Falo de coisas que existem. 50 anos se passaram da morte de Neruda
Há 50 anos, no dia 23 de setembro de 1973, o mundo perdia um de seus maiores tesouros literários: Pablo Neruda, nascido como Neftalí Reyes em Parral, no Chile, em 1904. Hoje, relembramos a vida e a obra desse ícone da poesia, que deixou uma marca indelével na cultura e na história do Chile e do mundo.
O Chile e o mundo perderam uma das vozes poéticas mais influentes do século XX. Este poeta, que brilhou intensamente nas páginas da literatura, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1971, mas sua morte, apenas 12 dias após o golpe de Estado no Chile, permanece envolta em mistério e controvérsia.
Neruda era muito mais do que um poeta talentoso; ele era um proeminente militante comunista, um defensor apaixonado das causas sociais e um diplomata que viajou por todo o mundo, representando seu país. Seu compromisso político era tão inflamado quanto suas palavras poéticas. Ele não apenas escreveu sobre a revolução, mas também viveu-a, apoiando ativamente movimentos e líderes de esquerda.
Sua infância foi marcada por experiências familiares e geográficas que o influenciariam profundamente. Órfão de mãe, cresceu acompanhando seu pai, um ferroviário, em suas viagens pelas paisagens exuberantes do Chile. Desde cedo, Neruda demonstrou um talento precoce para a poesia, escrevendo versos com maestria métrica.
Ele se tornaria conhecido em todo o mundo sob o pseudônimo de Pablo Neruda, que adotou quando jovem. Sua obra poética, desde o início, quebrou barreiras e surpreendeu com sua originalidade. Seus primeiros trabalhos, como “Crepusculario” (1923) e “Vinte Poemas de Amor e uma Canção de Desespero” (1924), já anunciavam sua ousadia e criatividade, conquistando leitores com seus ritmos inovadores e linguagem fresca.
Neruda não foi apenas um poeta, mas um colecionador incansável de experiências, objetos e amores. Sua poesia era permeada por uma intensa sensualidade, refletindo seu apetite pela vida, pela comida, pela bebida e pelo amor. Ele explorou temas que iam desde a natureza até o universo marinho, sempre mantendo uma ligação profunda com suas memórias de infância.
Ao longo de sua vida, Neruda publicou mais de 40 livros, abrangendo uma variedade de temas, desde objetos do cotidiano até o compromisso político. Ele era um comunista convicto e, em 1945, foi eleito senador. No entanto, durante o governo de Gabriel González Videla, quando o Partido Comunista foi proibido, ele entrou na clandestinidade.
Sua poesia passou por uma evolução notável ao longo dos anos, da intimidade sentimental de sua juventude aos temas épicos e políticos de “Canto Geral” (1950), uma coleção que abraçou a história e a geografia da América Latina, com o próprio poeta no centro de sua narrativa.
A poesia de Neruda também enfrentou críticas e polêmicas. No cenário contemporâneo, ele foi questionado por seu comportamento em relação às mulheres e por ter admitido em suas memórias ter estuprado uma mulher quando era cônsul no Ceilão (atual Sri Lanka). Além disso, ele foi criticado por abandonar sua filha Malva Marina, que nasceu com hidrocefalia.
Morte suspeita
Sua morte, aos 69 anos, ocorreu em um momento crítico da história chilena. O país estava em tumulto após o golpe de Estado liderado pelo General Augusto Pinochet, que depôs o presidente democraticamente eleito Salvador Allende. Neruda estava sofrendo de câncer de próstata e estava internado na Clínica Santa María. A versão oficial da sua morte atribuiu o óbito às complicações causadas pela doença.
O cinquentenário de sua morte também traz à tona a suspeita de que Neruda tenha sido envenenado por agentes da ditadura de Augusto Pinochet, que se instalou apenas 12 dias antes de sua morte. Colaboradores da ditadura de Pinochet podem tê-lo envenenado com uma bactéria enquanto ele estava na clínica. Essa suspeita levou a uma investigação judicial, que permaneceu em aberto por anos.
Essas suspeitas foram lançadas por seu ex-motorista, Manuel Araya, em 2011, abrindo uma investigação judicial sobre o caso. Esta teoria lançou uma sombra sobre a morte de Neruda, questionando se ele realmente morreu devido a complicações de câncer.
Enquanto alguns membros da família, como Rodolfo Reyes, sobrinho do poeta, acreditam firmemente que Neruda foi assassinado pelo regime de Pinochet devido às suas palavras contra o ditador, outros, como Bernardo Reyes, sobrinho-neto do escritor, não compartilham dessa crença.
O mistério persiste, alimentado pela morte de Manuel Araya em junho de 2023, que não pôde testemunhar o veredito final da investigação judicial. Além disso, um relatório de cientistas canadenses em 2023 não conseguiu comprovar conclusivamente que Neruda morreu devido a uma bactéria inoculada intencionalmente.
Poeta vivo e atuante
Independentemente das polêmicas que cercam sua vida, a poesia de Pablo Neruda continua viva e relevante. Seus versos continuam a ecoar na mente de leitores em todo o mundo, tocando temas universais como o amor, a natureza, a política e a vida cotidiana. Sua obra é um testemunho duradouro de sua genialidade poética e de seu impacto duradouro na literatura mundial.
Neruda, ao longo de sua vida, não apenas deixou um legado literário de proporções oceânicas, mas também deixou uma marca profunda na história política de seu país e do mundo. Sua poesia foi diversa, evoluindo de temas românticos e amorosos para questões sociais e políticas à medida que ele próprio evoluía em seu contexto histórico e ideológico.
O poeta de Parral também era conhecido por sua vida intensa, cheia de amores, viagens e experiências. Sua voracidade pela vida era refletida em sua poesia, que abordava uma ampla gama de temas e estilos, mantendo sempre a conexão com o povo e suas preocupações.
Hoje, celebramos os 50 anos da morte de Pablo Neruda, lembrando não apenas as sombras que pairam sobre sua figura, mas também sua contribuição imensurável para a poesia e para a compreensão da condição humana. Seu legado perdura e continuará a inspirar gerações futuras de poetas e leitores em todo o mundo.
Embora as circunstâncias de sua morte ainda sejam debatidas e as suspeitas de assassinato persistam, uma coisa é inegável: Pablo Neruda continua a ecoar em nossos corações e mentes. Sua poesia, com toda a sua diversidade e paixão, permanece viva e relevante, inspirando gerações após gerações a apreciar a beleza da palavra escrita e a lutar por justiça social.
(por Cezar Xavier)