirurgiões. No Pará, por exemplo, são 0,46 por 100 mil habitantes, seis vezes menos do que no Distrito Federal (60,84).
O número de anestesiologistas no Maranhão (4,40 por 100 mil) é cinco vezes menor do que no Rio de Janeiro (22,54 por 100 mil). A média nacional de Medicina de Família e Comunidade, uma das especialidades nos serviços de Atenção Primária, é de apenas 5,54 para 100 mil habitantes, sendo que 15 estados estão abaixo dela.
Mais Médicos
O programa Mais Médicos é a iniciativa do Governo Federal que vai resgatar o acesso à saúde para mais de 96 milhões de brasileiros. O Ministério da Saúde anunciou, no mês de julho, a abertura dos novos editais para profissionais e para adesão de municípios, com iniciativas inéditas como médicos para equipes de Consultório na Rua e população prisional, além de novas vagas para reposição nos territórios indígenas.
Ao todo, o Mais Médicos terá, até o fim de 2023, 15 mil novos médicos em todo país, totalizando 28 mil profissionais. Seis meses após a retomada do programa, ele já bateu recorde histórico de profissionais ao atingir a marca de 18,5 mil médicos em atuação na atenção primária à saúde em todo Brasil. Até então, o maior número de profissionais em atividade foi em 2015, no Governo Dilma, com 18,2 mil médicos. Nesse período havia uma ampla participação de médicos cubanos – que representavam mais de 60% do total. Agora, a maior parcela é de médicos brasileiros formados no Brasil, seguido de brasileiros formados no exterior.
Do total de médicos em atuação, cerca de 13 mil correspondem a novas vagas abertas em 2023 pela gestão da ministra Nísia Trindade. São mais de 4.000 municípios atendidos, com maior concentração de médicos nas periferias, interior do país e regiões pobres.
Em todo o país, 8.613 profissionais indicaram o local de atuação de sua preferência em 2.595 municípios, sendo 3.125 médicos no Sudeste, 2.724 no Nordeste, 1.345 na região Sul, 951 na região Norte e 468 médicos no Centro-Oeste. Entre os municípios que vão receber profissionais do edital de coparticipação, 422 são estreantes e terão médicos do programa pela primeira vez.
Entre os profissionais alocados, 7.373 são novatos no Mais Médicos e 1.240 são médicos que participaram de outros ciclos do programa. Do total, 4.581 são médicos brasileiros com CRM, 3.985 são brasileiros formados no exterior e 47 são médicos estrangeiros.
UF | Profissionais alocados |
SP | 1236 |
MG | 1037 |
PE | 730 |
RJ | 723 |
PR | 634 |
BA | 607 |
CE | 430 |
PA | 395 |
SC | 360 |
RS | 351 |
Formação de especialistas
A retomada do Mais Médicos trouxe mais oportunidades de formação e especialização para os profissionais, com prioridade para médicos brasileiros formados no Brasil. Com a atuação em 4 anos pelo programa em área de vulnerabilidade, o profissional formado pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) receberá um benefício para o pagamento do financiamento.
O Mais Médicos também dará oportunidade de especialização e mestrado durante o tempo de atuação no programa, além de outros benefícios para os que atuarem nas regiões de difícil fixação de profissionais.
Segundo os dados do estudo, de 2015 a 2023 houve aumento de 57% na oferta de vagas de residência médica no Brasil, passando de 29.696 para 46.610 vagas, mas a disponibilidade de vagas de primeiro ano de residência não tem sido suficiente para acompanhar o aumento do número de médicos graduados.
Dos 545 mil médicos no Brasil, 192.6 mil, quase 38%, são aqueles que não têm especialidade médica, os chamados generalistas. Assim, os demais 321,5 mil médicos são especialistas, e essa distribuição é mais concentrada e mais desigual do que entre os médicos, em geral.
Ao analisar a evolução nacional da taxa de estudantes de medicina por 1.000 habitantes, comparada à taxa de médicos cursando residência médica (RM) por 1.000 habitantes, percebe-se a defasagem entre a oferta do ensino de graduação (1,05 estudante por 1.000 habitantes em 2021) e a oferta da formação especializada (0,21 médico residente por 1.000 habitantes). A RM é a principal modalidade para formar especialistas.
A oferta de RM ainda é altamente concentrada em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, deixando muitas regiões subatendidas.
A retomada do Mais Médicos também trouxe mais oportunidades de formação e especialização para os profissionais, com prioridade para médicos brasileiros formados no Brasil. O Mais Médicos também dará oportunidade de especialização e mestrado durante o tempo de atuação no programa, além de outros benefícios para os que atuarem nas regiões de difícil fixação de profissionais.
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, em parceria com a Secretaria de Educação Superior, também possibilita a construção da Política Nacional de Residências em Saúde (PNRS) por meio das discussões, além de avaliar a qualificação profissional em áreas prioritárias para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Principal financiador dos programas de residência no País, o Ministério da Saúde é responsável, atualmente, pela concessão de bolsas de mais de 25 mil residentes, representando 52% em Programas de Residência em Área Profissional da Saúde e 40% relacionadas aos Programas de Residência Médica. Em outubro, a SGTES prevê o lançamento de editais para concessão de 1.800 bolsas para programas de Residência Médica e Residência em Área Profissional da Saúde.
Gênero e renda na medicina
Outro aspecto destacado pela DMB 2023 é a crescente feminização da medicina. As mulheres agora representam a maioria dos novos registros de médicos, e a tendência é que se tornem a maioria na população médica total a partir de 2024. No entanto, apesar dessa mudança, a desigualdade de gênero persiste na medicina, com as mulheres enfrentando desigualdades na renda e na escolha de especialidades.
A Residência Médica (RM) é um componente essencial da formação de médicos especialistas, e a DMB 2023 destaca a importância desse programa. No entanto, o estudo revela que a oferta de vagas de RM não tem acompanhado o aumento no número de médicos formados, e a concentração de vagas em poucos estados é um desafio adicional. A pesquisa também aponta para o fato de que um terço das vagas autorizadas pelo Ministério da Educação (MEC) não está sendo preenchido, dificultando ainda mais o acesso a especializações.
A pandemia de covid-19 teve um impacto significativo na medicina, com a telemedicina emergindo como uma ferramenta importante para a prestação de cuidados de saúde. A DMB 2023 destaca como a telemedicina foi amplamente adotada pelos médicos durante a pandemia, abrindo oportunidades para o uso contínuo dessa tecnologia em diversos contextos médicos.
Alguns dos desafios apontados para o setor público pelo estudo é a maior demanda por especialistas conforme a população envelhece. A população com mais de 60 anos será de mais de 36 milhões de pessoas em 2025, segundo o IBGE e, com isso, teremos aumento das doenças crônicas não transmissíveis que as maiores causas de adoecimento e morte.
Além disso, duas políticas de saúde pública recentes, do governo federal, também demandam maior número de especialistas, como o Programa Nacional de Redução das Filas de Cirurgias Eletivas, Exames Complementares e Consultas Especializadas (PNRF) e política de Atenção Primária à Saúde.
(por Cezar Xavier)